Por Pedro Breier
Larissa foi morta a pauladas em um hotel na cidade de São Paulo, ontem. Larissa era transexual e morreu cruelmente apenas por existir. O Brasil é o campeão em homicídios de LGBTs nas Américas, de acordo com o relatório da ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais).
Um homem ficou preso 11 meses “preventivamente” sob a acusação de tráfico pela posse de 0,26g de crack. Após quase um ano na prisão, ele ainda não havia sido citado para que o processo criminal fosse, vejam bem, iniciado. A defensoria pública de São Paulo conseguiu colocá-lo em liberdade recorrendo ao STF, já que o TJ-SP e o STJ negaram o habeas corpus.
Essas duas notícias tão chocantes quanto corriqueiras abrem a semana que antecede o natal de 2017.
Seria interessante usarmos a data que simboliza o nascimento de Jesus – um cara com ideias poderosas, meio hippies, que foram usadas deturpadamente por muita gente para angariar poder e riquezas, de imperadores romanos a pastores evangélicos que pregam a picareta teologia da prosperidade – para refletirmos sobre o fato de não termos entendido nada do que ele quis dizer.
A Bíblia não deixa margem para dúvidas. Jesus pregava o amor universal. Incondicional. Amai ao próximo como a si mesmo. Ofereça a outra face.
Andava com prostitutas, pecadores, leprosos, adúlteros, os excluídos da época. “Atire a primeira pedra quem nunca pecou”, lembram?
Mais de 2 mil anos depois, os excluídos continuam existindo em profusão. A cor da pele, o gênero, a sexualidade ou a classe social ainda determinam quem tem direito a viver com dignidade e quem pode ser tratado como a escória da sociedade sem maiores consequências.
A intolerância contra os marginalizados é alimentada, suprema hipocrisia, por aqueles que se dizem os mais cristãos, os fieis seguidores do Jesus.
A crise econômica mundial fez brotar o fascismo que estava escondido no coraçãozinho empedernido de muita gente. A piora das condições de vida faz com que as pessoas deem ouvidos a quem oferece respostas fáceis para os problemas.
Não faz sentido algum jogar a população contra grupos já excluídos quando a raiz dos problemas é a concentração da riqueza com um número incrivelmente baixo de pessoas em detrimento da esmagadora maioria da população.
Entretanto, é muito mais fácil direcionar a raiva e o ódio para aqueles que não têm como se defender do que para os poderosos. Bolsonaro sabe muito bem disso.
Enquanto continuarmos achando que a vida é uma competição insana por riqueza, poder e status e que é natural que uns poucos consigam chegar ao “sucesso” e muitos vivam em condições sub-humanas, estaremos fadados a repetir o que fazemos a milhares de anos: matarmo-nos estupidamente enquanto meia dúzia de poderosos controlam a vida de todos os demais.
Só quando os invisíveis da sociedade – como os transexuais e os usuários de crack que passam por sofrimentos inimagináveis por causa do nosso descaso – deixarem de sê-lo poderemos nos tornar uma sociedade verdadeiramente justa.