A maldição dos isentões

Reproduzo o artigo abaixo, de Helena Chagas, apenas para discordar profundamente dele.

A delação premiada é uma excrescência absoluta. Tinha de ser demolida. Não sendo possível, ela deve ser, urgentemente, regulamentada com o máximo de rigor possível, para acabarmos com essa falta de vergonha, que é ver o Estado se equiparar à figura mais vil na escala moral da humanidade: o delator.

A CPMI da Delação trouxe juristas que dissecaram, em detalhes, a podridão do instituto da delação, em especial os professores Aury Lopes, da PUC-RS, e Jacinto Coutinho, da UFPR.

Eu queria muito que Helena Chagas assistisse ao vídeo com o depoimento do professor Aury, que o editor do Cafezinho teve o trabalho de editar, na raça, com suas próprias mãos.

Aury faz um depoimento emocionado de tanta indignação, contra os abusos cometidos pela Lava Jato.

Depois, convido Helena Chagas a assistir ao vídeo, que a gente também teve o trabalho de editar, com o professor Jacinto Coutinho, professor e jurista da UFPR, igualmente indignado com a maneira como a delação premiada vem sendo aplicada no país.

Confesso que tenho uma implicância enorme com o conceito de “isenção” desses jornalistas tradicionais, porque acho que é um conceito simplesmente fariseu, hipócrita, falso. É um teatro para ocultar essa crônica covardia do jornalismo brasileiro, essa alergia contra qualquer narrativa que estremeça as verdades únicas da grande mídia.

Por fim, acho que textos sobre a CPMI da Delação que não citam Rodrigo Tacla Duran (assista ao vídeo aqui), como estamos vendo tanto na grande imprensa (Bernardo Mello Franco, que é mais uma dessas delicadas flores “progressistas” do regime de exceção, publicou hoje uma nota na mesma linha de Helena Chagas), como de blogs alinhados à narrativa da Lava Jato, como parece ser o Divergentes (que deveria, portanto, se chamar “Convergentes”), são um tanto… incompletos, para dizer o mínimo.

Sobre o artigo de Bernardo Mello Franco, lembro apenas que uma das maiores vantagens de uma democracia sobre um regime autoritário é justamente o poder concedido aos cidadãos e seus representantes de investigar, supervisionar e punir abusos de autoridades do sistema repressivo.

O dilema dos antigos romanos expresso na máxima “Quis custodiet ipsos custodes? (Quem vigia os vigias?)” é resolvido, no regime democrático, com a criação de instrumentos para punir os abusos.

Na Atenas clássica, o cargo de juiz era concedido mediante sorteio, durava apenas um ano, e após o seu término, os cidadãos julgavam, por sua vez, se as decisões do juiz haviam prejudicado a comunidade.

Ao final do texto, Chagas, que foi a responsável pela Secom no governo Dilma, ainda afirma que:

“se essa legislação for aprovada, não haverá futuras delações como a que Antônio Palocci está, lá da cadeia, tentando negociar”

Ora, que Deus te ouça, Helena!

Que nunca mais o país passe pela vergonha de haver uma delação tão escroque como a de Antonio Palocci e seu “pacto de sangue”!

Está difícil ser “isentão” no Brasil.

Agora para ser “isento” é preciso se ajoelhar no altar do autoritarismo e do regime de exceção.

***

No site Divergentes

Congresso atira na delação premiada
Por Helena Chagas – dezembro 13, 2017, 12:00

A quase ridícula proposta de indiciamento do ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, e de outros integrantes da cúpula da PGR com base no entulho autoritário da Lei de Segurança Nacional por terem acusado o presidente da República é apenas a parte mais visível do vexaminoso relatório do quase ministro Carlos Marun. Não terá, certamente, maiores consequências práticas se permanecer no relatório da CPMI da JBS.

O que importa, de fato, nesse relatório, e que poderá mudar tudo, é a proposta de mudanças na legislação para “regulamentar” a delação premiada. Diferentemente do polêmico indiciamento de Janot, que divide os membros da CPI e está no centro dos debates, as mudanças nos acordos de colaboração premiada, previstas no relatório parcial do petista Wadih Damous, unem a maioria – na comissão e no Congresso. E podem ser votadas a toque de caixa a qualquer cochilo do MPF e demais investigadores.

A proposta legislativa, que deve ser anexada ao relatório final, prevê que todas as pessoas citadas em delações – os delatados – sejam notificadas quando o acordo for fechado, antes mesmo de sua homologação, e tenham 15 dias de prazo para impugnar o acordo e apresentar documentos se defendendo. Prevê também que apenas investigados em liberdade poderão firmar acordos de delação premiada e determina que as provas e informações trazidas à luz por um acordo de delação rescindido ou revogado serão consideradas nulas.

É óbvio que, estivessem em vigor essas normas propostas pela CPI da JBS, não teria havido boa parte das delações que permitiram centenas de investigações e processos – como as da Odebrecht e outras empreiteiras – e a Lava Jato não teria tomado o rumo que tomou. Os elementos da delação suspensa da JBS não poderiam ter sido utilizados para denunciar o presidente Michel Temer, por exemplo.

E mais: se essa legislação for aprovada, não haverá futuras delações como a que Antônio Palocci está, lá da cadeia, tentando negociar. E nem a que Geddel Vieira Lima está pensando em fazer. Ou seja, estarão resolvidos boa parte dos problemas policiais do espectro político, de A a Z, do PMDB ao PT. É por isso que muita gente acha que vai passar.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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