Photo: Ana Rojas – Geoffrey Robertson e Cristiano Zanin falando no parlamento britânico
Dias 2 e 4 de dezembro, Geoffrey Robertson Q.C., o advogado de Lula junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU, explicou o caso Lula a sindicalistas e parlamentares britânicos, que se mostraram preocupados com as violações do direito de defesa de Lula, como também com as eleições de 2018.
Em sua linguagem tipicamente simples, sem uso do ‘juridiquês’, o eminente jurista explicou aos parlamentares, membros da Câmara dos Lordes e convidados as mirabolantes acusações contra o ex-presidente brasileiro, a inexplicável conduta de seu juiz algoz e os resquícios do sistema inquisitório que ainda estão em vigor no Brasil.
Com a experiência de quem, muitas vezes, protagonizou mudanças na jurisprudência em várias áreas do direito internacional, Geoffrey Robertson diz que aceitou levar o caso de Lula a ONU porque acredita que o ex-presidente não está sendo julgado de maneira justa e imparcial.
Ele argumenta que há graves violações dos direitos humanos e fundamentais. “Eu aceitei o caso, não por Lula ser inocente, mas sim porque os métodos utilizados no processo são extremamente abusivos”.
Entretanto, Robertson diz ter “muito orgulho de defender Lula, uma pessoa fenomenal”, salientando a sua biografia e a luta do ex-presidente pelos trabalhadores e membros mais vulneráveis da sociedade.
Reitera que as políticas para a redução da pobreza implementadas pelos governos do PT são copiadas mundo afora e promovidas pela ONU.
Robertson comparou a justiça brasileira com a inquisição espanhola. Literalmente.
No Brasil, o juiz “tira o seu capacete de policial e investigador e põe a peruca para julgar o acusado”, o que seria uma grave violação dos direitos do indivíduo, acabando com um elemento fundamental, a imparcialidade do juiz.
Todas as vezes que Roberston apresenta o caso de Lula, explicando que o mesmo juiz que ordena o grampeamento de conversas (e o seu vazamento ilegal), a condução coercitiva, e as buscas e apreensões na casa do acusado, também atuacomo julgador, as pessoas se mostram incrédulas.
Robertson, que foi tanto advogado de defesa como de acusação (notoriamente no caso Pablo Escobar) em vários tribunais internacionais, e também como Juiz de Recursos na Corte Especial das Nações Unidas para Serra Leoa (2002-7), salienta que nos países da União Europeia, sistema jurídico algum jamais permitiria que um juiz investigador pudesse também atuar como julgador do caso. E pior, no Brasil o julgamento em primeira instância acontece sem júri.
Em outras palavras, não há ninguém que possa pelo menos moderar ou avaliar as ações do juiz.
Ele denuncia também a auto-promoção dos procuradores de Curitiba e seus Powerpoints, e de Moro, que assina livros sobre si mesmo e participa de estreias de filmes sobre a Lava Jato, “comendo pipoca e vendo o filme, baseado em vazamentos de grampos e imagens, se divertindo com os elogios a si mesmo”, enquanto o processo ainda está correndo na justiça.
“Este é o juiz que condenou Lula”, continua, “tratado como herói, não só no Brasil, mas também nas revistas americanas como a Time e a Fortune”. “Como é possível haver imparcialidade assim? Como fica a presunção de inocência?” pergunta.
O especialista em direitos humanos também se disse estarrecido com as afirmações feitas por juízes, como a do Presidente do TRF-4, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
“Dá para acreditar?” indaga, “a sentença de Moro tem mais de 260 páginas, e em poucos dias, o Presidente da corte de apelo que irá decidir sobre o caso de Lula e que – se manter a sentença, fará com que ele não possa se candidatar para as eleições de 2018 – descreveu o julgamento que condenou o ex-presidente de “irretocável”. Quais são as verdadeiras chances de Lula?”.
Não tem conduta de Moro que Robertson não critique: fala dos grampos ilegais de parentes, da defesa de Lula, fala dos vazamentos ilegais e do timing e como estes vazamentos são feitos para causar comoção política, menciona a condução coercitiva (desnecessária), como também a prática – rotineira – das detenções preventivas para a delação premiada.
Ele ironiza a reverência de Moro pela Operação Mãos Limpas na Itália, cujo desfecho foi a eleição de Berlusconi.
“Posso dizer que eu estou numa situação privilegiada”, continua Robertson, “não estou aqui para disputar os fatos. Sou bem cínico em relação aos políticos. Inclusive fui advogado da acusação em vários casos em que foram condenados por corrupção. O que me trouxe ao caso foram as aberrações do processo. Lula está sendo perseguido e não processado (persecuted and not prosecuted, no inglês). Portanto, não tinha opinião sobre a culpabilidade de Lula. E me mantive neutro até ler todas as 264 páginas da sentença de Moro… mesmo se fôssemos acreditar… [nas histórias de apartamentos em resorts de segunda categoria], não há provas de ‘quid pro quo’…, não há nada que demonstre que Lula tenha feito algo específico que o levasse a receber alguma coisa em troca, o que é essencial para qualquer processo envolvendo suborno… portanto, tenho certeza que Lula é inocente em relação a esta acusação”.
Quando menciona o segundo processo, o do sítio de Atibaia, que Robertson acredita ter ainda menos fundamento, compara a estadia de Lula no sítio com as visitas de Tony Blair às várias propriedades de amigos milionários (incluindo do próprio Berlusconi), arrancando gargalhadas da platéia inglesa, que reage da mesma maneira quando são mencionadas as palestras de Lula em comparação às doações à fundação Bill Clinton.
Com sua fala simples e sua reputação, o poder de persuasão de Robertson é grande. Jornalistas britânicos, mais acostumados em acreditar nos relatos de amigos jornalistas brasileiros, ficam boquiabertos ouvindo Robertson discursar sobre o caso Lula, que é capaz também de impressionar até as mais conservadoras das Ladies da Câmara dos Lordes.
Um jornalista pergunta, “Não é meio estranho que Lula seja inocente quando aqueles que o rodeiam sejam culpados?” E cita o caso da Presidenta Dilma Rousseff, “que foi presidente da Petrobrás…”, mostrando a falta de compreensão da situação brasileira (e a má tradução do termo “Presidente do Conselho”, que constou nas versões inglesas do caso na época).
E falando de jornalistas, por incrível que pareça, o choque do Brexit, deixou os britânicos mais cínicos em relação as empreitadas da mídia na política.
Desde o referendo que desencadeou no Brexit, o jornal the Observer vem trazendo todos os domingos matérias investigativas sobre as manobras utilizadas, nas redes sociais e nos jornais, por grupos de direita para manipular eleitores e fazer a opinião pública.
Estas similaridades fazem com que seja mais fácil compreender as táticas da Globo e da grande mída brasileira em geral, já que a maioria da imprensa britânica é dominada por três ou quatro magnatas, como os Murdochs.
Os britânicos normalmente conhecem pouco do Brasil. Eles tendem a se interessar mais pelas partes do mundo que por eles foram colonizadas. E é bem verdade que eles têm também pouco tempo a perder com sistemas e governos que não se encaixem dentro das regras do capitalismo anglo-saxônico.
A tendência, portanto, é apoiar tudo que vá na direção de maior livre comércio (para eles) e a possibilidade de negócios que tragam lucro para o país, como a oferta de serviços financeiros e know-how tecnológico.
Mas, pelo menos teoricamente, a liberdade e os direitos dos indivíduos são sagrados, como é também o direito de defesa.
Hoje, para as elites estrangeiras, donas das teorias (e as práticas) do mercado, Moro pode se passar pelo ‘mocinho do filme’.
Mas pouco a pouco, as verdade vai se revelando e, como disse Geoffrey Robertson durante um discurso em outubro: “O homem que agora é visto como grande herói hoje por querer derrubar Lula, será visto amanhã como inimigo”.