Por Rogerio Dultra dos Santos
Situação atual
Por maiores que sejam as críticas ao PT, não se pode contornar o fato de que os seus anos no poder comportaram o firme propósito de erradicar a pobreza, minorar a desigualdade social, ampliar o acesso à educação pública e gratuita, inaugurar uma política de relações internacionais multipolar e fazer mover um projeto de desenvolvimento estratégico – este último limitado por derrapadas na ortodoxia econômica.
Um dos maiores erros do partido no poder foi não fazer o que a oposição nunca cansou de o acusar: aparelhar a máquina estatal com pessoas alinhadas política e ideologicamente. Os casos mais bizzaros, o STF, a PF e o MJ. Este “aparelhamento”, amparado pela Constituição, é republicano e sempre foi religiosamente seguido por todos, menos pelo PT. Este descuido inconsequente já se sabe onde deu.
Uma das máximas universais da política, da realpolitik, é que o supremo e maior erro é perder o poder.
A derrota multifatorial do PT, que fez soçobrar a democracia e a regularidade normativa das instituições, jogou o país num mar de incertezas que pode durar décadas. E com consequências ainda imprevisíveis.
Em menos de dois anos de regime Temer, já se ouve até em privatização da água, dentre outras coisas bizarras e inimagináveis até muito pouco tempo atrás.
Neste cenário de hecatombe, qualquer vitória da esquerda, por menor que seja, é o que se deve não somente buscar, mas aplaudir. A derrota na política deve ser contornada o mais rápido possível.
Esperar que haja musculatura política suficiente e uma congregação de princípios e percepções progressistas espraiados pelo corpo social é uma atitude correta e deve ser procurada. Mas provavelmente, hoje, ainda é um movimento irreal, dado o contexto de captura dos agentes políticos pelos interesses econômicos dominantes e dado o caldo cultural que nos alimenta, sob o patrocínio dos mais variados instrumentos de manipulação e desinformação.
Cenários futuros
Diante deste contexto altamente tóxico, o PT, através de seu maior quadro, tem legitimidade de sobra para a disputa eleitoral. E tem serviços prestados suficientemente conhecidos para procurar alianças, se achar que deve e se for necessário.
O capitalismo financeiro compreende que a fragilização do Brasil é um grande ativo para a expropriação e para arapinagem. Assim, quanto maior a incerteza de 2018, mais condições se darão para que se aprofunde o butim já em curso.
Não há hipótese do PT se abster de lutar por uma candidatura competitiva, seja qual for o cenário que se apresente. E isto é importante, inclusive, para se manter a possibilidade de existência das eleições de 2018.
Uma mobilização popular de vulto, expressa nas pesquisas eleitorais, pode e deve tornar as eleições de 2018 incontornáveis. Assim, se e/ou quando for o caso, o partido deverá fazê-lo com o mais amplo espectro de apoios que possa angariar.
Afinal, lutar contra a barbárie anunciada – seja qual a figura abjeta a encarná-la – é fundamental.
As alternativas ao PT ou a uma aliança majoritariamente de esquerda, vão desde o bizzarro (Dória, Bolsonaro) ao plutocrático (Huck, Marina) (bizarro e plutocrático são complementares e não excludentes), passando pela direita tradicional (Alckmin) ou pelo centrismo reformista (Ciro).
Deste quadro de alternativas, somente Ciro Gomes pode ser considerado como um candidato passível de aproximação à esquerda, num cenário onde o PT não dispute com candidato próprio. Some-se a isto o fato de que não há candidato no PT com a sombra da viabilidade eleitoral de Lula, nem que esteja apto a receber a transferência de votos de uma Dilma – caso excepcional e de um momento histórico diverso.
Portanto, se há condições para Lula virar o barco do golpe, elas podem somente se dar sob um quadro de alianças.
Pois embora o PT, sozinho, seja hoje menor do que já foi antes do golpe, Lula ainda pode ser capaz de operar o milagre do renascimento que abale as placas tectônicas que se armaram para a sua cassação. Afinal de contas, setores do PMDB e de outros partidos ao centro e à direita ainda dominam as burocracias que podem contornar a caça a Lula.
Ainda assim, a situação segue indefinida no que respeita às condições de enfrentamento daqueles que desejam a inviabilização de Lula ou das eleições.
Isto significa que, com ou sem Lula, podemos ter pela frente o aprofundamento do golpe, com o parlamentarismo. E isto, caso os representantes do capital não encontrem candidato eleitoralmente viável e/ou caso percebam que, sem Lula na disputa, uma aliança de centro-esquerda não gerou mobilização suficientemente capaz de inibir novo golpe.
Com ou sem Lula, ainda podemos ter Bolsonaro (se Alckmim não crescer com a propaganda eleitoral, que o favorece pelo tempo de exposição). Isto porque Lula pode ser cassado antes, durante ou depois da campanha. O segundo lugar, num eventual segundo turno com Lula, pode ser virtualmente o próximo presidente. O golpe seria aqui mais sutil: ao invés do parlamentarismo, manter-se-ia a inviabilização judicial com a cumplicidade do STF.
Ambas as alternativas de golpe (parlamentarismo, inviabilização judicial da candidatura de Lula) são arriscadas, tanto mais quanto se consiga ampliar o espectro de apoio a uma candidatura majoritária de esquerda ou centro-esquerda.
Mas se a ampliação do apoio a uma candidatura anti-golpe não ocorrer e um dos golpes acontecer, entraremos num longo período de trevas. Nos encontraremos sem candidatos legitimados pelo voto ou mesmo capazes de galvanizar o país para um projeto com mínimo compromisso popular.
Neste cenário, nem Ciro figuraria capaz de consolidar preferências. Isto porque, como o Eduardo Campos de 2014, Ciro, sozinho, pode não conseguir furar o teto dos 10% de intenções de voto.
Assim, uma eventual aliança do PT com Ciro, numa situação de eleições sem Lula, ou mesmo quaisquer alianças que favoreçam uma vitória de centro-esquerda, não podem e não devem ser descartadas.
Que fazer do perdão de Lula aos golpistas
Por fim, feitas estas considerações acerca da conjuntura volátil a que estamos submetidos hoje, e depois de argumentar sobre a necessidade de encararmos 2018 com a gravidade que o momento político exige, leio com sobressalto análises segundo as quais Lula errou em perdoar os golpistas.
Conforme se argumenta, Lula não deveria dar a outra face, num movimento que seria de subserviência quase cristã aos seus algozes. Isto representaria uma eventual vitória desmoralizante, desarticulada dos movimentos populares que fizeram frente até agora ao golpe. A esquerda estaria, assim, fadada à submissão aos mesmos responsáveis pela destituição de Dilma Rousseff.
Ilegítimo o perdão, restaria às esquerdas um processo de maturação capaz de, num futuro incerto, permitir o avanço consistente e altivo de pautas libertadoras e progressistas.
Quase a metade dos eleitores apoiou a fatia do espectro político que estimulou o golpe de Estado. Parte relevante desses eleitores pode estar percebendo os variados engodos do golpe. Neste cenário em que é possível se conquistar novos corações e mentes, a atitude rancorosa e revanchista do não perdoar parece improdutiva e anti-política. Até porque ampliar o leque do eleitorado, nestas condições históricas, torna-se mesmo uma atitude revolucionária, que pode levar a esquerda a recuperar o poder.
Sabe-se que o golpe não foi dado em 2016 para se devolver o poder em 2018 a um projeto nacional-popular, viável eleitoralmente e capaz de recuperar o que foi e o que está sendo roubado do país.
Portanto, contra a leitura no mínimo desinformada e ingênua de que Lula não deve perdoar os golpistas, ficam registradas estas observações.
Durante o processo de escritura deste texto, me deparei com o esclarecedor artigo de Bepe Damasco. Ele me poupou de ter que argumentar mais sobre o tema, pelo que, indico fortemente a leitura. Como diz o autor, haja paciência!