Idade Média ou Nazismo? Petição quer a destruição de livro de Paulo-Roberto Andel

“Duas vezes no céu – os campeões do Rio e do Brasil”

Por Elika Takimoto, escritora e colunista do Cafezinho

Em setembro de 2012, o escritor Paulo Roberto Andel  – um dos cronistas mais lidos e conhecidos do Fluminense no século XXI, também sendo um dos autores mais publicados de obras a respeito do clube em toda a sua história  – foi contratado pela Editora 7Letras, uma das referências da literatura de qualidade no Brasil.  A finalidade era publicar o seu segundo livro, intitulado “Duas vezes no céu – os campeões do Rio e do Brasil”, uma coletânea de crônicas que descrevem a trajetória do time do Fluminense no ano em que arrebatou os títulos carioca e brasileiro, além da participação na Copa Libertadores, derrotando o Boca Juniors dentro da La Bombonera, façanha que apenas outros três times brasileiros haviam conseguido anteriormente.

“Duas vezes no céu – os campeões do Rio e do Brasil” é um livro honesto, sincero, amoroso, escrito de forma despretensiosa uma vez que, tal como 99% dos autores brasileiros, Paulo Roberto Andel não vive da literatura.

Trata-se de uma obra de 140 páginas que não possui uma única imagem ilustrativa, apenas texto. Foto, só a da orelha. Na capa, vê-se um desenho feito pelo artista gráfico, Guis Saint-Martin, que homenageava uma jogada feita por Fred naquele ano, um dos maiores artilheiros da história do Fluminense, segundo dizem os entendidos.

Por decisão da editora, de acordo com a praxe nacional: qualquer autor iniciante que tenha publicado um livro seguiu dois caminhos: 1) custeou a obra do próprio bolso; 2) foi contratado por uma editora que lhe paga 10% do preço de cada exemplar vendido, com o autor cedendo seus originais e a contratante tomando para si todas as providências da obra: papel, gramatura, tamanho, formato, ilustrações em geral, a capa e a distribuição.

O livro ficou lindo, mas não vendeu nada. Estamos no Brasil, o assunto é futebol, o foco é Fluminense. A segmentação da segmentação da segmentação. Sem problemas. Como já disse, Paulo Roberto Andel não escreve por dinheiro. A editora teve prejuízo, mas apostou no seu trabalho. Andel, vale observar, ainda escreve três vezes por semana de graça em seu blog sobre futebol há cinco anos, de janeiro a dezembro, onde trabalha com mais quinze autores para dezenas de milhares de torcedores do Fluminense, sem receber um único centavo por isso.

Por conta de seus esforços literários, Andel foi convidado pelo Fluminense para ser um dos headliners no dia do encerramento da Bienal do Rio 2013, no stand do clube, o primeiro de um clube de futebol na história do evento. Lá, ele já possuía mais um livro publicado sobre o Fluminense e todos eles foram regularmente comercializados no mesmo stand.

Em 21 de julho de 2014, por ocasião do aniversário de 112 anos do Fluminense e por conta de seus inúmeros textos em defesa do clube, Andel recebeu o título simbólico de Torcedor Ilustre em Sessão Solene de seu Conselho Deliberativo, uma honra que orgulha eternamente qualquer torcedor que se preze.

O que Andel até então não sabia era que, alguns dias antes, havia sido movido contra ele o processo número 0245522-73.2014.8.19.0001 (ver aqui do doc), cujo autor é Nelson Nunes Peres do Santos, que assina com o nome fantasia de Nelson Perez, funcionário CLT do Fluminense F.C. No processo, o autor afirmou que Andel manipulou uma fotografia de sua autoria para obter lucro esplêndido com a venda de seu livro, dentre outras acusações que variam entre o estapafúrdio e o surreal. E requereu uma indenização de no mínimo R$ 50.000,00, mais a busca, apreensão e DESTRUIÇÃO de todos os exemplares. Também requereu a gratuidade de Justiça, alegando ser fotógrafo freelancer (o que não é verdade) prestando serviços ao Fluminense por uma quantia inferior a dois salários mínimos mensais.

Quanto à reivindicação de destruição de uma obra literária, deixemos para os leitores dizer o que pensam a respeito.

Neste 2017, aconteceu a primeira audiência de conciliação do processo. O autor não aceitou nenhum tipo de proposta, por meio de procuração. Dias depois, em acordo com a editora, esta acuada, pagou a quantia de R$ 5.000,00 a título de indenização. Em relação a Andel, manteve a postura de “processá-lo até o fim”, desconsiderando o óbvio: ao ceder seus originais para uma editora, ele nunca foi responsável pala capa do livro, apenas pelos originais publicados no miolo, inclusive editados por quem lhe contratou.

Resumindo: Paulo Roberto Andel não é o autor da capa, não manipulou coisa alguma, não feriu o direito de ninguém, a aquarela devidamente estava creditada na obra. Apenas foi contratado para escrever um livro e o fez com todo o seu talento.

O processo está em andamento na 15ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.

Algumas considerações são fundamentais:

Primeiro: o autor mentiu  ao mascarar sua condição de funcionário CLT do Fluminense, e o fez por um motivo óbvio: induzir o juiz a erro, obstruindo a Justiça. A Lei Pelé, em seu artigo nº 42, diz o seguinte:
“Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).”

Assim sendo, se houvesse qualquer tipo de indenização, ela no mínimo teria que ser dividida com o Fluminense, em partes iguais ou proporcionais conforme o caso. O que dá toda a margem para que entendamos  que  omitir o empregador foi uma tentativa clara para obter vantagem econômica indevida.

Segundo: a fotografia que o funcionário CLT, autor da ação, alega sido manipulada, o que é mentira, só foi produzida porque o Fluminense permitiu a sua entrada no estádio para o fim específico de tirar fotografias para o clube, que lhe paga salário fixo, sem qualquer estipulação de remuneração adicional por sua produção fotográfica.

Terceiro: somente o Fluminense possui direito de arena no caso, vide a Lei Pelé.

Por conta disso, o Tricolor solicitou entrada no processo como assistente dos réus através da petição 201707883175, de 26/10/2017 (ver aqui o doc), em que muito agradece ao Dr. Bruno Curi, Vice-Presidente Jurídico do Fluminense, bem como de todas as pessoas que, direta ou indiretamente, dentro e fora do clube, indignaram-se com tamanha desproporcionalidade.

Na petição, o Fluminense afirma categoricamente que o autor da ação não juntou seu contrato de trabalho à petição inicial, nitidamente para induzir o juízo a erro, no sentido de que seria freelancer (o que é uma mentira, como já afirmado) e, por isso, seria exclusivo dono dos direitos da foto que alega ter sido manipulada. E desmente a alegação do autor de que seria um freelancer: apresenta seus rendimentos, muito superiores aos R$ 1.500,00, com o devido registro em carteira na condição de funcionário CLT.

O clube expressa gratidão à Editora 7Letras e a Andel por enaltecer a sua imagem, além de renunciar a qualquer remuneração decorrente do livro “Duas Vezes no Céu”, frisando a qualidade da produção.

Por fim, o Fluminense afirma ser extremo o contraste entre Andel e o seu funcionário CLT, autor da ação, reconhecendo que ele escreveu um livro de forma abnegada com tiragem diminuta (e é assim com 99,99% da produção de livros de futebol no Brasil), diametralmente oposta ao abuso perpetrado pelo autor, classificando sua iniciativa de reivindicar a DESTRUIÇÃO de um livro como uma prática abjeta que remonta aos momentos mais odiosos e repulsivos da história da Humanidade.

O processo continua, mas é impossível não atestar a má-fé deliberada do autor, que em nenhum momento procurou a Andel ou a editora para conversar sobre o assunto. Se fosse o caso de se sentir prejudicado, não somente a editora lhe daria os devidos créditos como Andel, conforme disse várias vezes, teria feito um lançamento dos livros com renda 100% revertida para ele. Basta dizer que recentemente Andel liberou dois dos seus livros sobre o Fluminense para download gratuito (Os que se interessarem pelas duas obras podem obtê-las pelo link aqui).

Num país onde um parlamentar desvia 50 milhões de reais e os guarda num apartamento, é possível que alguns elementos confiem até demais na impunidade e na eficácia das mentiras “menores”. Mas não foi Andel quem omitiu seu empregador para driblar a Lei Pelé e ludibriar o juízo. Não foi ele quem mentiu para obter gratuidade na Justiça e não foi ele quem recebeu indenização sobre uma foto cujos direitos patrimoniais pertencem ao Fluminense, também pelo que determina a mesma Lei Pelé.

Há quem anseie pela destruição de livros, praticada desde séculos atrás, e replicada em momentos abomináveis como na ascensão do Nazismo e no Macartismo, para falar do século passado. Isso tudo sem contar o ambiente em que hoje vivemos no mundo.

Para finalizar, Andel, há 25 anos, é responsável pelo cálculo de um custo que atende à regularização cartorária de imóveis em todo o Estado do Rio de Janeiro, com interesse mensal de milhares de pessoas. Tal procedimento é o único indicador econômico do país que possui uma memória de cálculo pública e, por isso mesmo, sujeita à prova dos nove por centenas de peritos, milhares nos mesmos 25 anos.

Andel jamais sofreu um processo nesta atividade profissional.

Por mais que o Brasil esteja ferido e fraturado, nós só esperamos por justiça.

Paulo-Roberto Andel é escritor. Publicou quatorze livros como autor e coautor (na capa do post, as imagens de algumas dessas capas). É um dos escritores mais publicados sobre um clube de futebol no país, com onze obras literárias sobre o Fluminense, além de um livro sobre a Copa do Mundo de 2014 e dois pocket books de crônicas sobre o Rio de Janeiro. Escreve regulamente nos blogs Panorama Tricolor e otraspalabras!. Em protesto contra o requerimento da destruição do livro “Duas vezes no céu – os campeões do Rio e do Brasil”, Paulo vai relançar a obra na próxima terça-feira, 14/11, a partir das 18:30 h, na Casa Vieira Souto – Praça da Cruz Vermelha, 9 – Centro – RJ.

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Nota do blog: abaixo, algumas imagens e links que ajudam a entender o caso.

(Aquarela original – supostamente inspirada numa foto – usada na capa).

(capa do livro)

(Trechos da petição movida pelo fotógrafo contra o escritor).

Íntegra do processo.
Entrada do Fluminense no processo (em defesa do autor)

 

Elika Takimoto:

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