José Roberto Toledo, em sua coluna de hoje, fala o óbvio. Mas o óbvio precisa ser dito. O judiciário brasileiro é a principal pedra no caminho para a normalização democrática do país.
Esta normalização, e isso também é óbvio, apenas será possível com eleições livres. Mas quem deve votar é o povo, e não os juízes.
Mas não é isso que está acontecendo.
Ainda faltam algumas semanas para 2018, e o judiciário já começou a criar turbulências e mal estar para o processo democrático do ano que vem, com ações esdrúxulas de “antecipação de campanha” contra Lula e Bolsonaro. Não por coincidência, ambos não são os candidatos da mídia, que, esta sim, já começou a fazer campanha em prol de um candidato supostamente moderado e que, por óbvio, será um tucano.
Para cúmulo do absurdo, aquele que será o presidente do TSE a partir do início do ano que vem, Luiz Fux, deu entrevista neste fim de semana antecipando seu voto em relação ao principal candidato, Lula. E o voto de Fux, também por óbvio, em se tratando de alguém com a ética e a moral de Fux, já está sinalizado: será o voto da Globo, ou seja, contra Lula.
Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, numa de suas entrevistas, deu um recado inteligente: a justiça eleitoral é uma excrescência, sobretudo porque o seu poder de fogo costuma apontar sempre para as manifestações mais vigorosas e saudáveis da democracia: a participação política, coletiva e individual, tanto do cidadão comum quanto dos possíveis candidatos. A justiça eleitoral quer transformar a própria democracia num grande delito, numa grande “campanha eleitoral antecipada”.
Naturalmente, nenhum juiz terá coragem de coibir as “campanhas antecipadas” da grande mídia nacional. Essa aí pode tudo, inclusive dar prêmio aos juízes que deveriam julgá-la…
Não é a tôa que muitas democracias importantes, como os EUA, não admitiriam jamais que a opinião de meia dúzia de juízes valha mais que o voto de milhões. Lá, não existe “justiça eleitoral”.
No Brasil, a excrecência é agravada pelo fato do acúmulo de poder. O fato de ministros do STF acumularem também cargos na justiça eleitoral lhes aumenta um poder já doentio e antidemocrático.
Deus proteja a democracia brasileira de seus juízes!
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No Estadão
Voto de juiz vale mais
Por Jose Roberto de Toledo
06 Novembro 2017 | 02h38
A campanha presidencial será muitas coisas, menos serena e previsível. Nem é por causa dos #ParadisePapers da vida que, vira e mexe, tiram o sono de candidatos. O principal criadouro de incertezas é a judicialização da eleição. Líderes das pesquisas, Lula e Bolsonaro logo serão julgados por “campanha antecipada”. São os primeiros de muitos julgamentos com impacto determinante nas urnas. A despeito da eleição, a política continuará sendo, em 2018 e além, uma derivada da Justiça.
“Campanha antecipada” é jabuticaba eleitoral brasileira. O tipo de dispositivo legal que encena ignorar o óbvio: que todo político está permanentemente em campanha, antes mesmo de ter certeza de que será candidato. Ou as bilionárias emendas ao orçamento transacionadas com parlamentares pelo atual e por todos os governos passados visam o estrito interesse público?
As emendas não são tão cobiçadas à toa. São armas de campanha, tão ou mais poderosas do que o horário eleitoral na TV e no rádio. Com uma diferença fundamental: só estão disponíveis para quem já está lá e faz parte do clube dos eleitos. Por isso, contra elas quase nenhum partido grita “campanha antecipada”.
Do mesmo modo, o prazo determinado e cada vez mais curto para a campanha eleitoral “oficial” beneficia quem já tem cargo eletivo, já é conhecido e possui eleitorado cativo. Campanhas longas favoreceriam a competição, pois dariam tempo de o público se familiarizar com candidatos desconhecidos – ou de descobrir que os nem tão desconhecidos assim são candidatos.
É falacioso o argumento de que campanhas curtas são mais baratas. Os bilhões liberados em emendas nos últimos meses provam o contrário. Mas não é só isso. As estruturas financiadas com dinheiro público para deputados e senadores manterem escritórios nos seus redutos eleitorais são campanha mais do que antecipada: são comitês eleitorais permanentes. O mesmo vale para as estruturas de comunicação de seus gabinetes.
Nos últimos tempos, as mídias sociais tornaram o conceito de campanha antecipada ainda mais cínico. A quase totalidade dos parlamentares têm conta própria e terceirizada no Facebook, Twitter, Instagram etc. Alguns, de tão viciados nessas plataformas, estão trocando as visitas de fim-de-semana às chamadas bases eleitorais por “lives” – as transmissões de vídeo a vivo pela internet. É parte da campanha virtual sem fim.
Foram vídeos transmitidos via mídias sociais que levaram o Tribunal Superior Eleitoral a julgar Lula e Bolsonaro. O que estará em julgamento não é nada amplo ou profundo. É o detalhe do detalhe. O candidato pode fazer quase tudo, menos pedir voto e dizer que é candidato. Mentir e dizer que não é o que é pode.
O faz-de-conta se torna ainda mais ridículo ao se acompanhar as investigações sobre o quanto a Rússia conseguiu influir nas eleições presidenciais do ano passado nos EUA. Em um dos exemplos mais eloquentes, US$ 250 gastos em “impulsionamentos” no Facebook foram suficientes para os russos insuflarem dois grupos antagônicos a fazerem manifestações de rua ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Resultado: pancadaria generalizada.
No Brasil, isso não parece estar entre as preocupações do Judiciário. Terceiros podem fazer campanha para candidatos – os próprios candidatos não. Quer dizer, podem desde que neguem.
A campanha antecipada não é o único vetor da judicialização eleitoral. O ministro Fux, do ex-Supremo, antecipou seu voto para o julgamento mais importante: contra Lula, condenado, obter registro como candidato. Outros acham que o petista conseguirá, mesmo que sua candidatura venha a ser cassada depois. Seja como for, votos nos tribunais pesarão tanto ou mais que os nas urnas.