Ontem eu entrevistei o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), cuja atuação, no congresso em particular e no debate político de maneira geral, tem chamado muita atenção pela rara coragem em denunciar a “vaca sagrada” da narrativa midiática: a Lava Jato.
Políticos que não representam lobbies do grande capital ou da mídia tem um lado mais vulnerável: precisam estar “bem na fita” com a opinião pública, para não perder eleitores. Por isso é tão raro ver políticos de opinião, o que é o caso da maioria dos quadros da esquerda, se posicionando contra narrativas dominantes.
Um político de esquerda pode ser em favor dos índios, das mulheres, dos negros. Até pouco tempo, antes do advento desse neofascismo que hoje devasta o país, era popular ser a favor dos direitos humanos.
Entretanto, se posicionar contra a Lava Jato, a “maior investigação de todos os tempos”, a maior do mundo, do planeta, do universo? Aí é pedir demais.
Neste sentido, Wadih é um caso singular, porque desde o início de sua atuação como parlamentar colocou os seus princípios acima de qualquer coisa. Não importa se a Globo e Folha divulgam pesquisa dizendo que 99% da população apoia a Lava Jato. Se a Lava Jato viola a Constituição e as garantias fundamentais, isso é errado e ponto final.
Depois de tudo que passamos desde o último ciclo de conspirações midiático-judiciais, a firmeza moral de Wadih se revela um porto seguro para milhares, quiçá milhões, de brasileiros, que hoje sentem que foram torpemente ludibriados. A defesa de princípios, independentemente da “popularidade” que isso poderia lhe granjear, se revelou acertada, e hoje operações que se pensam acima da lei e das garantias se tornam cada vez mais impopulares. Ainda detêm hegemonia na opinião pública, é verdade, mas não são mais absolutas.
A Lava Jato vai sendo desmascarada como uma operação profundamente corrupta, a qual, ao invés de nos transformar num país melhor, nos converteu numa espécie de pocilga do mundo, uma ditadura judicial desprezível, cujo presidente, apesar de rejeitado por 97% da população, tem o poder de derrubar direitos sociais seculares, vender um patrimônio acumulado em décadas de trabalho e luta – e entregar ao estrangeiro, quase de graça, recursos naturais que poderiam ser usados para produzir uma revolução social.
Então todos se perguntam: por que o povo não reage?
Ora, um país onde ocorrem mais de 60 mil mortes violentas por ano, a polícia mata mais do que em qualquer outro lugar do mundo, jovens e inofensivos manifestantes são condenados por terrorismo, shows de música são censurados por juízes e promotores, governantes são derrubados por golpes jurídicos, e qualquer autoridade que ousa se insurgir contra o arbítrio é imediatamente acusada de “obstrução de justiça”, não é exatamente um país que estimula a participação popular.
A Lava Jato não é mãe de todos esses arbítrios, que a antecedem. Ela é a filha. Uma filha orgulhosa de copiar os piores vícios da mãe.
A mídia vive denunciando o “populismo” quando pensa – ou, seria mais correto dizer, finge pensar – que determinado político age em favor do povo apenas por oportunismo eleitoral, mas se cala sobre o mais sórdido populismo de todos, o judicial, no qual juízes destroem vidas e empresas para agradar correntes de opinião pública maliciosamente construídas pela mídia.
Diante das críticas, a mídia vem se enlameando cada vez mais nesse populismo vil, feito para enganar a população e emparedar quem poderia questioná-lo, segundo o qual a justiça estaria prendendo “ricos e poderosos”.
Ora, quem cai na malha do judiciário não são os “poderosos”, porque não tem barão da mídia nem banqueiro nem presidente de multinacional preso no Brasil. As vítimas da Lava Jato não são poderosos e sim, em alguns casos, ex-poderosos, caídos em desgraça em função das idas e vindas da política nacional e internacional.
Quando um estado autoritário prende políticos e empresários, certamente isso não deve ser celebrado como um avanço democrático sobre os “poderosos”, e sim um caminho perigoso, de substituir a luta política, que deveria ter eleitores como juízes, por uma guerra jurídica profundamente desonesta e antidemocrática, onde quem dá as cartas é um pequeno grupo de mandarins da burocracia judicial.
Desde o início das conspirações midiático-judiciais, em 2005, com o mensalão, o PT, partido de massas, ficou emparedado pelo populismo judicial. Foi um erro do PT. Mas este era exatamente o seu ponto mais vulnerável: sua insegurança intelectual, mais propriamente sua insegurança jurídica, diante do exército de “juristas” que a mídia contratou em favor de sua narrativa. Foi uma espécie de vingança dos “bacharéis”, herdeiros longevos da tradição autoritária nacional, contra aqueles atrevidos mujiques da classe trabalhadora organizada.
Demorou alguns anos, mas a esquerda conseguiu formar, enfim, o seu próprio batalhão de abnegados juristas, e Wadih Damous se tornou sua principal liderança no parlamento.