A transcrição foi feita pela jornalista Lia Bianchini, com exclusividade para o Cafezinho.
Nós estamos aqui em Madrid. Eu, deputado Paulo Pimenta, deputado Wadih Damous, juntamente com doutor Rodrigo Tacla Duran e seu advogado, senhor Emílio Iamasaris, para buscarmos uma série de informações relativas a questões relevantes da conjuntura do Brasil e que tem sido de maneira recorrente objeto da imprensa do país, a partir de informações prestadas pelo advogado Rodrigo Tacla Duran.
Deputado Wadih: doutor Rodrigo, procuradores da chamada Operação Lava-Jato sustentam que o senhor, na verdade, não atuava como advogado. Na verdade, o senhor não prestava, de fato, serviços de advocacia à empresa Odebrecht, que seriam serviços de lavagem de dinheiro. O senhor pode esclarecer essa informação pra nós? O senhor efetivamente prestava serviços de advocacia pra empresa Odebrecht?
Rodrigo Tacla Duran: Sim, eu trabalhei como advogado da Odebrecht, de 2011 a 2016, e isso já foi a público, inclusive, que eles solicitaram ao banco a abertura de conta para pagamento dos meus honorários e, inclusive, hoje, eu estou respondendo a um procedimento ético no tribunal de ética de São Paulo, justamente, em razão de suposta revelação de segredo profissional. Isso não aconteceria se eu não houvesse trabalhado como advogado de fato da empresa.
WD: O senhor recebia honorários da empresa Odebrecht pela prestação de serviços advocatícios?
RTD: Correto.
WD: Esses honorários eram declarados no imposto de renda brasileiro?
RTD: Todos. Todo meu patrimônio, tanto no Brasil como no exterior, foi declarado à receita, inclusive os honorários que eu recebia da Odebrecht no exterior. E tanto é verdade que, depois de dois anos de fiscalização, eu não fui multado, não tive nenhuma sanção pela receita federal.
Paulo Pimenta: Consta nos registros contábeis do consultor Norberto Odebrecht, no ano de 2014, pagamentos mensais de aproximadamente 10 mil reais ao seu escritório. Que pagamentos são esses?
RTD: Esse valor aproximado de 10 mil reais não foi pago ao meu escritório, foi pago à minha pessoa física. Ele consta na minha declaração de imposto de renda de pessoa física. E, na verdade, se trata de recebimento de aluguéis, uma vez que eu alugava um apartamento que era de minha propriedade em São Paulo para uso do seu Hilberto Silva e que era custeado e pago pela Odebrecht.
WD: Quem era o senhor Gilberto Silva?
PP:[corrigindo] Hilberto Silva.
RTD: Hilberto Silva era diretor da Odebrecht, diretor que coordenava o departamento de operações estruturadas e meu superior hierárquico.
PP: O apartamento que o senhor Hilberto usava em São Paulo, a empresa Odebrecht alugava diretamente do senhor?
RTD: Sim. Por isso que as acusações que me fazem de doleiro e etc não têm o menor cabimento, porque jamais você ia alugar um apartamento do seu doleiro.
PP: Evidentemente, que esse pagamento por si só já revela também uma relação formal pública entre a empresa Odebrecht e a pessoa física do senhor?
RTD: Sim.
PP: São atribuídas ao senhor, a propriedade de 12 empresas. Essas empresas, controladas ou de propriedade do senhor. O senhor confirma a existência de todas essas empresas?
RTD: A existência, sim. Nem todas são de minha propriedade. Isso já foi, inclusive, esclarecido, porque essas duas empresas foram declaradas pelo Vinícius Borin…
WD: Quem é o Vinícius Borin?
RTD: Foi o testa de ferro da Odebrecht, ele declarou que tinham 12 empresas em minha propriedade, quando, na verdade, não são 12, são seis.
WD: Quais são?
RTD: As minhas empresas são VivoSant, que não é offshore, é uma empresa espanhola, cuja tributação é, inclusive, mais cara que a do Brasil. A GVTEl, idem, é uma empresa espanhola, também não é offshore. A Ocean, a Cumberland, a Bonarda e a Nevada. E a Discovery. Essas todas são minhas, elas são adjacentes à minha empresa holding patrimonial, as demais são subsidiárias dela e estão declaradas tanto no meu imposto de renda de pessoa física, como na minha CBE junto ao Banco Central Brasileiro.
PP: As outras empresas, o senhor reconhece?
RTD: Essas outras empresas são de pessoas ligadas ao próprio Meinl Bank.
PP: Pessoas ligadas a um banco. Quem é Nicolas James Baker?
RTD: Ele é genro do Thimoty Lee, que é amigo do Luiz França, um dos acionistas do Meinl Bank. Thimoty é testa de ferro em diversas empresas offshore da Odebrecht. O Thimoty, inclusive, é proprietário de um domínio web do Meinl Bank Antígua.
PP: É importante que a gente consiga obter mais informações sobre essa questão do Meinl Bank Antígua. O Meinl Bank é um banco que existia já na Antíguas, ele já prestava serviços para a Odebrecht antes da mudança acionária do banco?
RTD: Não tenho conhecimento para te falar sobre isso com precisão, porque nessa ocasião eu ainda não trabalhava na Odebrecht. Mas entendo que não. Acho que essa relação começou a partir da aquisição do banco.
PP: Como se deu esse processo da aquisição do banco?
RTD: Eu soube já trabalhando na defesa, que o banco foi comprado pelo Luiz França, pelo Vinícius Borin, Marco Bilinski, Olivio Rodrigues e pelo Luiz Eduardo Soares e Fernando Migliaccio, esses dois vinculados diretamente à Odebrecht, então, eles não apareciam no quadro de acionistas do banco. Ao meu ver, acabei sabendo que a Odebrecht sequer sabia que eles eram sócios desse banco.
PP: Então, foi adquirido um banco nas Antíguas para operar internacionalmente para a Odebrecht e parte dos acionistas desse banco eram executivos da própria Odebrecht?
RTD: Correto. Na verdade, esse time aí, os seis nomes que a gente está falando, eles operam juntos há muitos anos. Antes do Meinl Bank, eles trabalhavam via Antígua AOB bank, que era o mesmo sistema, esse banco teve um problema de liquidez, que foi o que levou eles a adquirirem um novo banco. Entretanto, essa relação desses seis personagens vem de antes, inclusive, do AOB, prestando serviço com outras empresas, outros bancos para a Odebrecht. Uma relação de mais de 10 anos. Eles são sócios, né. Eles são funcionários da Odebrecht, os dois, os outros, não, prestam serviços à Odebrecht em razão da ligação dos dois. Mas, na verdade, eles têm um negócio à parte, em sociedade.
PP: Então, parte deles são delatores da Odebrecht. Estão entre os 77 delatores?
RTD: Dois: o Luiz Eduardo Soares e o Fernando Migliaccio.
PP: Os extratos apresentados pela Odebrecht na sustentação das delações emitidos pelo Meinl Bank…
RTD: Não, não foram emitidos pelo Meinl Bank. Aqueles extratos não são o padrão do banco. Os últimos que eu vi, pelo menos, que eu tive acesso, não são do padrão do sistema do banco, têm incongruência de dados, de referência, de descrição do movimento.
PP: Então, o senhor afirma que aqueles extratos apresentados pela Odebrecht e aceitos pelo Ministério Público na delação do Odebrecht não são extratos do padrão do Meinl Bank?
RTD: Não.
WD: O que leva o senhor a afirmar isso?
RTD: Porque eu tenho contas, as minhas contas no Meinl Bank foram declaras. Eu tenho os extratos verdadeiros, como o sistema emitia os extratos. Usei os extratos em diversas situações legais, porque minhas contas, ao contrário do que eles alegam, eram declaradas. E me estranha muito o Vinícius ter declarado que minhas contas são, vamos dizer, irregulares, porque ele tem perfeito conhecimento de que o dinheiro chegava na minha conta, no Meinl Bank Antígua via Banco Central do Brasil. Debitava minha conta no banco Itaú, eu enviava o contrato de câmbio fechado com o banco Itaú pra ele e ele sabia muito bem que essa conta era de minha propriedade. Inclusive, eu sempre documentei isso.
WD: Então, perfeito, isso em relação à sua conta, aos seus extratos. Mas, em relação a terceiros, o senhor pode verificar pelo padrão de emissão dos extratos que aquilo que foi apresentado aos procuradores e os procuradores aceitaram como verdadeiros, são planilha e extratos forjados?
RTD: Sim. Além da divergência com o extrato verdadeiro, que são os exemplos que eu tenho da minha conta, tem outras incongruências, como, por exemplo, movimentação na mesma data, quando as pessoas já estavam presas e o sistema do banco travado. Ou seja, não era possível…
WD: O senhor pode dar exemplo de casos concretos que o senhor pode constatar ao verificar esses documentos?
RTD: Um dos inquéritos que está correndo no Supremo Tribunal Federal, uma das contas, um dos anexos apresenta um extrato que tem uma determinada data que tem um saldo positivo. Em outro anexo, no mesmo, juntado por um delator, no mesmo inquérito, o extrato está com o saldo negativo. Ou seja…
WD: Quem eram os delatados?
RTD: Delatados eram o deputado Pedro Paulo, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e, se não me engano, o senador Humberto Costa. Esses extratos só poderiam ser verídicos se houvesse ocorrido movimentação nessa data, no mesmo dia entre emissão de um extrato e outro. Entretanto, essa movimentação é impossível. Primeiro, porque a conta tinha que estar bloqueada devido aos crimes, e de fato está; segundo, que o beneficiário das contas, que poderia movimentá-las, estava detido em Curitiba; terceiro, que ninguém movimentava mais dinheiro ou contas nesse banco, porque o sistema estava totalmente travado, então é impossível haver movimentação nessa data.
WD: Então, nós poderíamos chegar à conclusão de que trata-se de uma tentativa de comprometer essas pessoas.
RTD: Sim. Como em relação a mim próprio.
PP: A minha pergunta é a seguinte: se fosse fornecida a documentação original do Meinl Bank ficaria evidente que os extratos apresentados são falsos?
RTD: Correto. Entretanto, o sistema do banco também foi fraudado pra impossibilitar o tracking do dinheiro.
PP: Na medida em que sócios do banco são também executivos da Odebrecht?
RTD: Aí havia interesse duplo. Não sei se em primeiro lugar ou segundo lugar. Mas um dos interesses era atender à empresa. Qual era o interesse da empresa? Cortar o tracking do dinheiro. Vamos dizer, a origem dos fundos era a Odebrecht e tinha saída pra um determinado pack estrangeiro, o que quer que seja. Com a fraude que foi feita no sistema, seria inviável, e é inviável, se rastrear o dinheiro do momento em que entrou, que seria a origem a Odebrecht, à saída, vamos dizer, ilegal. Então, não dá pra dizer que a saída ilegal, que aconteceu, é de origem da Odebrecht. Esse tracking foi cortado. E outro interesse que também existe é o interesse deles próprios, porque evidente que havia dinheiro nessas contas. E ninguém vai lá reclamar. E eles tiveram oito meses entre a delação do Vinícius e a intervenção do banco pra movimentar e, mesmo antes da delação, houve um tempo que poderia haver a movimentação.
PP: O suposto pagamento ao primeiro ministro das Antíguas teria por objetivo também obter informações a respeito da movimentação do Meinl Bank?
RTD: A ideia…
PP: Aconteceu esse pagamento, efetivamente?
RTD: Sim, aconteceu. A ideia era brecar a resposta à cooperação jurídica formulada pelo Brasil.
PP: A respeito da movimentação do Meinl Bank?
RTD: Correto.
PP: No caso da suspeita de que em determinadas delações são omitidas informações a respeito de contas, como uma estratégia de negociação aonde o delator recebe determinados benefícios, entre eles a proteção de contas, envolve também essa movimentação de recursos do Meinl Bank?
RTD: Sim, tem contas do Meinl Bank que, por exemplo, eu não vi revelada na delação do Vinícius. Isso a própria Polícia Federal já constatou. Por exemplo, de uma pessoa que é vinculada ao presidente do Panamá, a Michele Laço. Não foi vinculada ali.
PP: Sobre as delações do Brasil, por exemplo, o senhor já ouviu falar na conta Deutora Entrerprise Group?
TD: Sim, mas Deutora é uma offshore que não tinha conta no Meinl Bank, ela tinha conta em outro banco, nas Ilhas Cayman.
PP: E a ShellBill operava nas Ilhas Cayman também?
TD: Não, a ShellBill, se não me engano, era conta na Suíça.
WD: Mas ela estava vinculada a quem?
TD: João Santana.
WD: O publicitário João Santana e a mulher?
TD: Sim.
PP: E essa conta Deutora não aparece na delação da Mônica Moura e do João Santana?
TD: Não que eu tenha conhecimento. Por tudo que eu li, de público, não vi nada mencionando.
PP: E a conta Alpha Internacional Company, conhece?
TD: Não, essa não.
PP: E a ShellBill?
TD: ShellBill fazia parte de uma planilha, que pediram pra eu fazer um estudo e buscar os beneficiários finais.
PP: E além da ShellBill, apareceu alguma outra conta nesse estudo da planilha?
TD: Sim, a Deutora e mais duas. Uma pessoa física e uma outra, jurídica.
PP: E era especificamente sobre João Santana?
TD: Essa planilha é de contas vinculadas ao pagamento do João Santana.
PP: Essa planilha envolvia quatro contas?
TD: Quatro contas.
PP: E na delação aparece só a ShellBill?
TD: Até hoje, eu só vi a ShellBill.
PP: As outras três contas não apareceram?
TD: Não.
PP: Mas nessa planilha, que o senhor elaborou, elas aparecem?
TD: Não, não fui eu que elaborei, foi alguém do departamento de operações, uma das moças lá, não lembro quem, acho que a Ângela, não me lembro. Eu tenho o arquivo eletrônico original.
PP: O senhor tem o arquivo eletrônico original dessa planilha?
TD: Sim, tenho.
PP: Que envolve as quatro contas?
TD: Sim. Quando eu não consegui localizar o beneficiário final das contas e relatei isso ao Hilberto, ele ficou muito chateado, porque, aí sim, ele me colocou que era um pagamento ao João Santana e que era muito importante alguém conseguir isso, porque, na verdade, a ideia da Obrecht era pressionar a presidente Dilma através dessa informação a paralisar investigações, coisas nesse sentido. Obstrução da Justiça.
PP: A Odebrecht tem posse das planilhas e das informações a respeito de pagamentos ao João Santana, usava essas informações para pressionar lideranças, digamos, de diferentes países e isso também foi usado contra a presidenta Dilma. Chegou a ser utilizado?
TD: Creio que não, porque o Hilberto ficou muito chateado porque eu não consegui ter sucesso. Mas a ideia era essa.
PP: O Hilberto, que o senhor fala…
TD: Hilberto Silva.
PP: Hilberto Silva foi identificado como o responsável pelo sistema Drousys?
TD: Não, não. O Hilberto era chefe do departamento.
PP: De operações estruturadas?
TD: Isso, ele ficava em São Paulo também e quem alugava o apartamento era ele.
WD: Esse departamento de operações estruturadas era, de fato, concebido para pagamento de propina?
TD: Quando eu cheguei, já estava criado. Mas ele não fazia só isso, havia outras situações de pagamentos também, que não se tratam de propina. Haviam situações estratégicas, que a empresa queria fazer um pagamento e não queria aparecer, por uma questão puramente fiscal. Coisas normais de uma empresa. Eu, por exemplo, comecei a trabalhar lá, eu não podia detectar que aquilo era voltado pra esse tipo de prática ilícita, até porque se havia esse tipo de prática ilícita, isso não era disseminado, falado com qualquer pessoa recém chegada. Eu trabalhei cinco anos, com pessoas que trabalhavam há 30, 35, 25 anos de casa. Claro, a partir de um determinado momento se cria uma confiança e etc, mas eu poder dizer que em dois, três anos sabia, não, porque eu via uma série de operações de planejamento fiscal, operações normais do dia-a-dia.
PP: O Hilberto não era responsável pelo Drousys?
TD: Não. O Drousys, quem era responsável era o irmão do Luiz Eduardo.
WD: Explica pra nós o que é o Drousys.
TD: O Drousys é um sistema de comunicação. São desktops virtuais que criavam login e senha, você se comunicava.
PP: Uma rede interna.
TD: É, mas essa rede interna era controlada pelo Luiz Eduardo, que, por exemplo…
PP: O Luiz Eduardo ficava no departamento de operações estruturadas?
TD: Isso. Uma pessoa só poderia falar com a outra via Drousys, se ele autorizasse.
PP: O Luiz Eduardo era da equipe…
WD: Era administrador do sistema.
TD: Era da equipe do Hilberto. Eu, por exemplo, nunca falei com o Hilberto.
WD: Mas o Drousys foi concebido com que objetivo?
TD: De comunicação segura.
PP: Só pra entender aqui: o Luiz Eduardo fazia parte do departamento de operações estruturadas, da equipe do Hilberto, mas ele era também sócio do banco em Antígua?
TD: Correto. Sim. Ele e o Fernando.
PP: Fernando era de que setor da Odebrecht?
TD: Fernando era também diretor da Odebrecht, por muitos anos. Tesouraria. Ele sempre trabalhou na área de tesouraria e aí estava no departamento de operações estruturadas.
PP: E os dois, em nome da Odebrecht, faziam operações no banco sem que a Odebrecht soubesse que eles eram também sócios do banco?
TD: Sim. Que a Odebrecht não sabia que eles eram sócios do banco, certeza. Agora, que eles faziam operações que a Odebrecht não sabia…
PP: Não. Não sabia que eles eram sócios.
TD: A Odebrecht não sabia que eles eram sócios. E eles faziam operações que a Odebrecht sabia e operações que a Odebrecht não sabia. Porque, como eu falei, são sócios.
WD: Em relação a isso, salvo engano meu…
TD: Eles são tão sócios, que o imóvel onde o banco se situava em São Paulo é de propriedade dos quatro acionistas do banco e do Fernando e do Luiz Eduardo. O imóvel é de propriedade dos seis.
WD: Mas salvo engano meu, o senhor teria declarado nas entrevistas impressas que algumas operações de entrega de dinheiro, pra políticos ou seja lá pra quem for, legais ou ilegais, muitas vezes o dinheiro não chegava ao destinatário. Era embolsado, digamos assim, por aqueles que deveriam entregar o dinheiro.
TD: Sim, sim. Haviam entregas simuladas por pessoas que roubavam dinheiro.
PP: O senhor tem exemplos?
TD: De dinheiro físico? Em espécie?
WD: Uma operação de dinheiro….
PP: Consta no Drousys lá uma autorização de pagamento pra alguém, mas, na realidade, isso era uma simulação pra que o próprio executivo ficasse com o dinheiro?
TD: Veja bem, eu não posso…um caso que chamou atenção e que foi solicitado a entrega…houve uma discussão muito grande em relação a Leandro Azevedo.
WD: Quem é Leandro Azevedo?
TD: Leandro Azevedo era um diretor da Odebrecht, responsável pelo Rio de Janeiro. Falar a verdade, eu não sei exatamente a função dele, mas ele trabalhava no Rio de Janeiro, era responsável por esse tipo de obras lá. O que aconteceu ali é que eu presenciei uma discussão entre o Álvaro Novis e Luiz Eduardo e Fernando Migliaccio, um almoço, que o Álvaro reclamou que ele teve que entregar recursos dentro do escritório da Odebrecht, na mão do Leandro Azevedo. Eu não sei qual valor, nada, mas não era um assunto meu e eles não foram tão transparentes, justamente por eu estar na mesa do almoço. Mas ficou claro que eles ficaram muito aborrecidos e transpareceu que, na verdade, esse dinheiro foi pra lá e ficou com uma pessoa e eles achavam que estava acontecendo ali algum tipo de desvio.
PP: Uma última pergunta sobre esse assunto: o sistema My Web Day é um sistema que até agora não apareceu de maneira integral. Já ocorreram várias solicitações de acesso a esse sistema, porque nesse sistema, possivelmente, estão registradas todas as movimentações contábeis legais, ilegais, da Odebrecht no mundo inteiro. O senhor tem ciência da existência desse sistema e como é que ele funcionava?
TD: Sim, quando eu estava trabalhando já na triagem de informações pra defesa da empresa, porque muitas informações iam ser passadas aos advogados constituídos, internamente, a gente fazia uma triagem. Alguns advogados da empresa, no caso, eu, doutor Gideon, doutor Marco Simões e outros advogados, além dos próprios funcionários, diretores. Nesse trabalho, eu não conhecia o sistema My Web Day, aí me informaram que havia esse sistema e que esse sistema tratava da contabilidade, era um sistema de contabilidade da empresa. Ficava também em servidor seguro, mas que, na ocasião em que me contaram, já estava desativado. Isso foi em 2015. Em 2015, ele já estaria desativado.
PP: O My Web Day ficava hospedado aonde?
TD: No exterior também.
PP: No exterior. Sabe aonde?
TD: Que eu saiba, na Suíça.
PP: E o Drousys?
TD: Também.
PP: Mas estas planilhas que têm sido apresentadas como extraídas do My Web Day, o senhor acha que sem o acesso ao sistema original, é possível afirmar que elas são verdadeiras, a exemplo do que foi feito com o extrato do banco de Antíguas?
TD: Sem acessar o sistema, afirmar que é verdadeiro, é tecnicamente impossível, né. Acho que nenhum perito faria isso.
PP: E esse sistema, na sua opinião, hoje, ele já não existe mais?
TD: Quando eu soube, ele já era desativado. E assim, não demonstraram tanta preocupação, então, acho que não havia risco.
WD: Mas ele pode servir de prova contra ou a favor de alguém?
PP: Não quer dizer que algo que esteja dentro do sistema seja verdadeiro também.
TD: Como eu disse, haviam coisas que podem ter sido simuladas, né, de acordo com o próprio interesse particular. Porque é como um sistema normal: você gera uma despesa e a despesa pode existir ou não. Só que nesse caso aqui, eram despesas que não havia suporte de documento, nota fiscal, nada.
PP: Tanto o Drousys como o My Web Day eram alimentados por executivos da empresa?
TD: O My Web Day, com certeza. 100%.
PP: Que lançavam informações sobre contabilidade.
TD: Exato.
PP: Oficial e paralela…
TD: Executivos de alto nível.
PP: Não obrigatoriamente verdadeiras, a medida em que estão surgindo informações de que executivos desviavam dinheiro da própria empresa.
TD: Sim, com certeza, com inconsistências. Seguro. Não é 100% verídico. Isso, sem nenhum tipo de fraude no sistema, havia a questão de ter inconsistência por lançamento.
PP: O My Web Day deve ter também registrado operações pra além das relações da política. O mundo jurídico, de comunicação…
TD: Era o único sistema de contabilidade, então ali consta acredito que tudo. O Drousys é um sistema de comunicação.
WD: Uma espécie de Whatsapp, né?
TD: É, seguro. Tinha um chat, tinha um e-mail.
WD: Agora, Rodrigo, eu queria saber mais detalhes da sua situação jurídica. O senhor foi delatado e, enfim, estava sendo investigado, perfeito?
TD: Por três anos.
WD: Por três anos. E, preocupado, obviamente, como qualquer pessoa se preocuparia, resolveu contratar – o senhor estava sendo investigado pela chamada Operação Lava-Jato – e resolveu contratar advogado em Curitiba, onde é a sede da operação. E o senhor escolheu o escritório Zucoloto…
TD: Não, foi um pouco diferente. Eu fui delatado…primeiro, eu tomei conhecimento que havia sido delatado pela UTC, pelo senhor Ricardo Pessoa e pelo diretor da UTC, Walmir Pinheiro. Tomei conhecimento disso por outros advogados, que também trabalhavam pra UTC, com a desculpa de que queriam me ajudar com a indicação de advogados, talvez os mesmo advogados, poderiam até ser. Até com a referência à “panela de Curitiba”. “Advogados da panela de Curitiba”.
WD: O que o senhor chama de panela de Curitiba?
TD: Eles me diziam que eram os advogados que teriam capacidade de resolver o assunto melhor por estarem ali, conhecerem o mecanismo, as pessoas. Uma proximidade de contato. Eu optei por não contratar ninguém que eles haviam indicado. Segui com meu advogado, que, na verdade, constituiu a frente das negociações que eu travei com o Ministério Público, que foi o Leonardo Pantaleão. E tentei prestar meus esclarecimentos, ter as minhas prerrogativas de advogado respeitadas. Não tive. Vi que havia uma dificuldade. O escritório do doutor Zucolotto era meu correspondente…
WD: Que dificuldades?
TD: Eles queriam imputar crimes…
WD: Eles quem?
TD: Os procuradores. Queriam imputar crimes que eu não cometi. Converter o trabalho de advogado…
PP: Quais procuradores?
TD: Eles queriam criminalizar o trabalho de advogado. Porque, não é porque você tem informações, porque você está protegendo seu cliente ou porque você está orientando seu cliente, se ele praticou ou não um crime – isso não vem ao caso – que você é criminoso. Não é porque você recebeu de um cliente, que você está lavando dinheiro. Eles falam que eu saquei 61 milhões, em uma entrevista coletiva, ao mesmo tempo em que o informe da Receita Federal mostra que, em 10 anos, eu saquei 435 mil.
PP: Quais eram os procuradores com quem o senhor conversava?
TD: Com Roberson Pozzobom, Julio Noronha, Carlos Fernando dos Santos Lima, Diogo Castor de Mattos, Deltan Dallagnol, Sergio Bruno, Athayde e Marcelo Miller.
WD: Mas o senhor se sentia constrangido nessas tratativas? Não tratativas, mas interrogatório, enfim.
TD: Com certeza. Porque, imagina, eu, como advogado (sou advogado há 20 anos), a gente tem um pouco de experiência com essa situação. Pra nós, advogados, chegar ao ponto de se constranger, eu imagino a quem não é operador de Direito. E, evidente, constranger no sentido, inclusive, de querer trazer familiares pra dentro da investigação, que nada tem a ver com isso.
WD: Houve essa ameaça?
TD: Sim. Simplesmente por ser sócio no escritório de advocacia.
WD: Quem?
TD: A minha irmã.
WD: Sua irmã é advogada também?
TD: Também. Sócia no meu escritório. Ela nunca trabalhou pra empreiteira nenhuma. Até porque ela trabalha em outra área, ela faz Direito de família, Direito Civil, Trabalhista, não trabalha na área de empreiteira. E eles queriam fazer aquela coisa: “é melhor colocar dentro do acordo, porque protege”. Na verdade, é aquela coisa: diz que está ajudando, mas, na verdade, está te colocando…
WD: Mas a ameaça objetivava o que? O que queriam do senhor?
TD: Que eu celebrasse o acordo. E foram feitas as reuniões e eu acabei procurando o Zucolotto pra tentar ajudar nessa questão…
WD: É isso que eu quero saber. Porque o escritório Zucolotto?
TD: Porque ele já era meu correspondente em Curitiba há tempos. Então, é natural que eu procurasse uma pessoa de Curitiba, da comarca, que, evidentemente, teria mais acesso – e ali não é questão de acesso ilegal, nada, é uma negociação, Direito Penal negociado.
PP: Zucolotto é um advogado trabalhista?
TD: Não só. Eu nunca fiz Direito Penal. Ele cuidava de execuções fiscais, cuidava de assunto trabalhista pra mim, como correspondente. Essa questão, eu coloquei que era uma questão pessoal, Penal, e se tinha como ajudar.
WD: O senhor sabia, por exemplo, que a esposa do juiz Sergio Moro era sócia do escritório Zucolotto?
TD: Sim, soube depois.
WD: Depois?
TD: Depois que contratei ele. Antes de eu falar com ele sobre isso, sabia.
WD: Quando o senhor o procurou, o senhor já sabia que ela…
TD: Pra isso, sim. Pra falar se ele podia me ajudar com a negociação, eu sabia, sim.
PP: Como um escritório de advocacia pode ajudar a facilitar o processo de delações? Que tipo de relação é essa que o senhor esperava que ele pudesse ajudar?
TD: Eu me pautei um pouco, vamos dizer, no que o pessoal da UTC havia comentado e falado: “olha, a gente te arruma um advogado, pessoal da panela de Curitiba e tal”. Eu não queria um advogado vinculado à UTC, queria um advogado meu. Então, eu não aceitei isso. Mas aquela questão que eles falaram, que os advogados de Curitiba poderiam resolver e como eles já tinham experiência própria de haver feito o acordo do Ricardo e da própria companhia, eu entendi que aquilo tinha um fundamento. E como eu tinha um correspondente em Curitiba, não pra assunto penal, pra outros, eu o procurei pra perguntar, se ele não fosse, quem ele poderia indicar como advogado pra tratar desse assunto pra mim. E ele se prontificou a tentar aconselhar e resolver.
WD: As suas tratativas com o doutor Zucolotto se deram como, pessoalmente?
TD: Não, eu já estava nos Estados Unidos, viajando. Talvez estivesse até no Brasil em alguns dias, mas eu estava viajando bastante, porque eu já estava tocando também a colaboração com os Estados Unidos.
WD: Como se deram essas tratativas?
TD: Pelo Wickr Me.
WD: Wickr é o que criptografa?
TD: Ele apaga automaticamente as mensagens nos dois dispositivos.
WD: Quando o senhor se apresentou a ele, dizendo que queria contratar os serviços dele, como é que se desenvolveu a conversa?
TD: Eu me apresentei. Ele já sabia que eu era correspondente.
WD: Sua intenção era contratá-lo?
TD: Não, não foi no sentido de contratá-lo. Eu o procurei e falei: “olha, eu estou com um problema assim, pessoal, aí em Curitiba, a Lava-Jato, e não sei se você tem como ajudar, trabalhar nisso, ou se você pode indicar alguém”. E aí ele se ofereceu a trabalhar informações e saber como estava o caso.
WD: Ele fixou honorários?
TD: A priori, não. Ele ia levantar o caso.
PP: Essas tratativas que o senhor teve com ele, o senhor pode comprovar que elas efetivamente existiram?
TD: Sim, eu tenho as mensagens. Eu fotografei as mensagens.
PP: O senhor fotografou as mensagens?
TD: Sim.
WD: Mas, vamos lá, qual é o conteúdo dessas tratativas? Porque, olha, o senhor está contratando serviços advocatícios, então, há…
TD: A priori, eu consultei ele, ele falou que ia verificar se havia possibilidade. Não falamos em honorários. Num segundo momento…
WD: Verificar o que?
TD: Verificar se haveria possibilidades, condições de fazer o acordo.
WD: Como ele iria verificar isso?
TD: Conversando com os contatos dele. Eu entendi que era o pessoal da procuradoria, uma tratativa, negociação normal.
WD: Ele tem um cliente procurador, não tem?
TD: Eu não sabia. Soube pela Folha de São Paulo. O doutor Carlos Fernando.
WD: É cliente dele?
TD: Eu soube pela Folha. Carlos Fernando dos Santos Lima. Então, conversando sobre isso, ele ficou de verificar, daí ele verificou, deu retorno, falou que havia possibilidade de reduzir a multa que estavam propondo. E que, então, eu pagaria um terço da multa, no acordo, e pagaria outro terço como honorários pra ele. A partir daí a gente faria minuta, essas coisas.
WD: Formalizariam um contrato de prestação de serviços e honorários?
TD: Não. A princípio, ele deixou claro que não. E eu também não avancei nessa conversa, porque, de fato, primeiro, eu não fiquei satisfeito com o que estava sendo proposto. Não em questão de valores, mas em questões pessoais, porque eu continuava tendo minha atividade criminalizada, como advogado, continuava sendo acusado de coisas que eu não havia cometido. E isso, em princípio, eu não aceitava. Então, como eu não aceitava essa questão pessoal, eu nem me preocupei com a questão financeira.
WD: Mas esse terço que seria destinado ao pagamento de honorários dele, como é que isso seria feito? Seria formalizado?
TD: Não, informal. Ele, a princípio, pediu informal.
WD: Informal, ou seja, por fora?
TD: Por fora. Isso.
PP: Que valor seria isso?
TD: Cinco milhões de dólares.
WD: Esses cinco milhões de dólares seriam pra ele, pra viabilizar o acordo?
TD: Exato. Com motivo de honorários.
WD: Sim, mas ele precisaria disso pra ele?
TD: Foi a forma como ele colocou. Se ele iria usar de outra forma, não sei.
PP: O senhor tem como nos disponibilizar cópia desse diálogo que o senhor teve com o doutor Zucolotto?
TD: Sim, eu submeti à perícia, aqui no exterior. Está sendo periciado.
PP: Essas tratativas que o senhor buscou o auxílio dele para melhorá-las, eram feitas com qual procurador?
TD: Com quem ele falou? Pra falar a verdade, ele não nominou.
PP: O senhor tem cópia de uma minuta de uma proposta de acordo?
TD: Sim, o e-mail foi enviado pelos procuradores Robson Pozzobom, Carlos Fernando dos Santos Lima e Julio Noronha.
PP: Foram eles que encaminharam para o senhor?
TD: Enviaram numa sexta-feira e exigiam que eu fosse assinar na segunda.
PP: Isso, antes ou depois da conversa com o Zucolotto?
TD: Depois.
PP: Isso, fruto do trabalho do Zucolotto?
TD: Sim.
WD: Num dado momento, o Zucolotto traria o procurador para a negociação?
TD: É.
WD: Isso está escrito?
TD: Está nas mensagens.
WD: Me diga uma coisa: o juiz Sergio Moro afirmou peremptoriamente quando essas informações foram divulgadas, se não me engano, no jornal Folha de São Paulo, o juiz Sergio Moro veio em defesa do doutor Zucolotto dizendo que ele atua na área trabalhista e não atua na área criminal. Disse peremptoriamente. O que o senhor tem a comentar a esse respeito?
TD: Olha, o site do escritório do doutor Zucolotto tem o portfólio que ele atua, sim, na área criminal.
WD: Disse mais, o juiz Sergio Moro: “o relato de que o advogado em questão (Zucolotto) teria tratado o acusado foragido Rodrigo Tacla Duran sobre acordo de colaboração premiada é absolutamente falso”. Ou seja, esse documento que o senhor tem da troca de e-mails e a conversa registrada com o doutor Zucolotto desmentem o doutor Sergio Moro?
TD: Primeiro, eu não troquei e-mails com o doutor Zucolotto sobre esse assunto. Sobre esse assunto, eu troquei mensagens no Wickr. Há e-mails do meu escritório trocados com o doutor Zucolotto de anos, em razão dos trabalhos que ele prestava para o meu escritório, como correspondente.
WD: Eu me refiro aos e-mails dos procuradores.
TD: E-mail dos procuradores é absolutamente verdadeiro. Saiu da rede do MPF.
PP: Assinado?
TD: Sim, com cópia. Copiados três procuradores e meu advogado. Meu advogado me encaminhou.
PP: Isso é importante. Depois das trocas de mensagens com o Zucolotto?
TD: Sim, sim.
PP: Digamos, então, que se tivesse sido aceito, teria sido subentendido aceito também os termos propostos pelo Zucolotto.
TD: Sim, porque foi depois. Eles me encaminharam o e-mail. Na verdade, eles enviaram e-mail ao meu advogado, meu advogado me encaminhou o e-mail. Nesse e-mail constavam três procuradores, que são os três que eu falei, e o meu advogado.
PP: O senhor não aceitou?
TD: Não aceitei.
PP: Porque? Continuavam ainda criminalizando sua atividade?
TD: Exatamente. Eles não consideravam simplesmente…não consideravam que meu patrimônio, as contas que eles diziam que havia irregularidade eram, de fato, declarados. Falavam que eu sacava dinheiro, minhas contas não têm saque. Que eu recebia de cliente, sacava e devolvia pra cliente. Isso não aconteceu.
WD: Rodrigo, o senhor tem conhecimento de que o procurador Pozzobom ameaçou de nova prisão o executivo da UTC Ricardo Pessoa, depois de obrigá-lo a dizer que seus trabalhos eram ilícitos?
TD: Sim, foi o que me foi falado.
WD: Por quem?
TD: Pelo advogado, pelo doutor Ivan Carratu.
WD: Doutor Ivan Carratu quem é?
TD: É advogado, também da UTC. E aí, depois eu vim a saber que isso de fato se confirmou, porque na ocasião em que ele me contou isso ainda estava sob sigilo. Entretanto, quando foi pedida a minha prisão, eu tive acesso, aqui na Espanha, à parte da cópia dos autos. Pelo menos, é o que chegou aqui na Espanha. E aí, nesses autos constam, por exemplo, uma complementação de delação premiada com declarações do senhor Ricardo Pessoa e senhor Walmir Pinheiro. Essas declarações foram feitas no endereço do escritório da própria UTC, sem a presença de qualquer autoridade policial ou do Ministério Público. Subentende-se, então, que estavam sentados na mesma mesa, sem qualquer autoridade, os dois delatores e seus respectivos advogados. Diga-se de passagem, uma das advogadas deles também é advogada da Odebrecht.
WD: Qual é o nome?
TD: Doutora Carla Domênico.
WD: Carla Domênico?
TD: É. E, basicamente, eles afirmam que parte do que eles me pagaram, eu devolvi a eles em dinheiro. E quando perguntados pelos advogados deles próprios, eles responderam que eu ia regularmente à garagem do prédio da UTC. Isso é mentira, eu nunca estive no prédio da UTC. Gostaria, até, se possível, de ter a oportunidade, porque até hoje meu processo não tem inquérito policial, não tem investigação. Gostaria de ter a oportunidade de submeter meus telefones pra que fossem verificados que eu nunca estive nessa região da UTC. E nessa situação da questão da UTC, eles declararam esse tipo de coisa, que, além de perguntados pelos próprios advogados: “tem algum registro de que o Rodrigo esteve na garagem?”. “Não, não há”. “Tem vídeos?”. “Não, não tem”. Outra pergunta que eles fazem, os próprios advogados do Walmir: “o senhor sabe como é que o Rodrigo transformava, convertia ou arrumava o dinheiro em espécie?”. Ele responde que não sabe e que nunca teve interesse em saber. Então, juntam documentos que são meus recibos da sociedade de advogados, que tiveram impostos retidos. Quer dizer, documentos que não são nenhum plus, não são nenhuma prova que o Ministério Público não tivesse. Por exemplo, me chama muito atenção que são documentos muito menos valiosos, muito menos importantes aos que eu propus ao Ministério Público entregar quando eu estava tentando fazer o meu acordo. Entretanto, eram documentos que desconstituíam dessa versão que o Ministério Público criou, em muitos aspectos. Então, eu senti nesse momento, hoje vendo o que a UTC fez comigo, e aceito, eu vejo que parte do problema, que meu acordo não foi aceito, é que eu desconstituí uma versão que já vinha sendo criada. Então, ao invés de eu somar, de construir uma versão de acusação, eu estava atrapalhando.
WD: Pois é, com base nessa sua afirmação de agora…pela sua própria experiência nessas tratativas, nesse interrogatório e aquilo que o senhor ouve ou possa ter ouvido de outras pessoas nessa mesma situação, o senhor acha que há um padrão nessas tentativas de obtenção de delação? Um padrão de selecionar aquilo que interessa, aquilo que não interessa, do ponto de vista da verdade que a operação quer construir?
TD: Sem dúvida. Por exemplo, meu caso, como eu trabalhei muito com a Odebrecht no exterior, eu tinha uma situação de ter mais informações no exterior. Isso nunca foi interesse também deles. O interesse deles voltava ao Brasil, principalmente, a políticos.
WD: Mas me diga uma coisa: o advogado Vicente Paula Santos, o senhor conhece? Já teve alguma relação profissional com ele?
TD: Não tive. Mas ouvi falar, agora recente, parece que ele foi sócio do Zucolotto ou tem escritório no mesmo endereço, algo assim, e também defende o procurador ou defendeu o procurador Carlos Fernando.
PP: O senhor teve algum contato com o procurador Marcelo Miller?
TD: Sim, ele esteve presente em uma reunião em Curitiba, das negociações.
PP: O procurar Marcelo Miller era da equipe de Curitiba?
TD: Não, ele era de Brasília.
PP: Mas participava das conversas com o senhor?
TD: Participaram, de Brasília, o doutor Marcelo Miller e o doutor Sergio Bruno. Eles participaram a partir da segunda ou terceira reunião que eu tive, não me lembro bem. Mas, a partir de um momento, eles participaram, sim, porque havia interesse em saber se eu teria alguma informação ou situações que envolvessem pessoas de foro privilegiado.
PP: Marcelo Miller, no caso…
TD: Foi essa a justificativa que eles me deram pra que eles estivessem presentes na reunião.
PP: O Marcelo Miller, o senhor recorda de ter alguma questão especial da participação dele nos depoimentos que foram prestados pelo senhor ou nas conversas?
TD: Sim, eu comentei…Como eu havia iniciado a negociação, eu procurei ser, primeiro, mais leal e mais franco possível. E nesse meio tempo, entre uma reunião e outra com a procuradoria, eu havia sido chamado pra uma reunião na Odebrecht, com advogados da Odebrecht. E pra que não houvesse nenhuma dúvida do meu espírito leal, de querer colaborar, prestar os esclarecimentos e resolver a situação, eu comentei a eles nessa reunião que eu havia sido convocado a uma reunião na Odebrecht. Eu não queria deixar que eles soubessem de outra forma, porque parecia que eu estava enganando. Então, eu comuniquei. Quando eu comuniquei, o Marcelo Miller e o Sergio Bruno deixaram claro que eles tinham interesse em saber o teor e o conteúdo dessa reunião.
WD: Eles queriam que o senhor gravasse a reunião?
TD: Marcelo Miller queria.
PP: Ele chegou a falar formalmente?
TD: Sim, o Marcelo Miller falou pra gravar.
WD: Com os advogados, a reunião que o senhor teria com os advogados?
TD: É. E aí eu falei: “mas é reunião de advogados, doutor”. Nisso, o Sergio Bruno foi um pouco contra, ele se mostrou contrário ao que tinha sido proposto e falou: “não, você vai lá e conta pra nós depois”.
PP: Mas ele chegou a pedir para o senhor gravar a conversa com os advogados?
TD: O Miller, sim.
PP: O procurador Marcelo Miller?
TD: Sim.
PP: Perfeitamente. E quem é o senhor Orlando Martelo? Procurador também?
TD: Acho que ele é um dos procuradores.
PP: O senhor não teve nenhum contato com ele?
TD: Nunca.
PP: E o senhor Diogo Castro?
TD: Diogo Castor de Matos foi o procurador que atendeu o primeiro telefonema do meu advogado Leonardo Pantaleão. Ele atendeu o telefonema e foi com ele que o Leonardo marcou a primeira reunião. Diogo Castor. Inclusive, ele falou para o meu advogado assim: “o cliente vem aqui contar historinha ou vem aqui confessar crime? Porque se for vir aqui contar historinha, não precisa nem vir.”
PP: Diogo Castor. E Rodrigo Castor?
TD: Me parece que é irmão dele. É advogado. Não conheço o Rodrigo.
PP: Diogo é procurador e Rodrigo é advogado?
TD: Isso. Eu sei que ele advogou pra algumas pessoas aí. Pra um advogado…Carlos Alberto Pereira da Costa, se não me engano.
PP: João Santana?
TD: Eu li notícias que sim.
PP: Rodrigo Castor primeiro advogava para o João Santana.
TD: Eu li acho que na Folha de São Paulo.
WD: Me diga uma coisa: o senhor está escrevendo um livro…
TD: Sim.
WD: A respeito do que?
TD: É um livro contando um pouco de todos os acontecimentos e o que eu passei preso também e antes de ser preso, essas tentativas de acordo e como foram meus contatos com diversos países sobre os acontecimentos. Eu atendi autoridades de Andorra, dos Estados Unidos, da Suíça, Equador, Espanha, não só as brasileiras. As brasileiras, na verdade, são as únicas que eu não consegui atender.
WD: O que o senhor pretende com esse livro?
TD: Eu não terminei ainda nada. Eu, na verdade, estou escrevendo tudo ainda. Eu só comecei a fazê-lo quando eu estava preso. Mais como uma forma de passar o tempo. E ainda não terminei. Vazou aí, infelizmente. A gente estava fazendo um trabalho gráfico pra poder ir arquivando e acabou vazando.
WD: Me ocorreu agora, aqui, a partir da sua experiência, daquilo que o senhor teve conhecimento da experiência de outros…
TD: Só um parêntese sobre o livro: não publiquei e ainda não está pronto, nem nada, não sei exatamente quando vai estar, se vai ser publicado, porque eu tenho essa questão com a OAB, que, inclusive, ela entende que, por ter dado uma entrevista à Folha de São Paulo, eu havia quebrado o sigilo profissional, entretanto, eu sou acusado pela empresa, que também diz que eu não era advogado, é uma situação inusitada. Se a OAB entende que teve quebra de sigilo, então, eu sou advogado. E, de fato, eu era. Entretanto, pra me defender…o doutor Wadih, como ex-presidente da Ordem conhece muito bem o estatuto, o código de ética, eu posso me defender, eu devo me defender. Então, a OAB aí…tem um processo, que eu vou responder, vou respeitar, vou lutar pelo meu direito de ser advogado e as minhas prerrogativas. Embora, tenha aí uma situação extra ser advogado ou não: a empresa, ao fazer um acordo de leniência, ela abriu mão do seu próprio sigilo. Se alguma coisa que eu estou falando está incomodando e significa que ainda está sob sigilo, subentende-se que, então, ela não abriu todo o sigilo.
WD: É verdade.
TD: Não é? E se ela não abriu todo o sigilo, ela está irregular com o acordo que ela firmou. Eu, como não aderente ao acordo dela com o Ministério Público, não tenho como saber o que ela quebrou de sigilo ou não, mas o que eu sabia é que ela deveria abrir todo o sigilo. Então, eu entendo, inclusive, nesse procedimento ético que eu estou respondendo – eu tenho liberdade de falar pra você, por vossa excelência ter sido presidente da Ordem e ter conhecimento do assunto tecnicamente – inclusive tem a perda de objeto. Porque se a empresa abriu sigilo, porque falou em sigilo em relação a mim? Ainda mais querendo me defender. Mas eu vou respeitar o procedimento, respondendo. Mas o livro está um pouco em suspenso, porque eu não posso me defender de outra maneira.
WD: Vou fazer uma última pergunta ao senhor. Pela minha experiência como advogado, por tudo aquilo que o senhor está passando, enfim, ao longo da vida, nós às vezes somos procurados por pessoas, não pela força da capacidade técnica. Algumas pessoas acham “não, ele é amigo do juiz”. É muito comum, por exemplo, na área Criminal, o advogado porta de cadeia, chamado advogado porta de cadeia – eu não gosto desse tipo de expressão, isso é preconceituoso – mas as pessoas procuram aquele advogado que aparece porque é amigo do delegado, porque é amigo do carcereiro, porque é amigo do investigador. O senhor está percebendo isso, a existência desse tipo de profissional nessas operações? Ou seja, o advogado que é contratado, que é procurado porque tem condições de resolver o problema.
TD: Sem dúvida. Sem dúvida nenhuma. Na nossa profissão, a questão que você levantou do “porta de cadeia” e tal é uma expressão que denigre, inclusive, a classe, eu não a vejo de maneira saudável. Mas nós não podemos, assim, dizer que não existe. Existe o advogado da madrugada, que é chamado quando tem um problema de noite, na delegacia. Isso é uma coisa inerente à nossa profissão. Eu acho, a única coisa que eu acho que a gente pode traçar aí um paralelo, que o que acontece é que nesse tipo de ambiente, de crime etc, de delegacia, da madrugada, essas coisas que acabam entrando esse tipo de profissional, eu acho que isso foi, de certa forma, trazido pra dentro da Operação Lava-Jato.
PP: O senhor acredita que, assim como existiam ou existem, advogados que têm mais facilidade em função das suas relações pra agilizar a soltura de alguém de uma delegacia na madrugada existem advogados que se especializaram pelos relacionamentos que estabelecem com o mundo jurídico da Lava-Jato?
TD: Sim, sim. A única coisa é que muda o crime e o ambiente. E os valores.
PP: Mas o modus operandi…
TD: É o mesmo.
PP: Uma espécie de tráfico de influência.
WD: Parece que o doutor Zucolotto atuaria nesse sentido.
TD: Pode ser. Como outros profissionais competentes. Não é a questão. Cada profissional na sua área, né. É uma forma de atuar.
PP: Doutor Rodrigo Tacla Dura, a gente quer concluir essa conversa dizendo a importância das questões que foram colocadas, a denúncia de que planilhas, extratos que suportam a delação da Odebrecht são documentos que foram elaborados para a delação, não o contrário. Ou seja, a delação estar sustentada em documentos previamente existentes revela um modus operandi, que também ocorreu na delação da JBS, possivelmente da UTC, que, enfim, o senhor que teve a oportunidade de prestar depoimentos nos Estados Unidos, em outros países, consegue perceber essa distinção entre procedimentos investigatórios do Ministério Público, dos órgãos governamentais do Brasil e de outros países?
TD: Sim, sim. Sem dúvida. Eu atendi diversos países, na qualidade de testemunha. Em alguns deles, a condição de testemunha teve que aguardar uma certa maturação entre o que era informação privilegiada, no sentido de eu haver sido advogado, até pra não contaminar o caso, porque seria uma prova nula. E, a partir de determinados parâmetros, respeitadas as prerrogativas de advogado, poderia ser testemunha, como, de fato, aconteceu. Eu vejo que alguns países, no caso que eu tive, tem a mesma legislação de acordo, como outros não tem (que o Brasil não tinha). E a Justiça não deixa de ser eficaz ou não por conta da legislação do acordo.
WD: Agora pra encerrar mesmo: o senhor estaria disposto a depor publicamente perante órgãos brasileiros acerca de tudo que foi relatado aqui?
TD: Sim. Eu sempre estive à disposição. Eu colaborei com outros países, não teria por quê de não com o Brasil. Repito: eu nunca depus na Polícia Federal, porque meu processo, minha denúncia não tem inquérito policial. Então, eu nunca fui ouvido. Eu nunca consegui esclarecer. Deturparam as minhas declarações fiscais, escreveram, falaram e deram entrevista dizendo o que queriam e eu nunca fui ouvido, nunca consegui. Então, eu não tenho problema nenhum. Eu já tinha me colocado à disposição da comissão de segurança pública da Câmara dos Deputados. Houve um problema técnico, que acabaram adiando, mas sigo à disposição.
WD: O senhor nunca mais foi procurado pela comissão?
TD: Ainda não. Não mais.
PP: O senhor tem uma documentação muito grande, que envolve manifestações de autoridades, de diferentes países, autoridades judiciárias, informações bancárias e toda essa documentação disponibilizada certamente será periciada como objeto de análise, mas, com certeza, são muito relevantes e demonstram, de fato, um procedimento com relação às chamadas delações, que colocam em cheque esse próprio instituto da maneira como ele vem sendo observado. O senhor gostaria de colocar mais alguma questão, antes de concluirmos essa conversa?
TD: Não. Só que eu estou à disposição da Câmara ou de qualquer outra autoridade brasileira. Sempre que procurado, eu vou procurar colaborar e ajudar dentro do que for possível, como foi a minha trajetória nesse processo todo até agora.
PP: Quero agradecer, então, o doutor Rodrigo…
TD: Só uma questão. Que falam em “foragido”. Veja bem: eu vejo os acordos de colaboração e delação feitos no Brasil – aí vendo como advogado – que isso se tornou um instrumento de defesa – lícito, válido, todo mundo pode se defender, como deve – mas pra se defender de uma prisão preventiva, na maioria das vezes, arbitrária e ilegal. Eu até tentei essa via do Direito como dispositivo de defesa, entretanto, diante de como caminharam as coisas com o Ministério Público Federal, que, além de não fazer o acordo comigo, sempre inviabilizou e trabalhou contra que eu fizesse acordo em outros países. Diante desse quadro, eu, como advogado, pra ser estratégico, que eu passei a usar e fui usar a extradição como procedimento jurídico válido, regular, instituto que é reconhecido na legislação de vários países como defesa a uma prisão preventiva ilegal e arbitrária. Minha extradição foi utilizada nessa forma, como estratégia jurídica de defesa contra essa irregularidade, essa ilegalidade. Não sou foragido, tenho meus passaportes em mãos. Posso viajar pra onde eu quiser, quando eu quiser. Respondi a todos os processos aqui na Espanha, a todos os procedimentos de cooperação internacional de outros países. Eu só não posso viajar, porque eu sou ameaçado pelas autoridades brasileiras de quererem insistir em fazer uma detenção ilegal, preventiva, depois de responder a tudo isso que eu respondi. Eu não estou fugindo, tenho endereço, tenho domicílio, profissão. Se eu fosse foragido, a Justiça, claro, teria me prendido. Eu não sou foragido. Só queria deixar esse registro claro. Se pudesse, eu iria à Câmara dos Deputados pessoalmente. Não vou, por isso, então, pra atender a qualquer autoridade, nesse momento, porque a 13ª vara de Curitiba insiste nessa ilegalidade, eu tenho que, infelizmente, fazer essa colaboração ao meu país à distância, via videoconferência.