Por Theófilo Rodrigues (Artigo publicado originalmente no jornal Bafafá, edição de outubro de 2017)
Imagine uma cidade onde os dois maiores jornais, a revista semanal, a principal rede de televisão, as duas rádios entre as mais ouvidas e o portal de internet mais acessado pertencem a uma mesma família. Trata-se de uma ficção ou já vimos isso em algum lugar?
Nos Estados Unidos da América certamente não foi. Naquele país, a liberdade de imprensa constitui um princípio tão forte que está presente na Constituição desde 1789. Lá, a chamada propriedade cruzada dos meios de comunicação não é permitida, ou seja, diferentes veículos não podem pertencer a um mesmo dono em uma mesma cidade. Esse impedimento legal é regulado pela Federal Communications Commission, FCC, agência reguladora da área de telecomunicações e radiodifusão criada em 1934. Note-se que a conjuntura em que surgiu não é trivial. Foi exatamente em meio ao New deal de Roosevelt, momento em que o Estado norte-americano percebeu que a lógica de mercado não poderia ser deixada à deriva, movida por uma suposta mão invisível. Esse mercado, inclusive o das comunicações, deveria ser regulado e o instrumento para isso seria a FCC.
Mas e no Brasil? Bom, por aqui a Constituição Federal de 1988 até diz em seu artigo 220 que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Claro, quem lê esse artigo na Constituição imediatamente abre um sorriso irônico do tipo, “sei, sei…”
Ocorre que, apesar de constar na Constituição esse princípio legal, o artigo nunca foi regulamentado através de lei, de modo a dizer especificamente o que significa monopólio e oligopólio da comunicação. Na medida em que o artigo da Constituição não é regulamentado, fica valendo a tal mão invisível do mercado…
Mas não é apenas a lei, ou melhor, a falta dela, que permite a concentração dos meios de comunicação no Brasil. Em artigo publicado em 2014, em parceria com a professora Larissa Ormay, na Revista Eletrônica Internacional de Economia, Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, tive a oportunidade de argumentar que o Estado brasileiro é o responsável, não apenas passivo, mas também ativo, na manutenção desse monopólio.
Naquela ocasião, demonstramos como grande parte dos recursos obtidos pelas grandes empresas de comunicação do país são absorvidos das verbas oficiais de publicidade do governo federal, dos governos estaduais e das prefeituras. Em outras palavras, o Estado brasileiro financia o monopólio da mídia no Brasil.
É nesse sentido que deve ser louvada a recente iniciativa do vereador de Niterói, Leonardo Giordano, em apresentar um Projeto de Lei que institui uma cota de 30% para a mídia alternativa na publicidade oficial da prefeitura daquela cidade.
De acordo com a proposta, pelo menos 30% desses recursos devem, necessariamente, ser deslocados para jornais de bairro, rádios comunitárias, TVs comunitárias, blogs e portais na internet. A medida já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal e, em breve, deverá entrar em votação no plenário.
Medida semelhante já havia sido apresentada em 2013 na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro pela deputada estadual Enfermeira Rejane. Pelo PL 2248/2013, a cota para a mídia alternativa na publicidade oficial do governo do estado seria de 20%. Entretanto, o PL vem encontrando dificuldades para tramitar na ALERJ desde então.
Uma sociedade democrática precisa de diversidade cultural e pluralidade de informações. Contudo, a realização dessas duas dimensões democráticas é impossível em uma sociedade onde os meios de comunicação estão concentrados. Ainda mais quando essa concentração é fomentada pelo próprio Estado. Inverter essa lógica é um desafio que está colocado nas mãos da sociedade civil. Afinal de contas, como já nos ensinou Frei Betto, “governo é como feijão, só funciona na pressão”.
Theófilo Rodrigues é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.