(Foto: Evaristo Sá/AFP)
O site Jota publicou, há pouco, uma matéria, assinada por Marcio Falcão, sobre a manifestação da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que a mostra se “janotizando”, ou melhor, se “lavajatizando”, em tempo recorde.
Ao defender que o STF receba uma denúncia contra Romério Jucá, o profeta orgíaco mais talentoso do mundo, Dodge lançou mão das teorias inventadas pela Lava Jato, em especial a de que a doação eleitoral legal também é propina.
A tese da Lava Jato é uma obra-prima do regime de exceção implementado no Brasil pela própria operação.
Se o “caixa 1” é crime, então o sistema nacional de justiça (procuradores, polícias e juízes, irmanados em alguma “força tarefa”) ganham um poder incomensurável: podem intimidar, sequestrar, prender e “suicidar” qualquer político.
Eu seria o último dos seres humanos a defender Romério Jucá, cuja motivação para se engajar tão desesperadamente no golpe veio justamente de sua percepção, acertada, que o judiciário tinha enlouquecido, e que era preciso assumir o poder para se salvar, “com Supremo, com tudo”.
Jucá é um escroque indefectível, mas o seu timing de sobrevivência foi perfeito. Eu desconfio seriamente que as forças maiores por trás do golpe imaginaram que a reação de políticos como Jucá seria exatamente como foi. E era isso que eles queriam. Jucá, Temer, Moreira Franco, foram os piões num xadrez comandado por gente muito mais poderosa do que os caciques do PMDB.
Entretanto, uma leitura rápida da acusação da PGR revela que se trata de mais um cavalo de tróia montado para criar uma jurisprudência contra a política e em favor do regime de exceção.
Alguém ligado a Jucá recebeu doações oficiais de Jorge Gerdau. O crime de Jucá seria o de ter articulado em favor de uma medida provisória (a MP 627, de 2013) que alterava a forma de cobrança tributária dos lucros de empresas brasileiras no exterior.
Ora, a acusação, de cara, atenta contra o bom senso, por vários motivos:
1) Jorge Gerdau fez contribuições de campanha a vários candidatos, não apenas àqueles relacionados a Jucá.
2) A MP tratou de um assunto geral, que alterou regras para todas as empresas brasileiras.
3) A PGR teria que pedir indiciamento de todos os deputados e senadores que, de alguma maneira, deram opinião favorável a MP.
O que me espanta é a submissão, por parte de Raquel Dodge, ao raciocínio tortuoso, doentio, da Lava Jato, que se tornou uma espécie de Midas invertido, diabólico, transformando tudo que toca em crime hediondo.
Se um político qualquer for relator ou simplesmente apoiou uma medida provisória que beneficiou alguma empresa brasileira, basta aos neo-meganhas encontrarem alguma doação dessa empresa a alguém relacionado a esse político, mesmo que seja uma doação legal, legítima, para encontrar argumentos para criminalizá-lo.
Entretanto, ao fazê-lo, o regime de exceção está criminalizando a própria política.
Beneficiar multinacionais do petróleo, como estamos vendo neste exato momento, não parece ser objeto de atenção da PGR.
Beneficiar empresas brasileiras, aí só poder ser crime!
O recado do regime de exceção é claro: o negócio dos políticos, a partir de agora, deverá ser defender exclusivamente grandes bancos e multinacionais. Aí não tem problema.
Naturalmente, a iniciativa da PGR não resultará na criminalização de todos os empresários ou de todos os políticos, mas somente daqueles que eles, os neo-meganhas, escolherem como alvo.
O regime agora aponta o dedo para Jucá, mas o seu processo pode ser paralisado por Alexandre de Morais ou Gilmar Mendes. Quando chegar em outro político, no Lula, por exemplo, a coisa será diferente.
O que importa é exercer um controle maior sobre os governos, que tenderão a ficar ainda mais paralisados.
O poder, afinal, já ensinava o velho Schmitt, é de quem decreta o estado de exceção…
Trechos da manifestação de Dodge (obtidos na matéria do Jota):
“O fato de as doações de campanha feitas pela Gerdau Comercial de Aços S/A. terem se dado pela via oficial, devidamente registrada na Justiça Eleitoral, não a descaracteriza como ajuste espúrio. No curso da “Operação Lava Jato”, descobriu-se esta nova modalidade de lavagem de dinheiro, em que a corrupção do agente político é feita por intermédio de doação formal de campanha, como contrapartida de sua atuação no Parlamento ou junto ao Poder Executivo para a defesa ativa de projetos e medidas legislativas do interesse direto das pessoas jurídicas”.
“Sabe-se que os delitos imputados na denúncia – de corrupção ativa, passiva e de lavagem de dinheiro — são mais frequentemente praticados clandestinamente, às escondidas, no subterrâneo das atividades funcionais do agente público, sendo de dificuldade ímpar exteriorizar as tratativas e os atos executórios que resultaram na prática de um ato de corrupção por isso, adquirem relevo as provas e os elementos circunstanciais para a formulação de um juízo sobre a participação dos acusados”, diz o documento
“A denúncia afirma que Jorge Gerdau Johannpeter entregou a vantagem indevida ao referido senador sob a forma de doações eleitorais disfarçadas, para sua campanha ao Senado em 2010 e para a campanha de seu filho Rodrigo de Holanda Menezes Jucá para o cargo de Vice-Governador de Roraima em 2014, no montante de R$ 1.333.333,00, entregues aos Diretórios do PMDB, em diversas operações fracionadas, de forma a ocultar e dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores provenientes, direta ou indiretamente, de prática de crime contra a administração pública”, afirma o documento.
Para a procuradora-geral, Jucá “violou dever funcional, intermediando e votando em favor de medidas provisórias de interesses do grupo Gerdau, em especial na tramitação da Medida Provisória nº 627/2013, da qual foi o relator-revisor no âmbito do Senado Federal”.
A manifestação afirma ainda que: “Há indícios suficientes de que o Senador Romero Jucá recebeu financiamento, nas eleições de 2010, do co-denunciado, membro do Grupo Gerdau e, que tal financiamento vincula-se a tratativas para atender Jorge Gerdau Johannpeter, para, prevalecendo-se de sua função de Relator-Revisor da MP nº 627/2013 e de Líder do Governo do Senado, agir como canal de comunicação e envio de proposições da empresa diretamente ao setor estratégico do Governo responsável pela análise de questões fiscais, como de fato o fez no início do ano de 2014, levando extemporânea minuta de emenda à MP nº 627/2013”.