É proibido jogar amendoim
Por Denise Assis
Meu saudoso amigo Xico Vargas (jornalista, que morreu aos 70 anos, em 24 de dezembro de 2015), tinha a maior bronca do tal “turismo de favelas”. Criador do site “Viva Favela”, incorporado pela ONG Viva Rio, o jornalista se batia pelo fim daquele verdadeiro “safári” – definição que dava a esse tipo de tour – que o irritava.
Não sem razão. O que tanto procuram na miséria, nas vielas e becos, na cara das crianças que, sem espaço ou opção de lazer, brincam próximas às valas negras, ou, cada vez mais, nem brincam, confinadas que ficam pelas mães, em seus barracos, como se isto bastasse para colocá-las a salvo das “balas perdidas”, que de perdidas não têm nada. Sempre encontram um endereço certo, o corpo de um morador. Em geral, acertam nelas, as crianças, soltas a brincar no espaço exíguo que lhes cabe, no amontoado de barracos.
O exótico cenário de “casas” empilhadas, exerce um verdadeiro fetiche entre os turistas, que olham, fotografam, dão as costas, pegam o seu avião, e vão embora felizes por terem tido a ácida experiência de captar “in loco”, a miséria das favelas brasileiras. Mais tarde, em seus países de origem, quando virem nas TVs as notícias sobre aquelas guerras particulares, poderão dizer aos amigos: “eu estive lá”, com o mesmo ar divertido de quem conta um tour pelas savanas da África.
Tinha razão o meu amigo, em se indignar com esta prática, rendosa aos que a promovem, degradante para os que, invadidos e fotografados pouco ou nada lucram com as “espiadelas” turísticas dos que ali aportam com a adrenalina a mil. E, tenho as minhas dúvidas, se não rola aquela expectativa de, em lá estando, viver de perto a aventura de um tiroteio.
Há quem insinue que existe mais a buscar nos morros do que meras selfies e aventura. Não chego a tanto, embora a julgar pela proliferação de empresas no ramo, é bem possível imaginar algum tipo de “parceria”. Um dia iria “dar ruim”, para usar uma linguagem própria dos moradores observados. E deu. Os “safáris”, como os definia o meu amigo Xico Vargas, deixam à mostra a mazela da desigualdade, a inoperância das autoridades em organizar “o que não têm mais jeito de dissimular/O que não é direito, nem nunca será”, com a complacência do prefeito, que ao se pronunciar sobre a morte da turista espanhola, Maria Esperanza, resumiu: “O turismo na favela pode ocorrer, desde que tenham medidas antecessoras, para que não ocorram tragédias como a de ontem.” Tragédia, senhor prefeito, é termos no calendário turístico este safári da desigualdade para mostrar. Diante de tal posicionamento, só nos resta espalhar placas: “É proibido jogar amendoins”.