Autora :Denise Assis
Depois do que assistimos no senado, nesta quarta-feira, dia 17 de outubro e, hoje, 18, na Câmara dos Deputados, tenho a sensação de ter entrado na trilha descrita e seguida por Dante Alighieri em sua obra, “A Divina Comédia”, rumo aos “nove círculos do inferno”, sem, contudo, ter a companhia do poeta Virgílio, a me guiar e advertir.
Em sua narrativa, Dante descreve a situação fantástica entre um sonho e um pesadelo, que o levam, depois de vagar por toda uma noite, à subida de uma colina. De lá, inicia a sua viagem, indo parar no Portal do Inferno que fica no alto de um desfiladeiro sombrio e nebuloso. A descida é em espiral, formando plataformas concêntricas que se perdem na profundidade abissal do vale, lá embaixo.
Tenho a impressão de que nós, os brasileiros, nos tornamos, na verdade, um bando de almas à margem do rio Aqueronte – conforme descrito na obra de Dante- vivendo a nossa segunda morte. Não me espantaria se no mural dos aeroportos brasileiros encontrássemos afixado o aviso lido por ele e Virgílio, seu companheiro de viagem ao chegarem ao umbral do inferno: “Por mim se vai à cidade das dores… Abandonei toda a esperança, à vós que entrais.”
Tal como lá, há por aqui alguém que dos inacreditáveis 0,1% de (des)aprovação (contando com os dois pontos percentuais para mais ou para menos. Os dele, com certeza, são para menos) parece nos vociferar, a exemplo de Caronte, o barqueiro responsável pela travessia das almas penadas: “Ai de vós, condenados! Nunca vereis o Céu! …na outra vida, sereis encerrados para sempre no fogo e no gelo.”
Há outras semelhanças entre nossa triste realidade e a escrita de Dante: “Porém, mesmo no Limbo não existe igualdade entre os penitentes.”
E para os que acham exagero revisitar Dante nesta hora em que a nossa pátria reserva sensíveis semelhanças com sua descida aos infernos, o trecho em que descreve o “Segundo Círculo– Os vícios da Carne”, talvez dissipe qualquer dúvida, quando fala dos poderes de Minos, que foi rei da Ilha de Creta, como o juiz absoluto: “híbrido homem-touro, porque quando Zeus seduziu Europa, ele o fez na forma de um touro branco. Postado na entrada agitado e sempre furioso, ele é o Juiz das almas. Interroga uma por uma, estabelece as penas e determina em qual dos nove círculos infernais a criatura vai pagar seus pecados.”
“Mesmo que a alma minta, não reconheça ou confesse seus erros, de nada adianta. Minos sabe a verdade de todas as consciências; e profere a sentença: …determina [e anuncia] a que círculo infernal ela [a alma] será enviada enrolando sua cauda: pelo número de voltas que lhe dá, sabe-se em que parte do abismo a alma se precipitará [ALIGHIERI, 2003 ̶ p 25].”
Não ambicionamos, tal como Dante em sua trajetória, termos a visão de Deus no paraíso. Tampouco sei em que estágio da descida, nos encontramos neste momento. Em que círculo do inferno estamos. Tudo o que almejamos, quero crer, é termos o direito de retomar nossa escalada rumo ao topo, ter nossos direitos restituídos, nossas conquistas restauradas e uma vida decente. Convenhamos, não é muito, mas como estamos distantes.
Referências:
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. [Trad. Fábio M. Alberti]. São Paulo: Nova Cultural, 2003.
ENCICLOPÉDIA BARSA, vol. 5. Dante Alighieri. São Paulo, Rio de Janeiro: Britannica Editores, 1966
DICIONÁRIO DE MITOLOGIA GRECO-ROMANA. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
GREEK MYTHOLOGY. Disponível em: http://www.allaboutturkey.com/sozlukmit1.htm]
RAEPLE, Eva Maria. An Intercultural Crossroad Between Christians and Muslimsin Thirteenth Century Italy: Reflections on Dante’s Divine Comedy, 2003.
[http://www.cod.edu/Middle/exhibit/papers/Dante.pdf]
Site: http://www.sofadasala.com