‘Espírito’ da Lava Jato preside novos lances de perseguição a Lula e Dilma
Fábio Konder Comparato vê bloqueio de bens de Dilma pelo TCU como outro episódio que mira membros do PT para afastá-los do poder e favorecer os Estados Unidos. Para Eugênio Aragão, novo ultimato de Sérgio Moro a Lula reafirma que juiz age como promotor, e não magistrado
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 13/10/2017 18h06, última modificação 13/10/2017 18h24
Atos jurídicos seletivos contra ex-presidentes petistas sofre têm objetivos nitidamente políticos, dizem juristas
São Paulo – Os mais recentes episódios envolvendo o sistema de justiça e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff não são novidade e fazem parte do ambiente criado pelo “espírito” persecutório da Operação Lava Jato no país. Na quarta-feira (11), o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu bloquear os bens de Dilma, por supostos prejuízos à Petrobras na compra, pela estatal brasileira, da refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006. À época, a petista presidia o Conselho de Administração da companhia.
E nesta sexta-feira (13), o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, deu prazo de 48 horas para que a defesa de Lula entregue os originais dos recibos de aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo. Segundo a Lava Jato, o apartamento seria de Lula e o contrato de aluguel, falso.
No caso de Dilma, causou estranhamento o fato de que o mesmo TCU, em 2014, a havia isentado de responsabilidade no episódio da compra de Pasadena. O tribunal desmentiu inclusive versões dadas por delatores na Lava Jato.
“É o espírito da Operação Lava Jato. O que se quer com isso tudo, sobretudo, é perseguir membros do PT e indiretamente favorecer os Estados Unidos”, afirma o jurista Fábio Konder Comparato. “Várias das medidas adotadas pelo novo governo favoreceram enormemente os Estados Unidos, a começar pela privatização do pré-sal.”
O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão avalia como ilegítima a intimação de Moro a Lula, dando prazo para a entrega de recibos. “Não tem nem que colocar prazo nisso, porque a defesa não é obrigada a fazer prova nem a favor nem contra si. E tem o direito de juntar documentos a qualquer época do processo. Isso está no Código de Processo Penal”, afirma. “Isso é um absoluto abuso de Sergio Moro.”
Para Aragão, Moro confunde processo civil com processo penal (caso de Lula). “Moro age como um promotor. A defesa junta esses documentos se quiser, se não quiser não junta. Moro não tem direito de ficar desconfiando da prova, porque ele ainda não está julgando.”
Comparato duvida de que o mesmo tipo de postura adotada pelo TCU contra Dilma seja tomada em relação ao presidente Michel Temer, depois que este deixar a presidência. “São sempre dois pesos e duas medidas. O que acontece é que há 500 anos vivemos sob a dominação de uma oligarquia. Lula e em parte a Dilma foram intrusos no regime oligárquico e como tal foram desde logo expelidos.”
No caso do envolvimento de Dilma no caso de Pasadena, Aragão avalia como “outra chicana”. “Eles resolveram considerar toda a diretoria (do Conselho de Administração da Petrobras) como solidária para pagamento da multa.” Segundo ele, Dilma terá de entrar com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal.
Em nota, os advogados do ex-presidente Lula afirmaram nesta sexta que “surpreende a defesa o fato de o juiz não aceitar a realização de uma audiência para a entrega das vias originais dos recibos, atestando o estado em que os documentos serão apresentados para dar total transparência ao ato”. Os defensores declaram ainda que têm “interesse no reconhecimento de que os documentos são autênticos, como sempre afirmamos, e atendem a recomendação de entrega feita pelo próprio juiz na audiência de 13/09 (quando Lula prestou depoimento a Moro pessoalmente pela segunda vez)”.
Em nota divulgada na quarta-feira, a assessoria de Dilma lembrou que o TCU, em diversos julgamentos entre 2014 e 2017, isentou o Conselho de prejuízo na compra de Pasadena. “Não há prova alguma de qualquer ilícito praticado pelo Conselho Administrativo da Petrobras. Até porque muitos dos seus integrantes eram empresários do mercado, com experiência em gestão e aquisições. Cabe destacar que nenhum tinha ligação política com o governo.”
A assessoria acrescenta citação de parecer do Ministério Público Federal de 22 de julho de 2014, no qual o MPF afirma que “não é possível imputar o cometimento de delitos de nenhuma espécie aos membros do Conselho de Administração, mormente quando comprovado que todas as etapas e procedimentos referentes ao perfazimento do negócio foram cumpridas”.
Diante da perseguição a Lula e Dilma e a atuação do sistema judiciário do país hoje, Comparato não enxerga luz no fim do túnel. “Não vejo. Devem ter quebrado o circuito elétrico, porque não há luz no túnel”, ironiza o jurista.
Na semana passada, ao comentar a segunda denúncia do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra Temer, o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano disse que “o grande inimigo hoje (do país e da democracia) são as medidas de exceção produzidas pelo sistema de justiça”.