Maçonaria, palco de ameaça de intervenção militar, teve agentes da repressão como membros
Por Denise Assis, colunista do Cafezinho
Depois da estapafúrdia declaração do cantor sertanejo, Zezé de Camargo, de que no Brasil não houve uma ditadura, a semana passada terminou assombrada por um evento na loja maçônica de Brasília, em que o general Hamilton Mourão propôs intervenção militar para acabar com a crise na política. Por curiosa coincidência, seu sobrenome é o mesmo do general Mourão Filho, líder do movimento que depôs o presidente João Goulart.
O tema – motivo da criação de uma Comissão Nacional da Verdade, e várias outras pelo país afora, que buscaram elucidar assassinatos e desaparecimentos forçados nas dependências de quartéis e demais órgãos do Estado, contra discordantes da ditadura apoiada por uma parcela expressiva de civis, e implantada pelos militares, em 1964 – levou pânico a vários segmentos progressistas da sociedade.
E não é para menos. Apesar de o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirmar que “não há qualquer possibilidade” de intervenção militar no Brasil, em resposta ao general Antônio Mourão, a desinformação sobre os fatos ocorridos naquele período, o dos anos de arbítrio, podem levar incautos a torcer por este desfecho.
Nunca é demais lembrar que nos anos mais duros da ditadura, o Grande Oriente do Brasil, como os maçons a chamam, manteve em seus quadros homens da repressão. É o que fica patente em um documento da Polícia Política, encontrado durante pesquisas da CEV-Rio, no arquivo do Estado do Rio de Janeiro (Aperj).
Em carta dirigida ao “Sr. Coronel Diretor do Departamento de Ordem Política e Social- (DOPS)”, protocolada sob o número 4584, em 11 de dezembro de 1970, um dos mais duros do regime, um “ex-funcionário” daquele departamento, de nome Darcy Schettino Rocha, “brasileiro, casado, natural da Guanabara”, dedura o diretor do Grande Oriente do Brasil (Maçonaria), Moacyr Arbex Dinamarco.
Em sua carta, diz que a loja está cheia de “elementos que, por força de sua profissão” (ele foi chefe da Seção de Ordem Pública, da Seção de Ordem Política) seriam “subversivos, comunistas e corruptos”.
No exercício de “deduragem”, Darcy acusa o “atual Grão-Mestre Geral, Moacyr Arbex Dinamarco” de, apesar de tê-lo procurado, acenando com o “saneamento, com a expulsão da Ordem, de elementos notoriamente conhecidos por exercerem atividades comunistas”, agora fazia vista grossa à presença deles. Na opinião de Darcy, a promessa de Moacyr foi apenas para ficar bem com as Forças Armadas.
As denúncias do “araponga” descem a minúcias do tipo: um pretenso movimento contra a sua entrada para o Grande Oriente, por ser do DOPS, bem como a de um colega, de nome Heraldo Alves da Silva, pertencente ao Cenimar (Centro de Informações da Marinha).
Na carta, ele expõe a estratégia que adotou para barrar o movimento contra a sua entrada e a de outros integrantes dos quadros da repressão. “Vendo que, na defesa dos interesses maiores de seus ideais teria de travar na ordem maçônica o mesmo combate que sempre manteve contra o comunismo e os já citados elementos”, para lá encaminhou outros companheiros do DOPS, “a fim de poder lutar com mais desembaraço e eficiência”. (No recorte abaixo, leia outras “providências” tomadas pelo agente, a fim de “sanear” a Ordem):
Não satisfeitos com as providências do Grão-Mestre, os templários exigiram a expulsão imediata do grupo que, segundo o “araponga”, estavam “usando a Maçonaria como escudo para as suas atividades comunistas e criminais (estelionatos), e toda a sorte de falcatruas e aliciamento para o PC, que não quer perder a frente que tem no interior do Grande Oriente”.
Diante da pressão exercida sobre o Grão-Mestre Geral, Moacyr Arbex Dinamarco, na descrição pormenorizada de Darcy, revoltou-se contra os templários: “o tenente coronel Bilac Vargas Dalkastanhy, o major Armando Encarnação Moreira; o capitão Antonio José Blanco; o tenente Heraldo Alves da Silva (Marinha); e os civis: Dr. João de Araújo Pedrosa; Arthur Alves de Carvalho; o Dr. Carlos Eduardo Peçanha e o declarante”.
A Maçonaria, palco do discurso do general Mourão, não é de hoje, esteve às voltas com os principais momentos políticos. Os maçons costumam até mesmo tentar capitalizar a Inconfidência Mineira como um movimento orquestrado pela instituição. Porém, não existe documentação que corrobore a versão. Muito menos, a de que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, tenha pertencido aos seus quadros, conforme afirmam.
O que está nos anais da Maçonaria é que no dia 17 de junho de 1822, os maçons do Rio de Janeiro se reuniram em sessão extraordinária, presidida por João Mendes Viana, mestre da Loja Comércio e Artes na Idade do Ouro, única até então existente no Rio de Janeiro. A solenidade teve por objetivo a criação e instalação do Grande Oriente Brasílico ou Grande Oriente do Brasil, na qual José Bonifácio de Andrade e Silva foi escolhido como Grão-Mestre. Em 02 de agosto de 1822, D. Pedro I compareceu à sessão da Ordem, sendo iniciado conforme a liturgia maçônica, adotando o codinome de Guatimozin*.
Outro fato inegável é a posição assumida pela Ordem, em 2016, contra a presidenta eleita, Dilma Rousseff. Os maçons chegaram a organizar uma passeata por Copacabana, para pedir a sua destituição.
Michel, que a destituiu, é apontado como maçon, do ramo mais conhecido como “Illuminati”, grupo de uma elite de empresários controladores dos principais conglomerados financeiros. Ele desmente, admite que já pertenceu à Ordem, mas diz que se desligou. Nas redes sociais, porém, a polêmica come solta.
* A informação sobre as adesões de José Bonifácio e D. Pedro I foram retiradas do artigo do maçon Luiz Gonzaga da Rocha, ver: WWW.oficinadagerencia.com/2008/08/d-pedro-i-era-maon-e-seu-codnome-era.html; de 25 de agosto de 2008