(Ato em apoio à ocupação, ocorrido no último domingo. Foto: Facebook do MTST)
Por Pedro Breier
“Invasão com 6.000 barracas leva ao ABC medo e até chance de negócio”.
Este é o título da matéria que aparecia, horas atrás, no site da Folha sobre o Acampamento Povo Sem Medo, ligado ao MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, em São Bernardo do Campo/SP. A ocupação já reúne em torno de 7 mil famílias que lutam pelo sonho de ter uma moradia digna.
Ao abrir a matéria, o título mudou para incluir a solidariedade entre o medo e a chance de negócio. A ideia deve ter sido dar uma disfarçada na chamada e no conteúdo da reportagem, grosseiramente preconceituosos e incitadores do ódio aos movimentos populares.
O foco da reportagem é no medo dos que moram no condomínio de classe média e na vila comunitária vizinhos ao acampamento.
Medo do que, exatamente? Ninguém sabe e ninguém fala nada sobre este singelo detalhe, mas o que importa é pintar a luta por moradia como coisa de delinquente.
A matéria começa revelando o drama de uma aposentada que não deixa mais a neta ficar sozinha na praça em frente à sua casa. A criança é obrigada a brincar com seu tablet do lado de dentro da garagem, que ganhou uma lona de proteção “para afastar olhares curiosos”. O que de tão horrível está acontecendo na praça, fora a provável presença de crianças que nunca pegaram em um tablet na vida, a repórter esqueceu de perguntar à entrevistada.
Mais algumas pérolas dos moradores do condomínio e da vila: “Foi uma luta muito grande para construirmos essa vila para essas pessoas nos tornarem reféns nas nossas casas”. “Estamos aterrorizados. Tiraram nosso sossego”. “Trabalhamos muito para pagar o lugar onde moramos. Não somos essa elite preconceituosa. Mas estamos preocupados com nossa segurança e a falta de saneamento básico”. “Não saímos mais de casa tranquilos”.
Ressaltando: ninguém menciona qualquer motivo concreto para toda a preocupação. Evidente o preconceito de classe nas falas dos que tem o seu teto garantido para dormirem quentinhos, faça chuva ou faça sol.
A Folha, de forma nojenta, faz o serviço sujo de reforçar esse preconceito rasteiro ao destacar o medo estapafúrdio desse pessoal.
Nenhuma linha sobre o grave problema de moradia no Brasil ou sobre os motivos econômicos que desembocaram em um acampamento gigante, composto por gente que só quer uma casinha para poder tocar a vida com o mínimo de dignidade.
A ironia macabra é que um morador do prédio ao lado da ocupação desferiu tiros em direção ao acampamento, no último sábado, resultando em uma bala alojada no braço de um sem-teto.
Delinquentes não são os que lutam. Delinquentes são os abastados que babam de ódio e descambam para a violência física; a imprensa que alimenta e perpetua o preconceito; o governo bandido de Michel Temer; o Congresso dominado por pilantras; e todos os que lucram com a crise e a miséria do sofrido povo do Brasil.
O povo é sofrido, mas também é batalhador. E sem medo.