Após um ano de um golpe de Estado que só foi possível graças a Lava Jato, cujo ritmo e processo foram agendados minuciosamente para cumprir a agenda do impeachment, as denúncias contra a jurisdição de exceção implementada pela chamada República de Curitiba começam a se avolumar.
Existe uma razão para que essas denúncias sejam externadas somente agora: o espetáculo grotesco do governo que nasceu do golpe.
É um fracasso enorme para aqueles que articularam o golpe, em especial os caciques do PSDB que participam do governo Temer ou o apoiam, incluindo seu presidente, Aécio Neves, que o governo seja reprovado virtualmente por todos os brasileiros.
Esse fracasso, contudo, mudou a atmosfera política, deixando-a, paradoxalmente, mais respirável, porque agora é possível fazer críticas duras à Lava Jato e às diversas conspirações midiático-judiciais que levaram ao golpe, sem o medo de ser acusado, pela própria Lava Jato, de “obstrução de justiça”.
Quem deve ser acusada de “obstrução de justiça” é a Lava Jato, na medida em ela foi a principal responsável pelo quadro de caos jurídico, político e social no qual o Brasil mergulhou.
O regime de exceção, com ajuda da mídia, tentou martelar na opinião pública que “obstrução de justiça” seria qualquer medida que se tomasse para atrapalhar os processos de acusação, omitindo acintosamente que a justiça jamais pode ser reduzida somente à acusação, sob o risco de não mais ser justiça. Justiça é acusação e defesa. Se a Lava Jato trabalhou para atrapalhar os processos de defesa, então ela deve ser acusada, com toda razão, de “obstrução de justiça”.
Leia abaixo a matéria da Conjur, com informações sobre as duras acusações contra a Lava Jato feira pela sub-procuradora-geral da República, Ela Wiecko.
Não dá para entender porque Dilma reconduziu o golpista Janot ao cargo (e isso depois de Lula também só ter nomeado golpistas para a PGR), ao invés de nomear alguém como Ela.
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No Conjur
DIREITO DO ESPETÁCULO
Ex-candidata a PGR, Ela Wiecko diz que “lava jato” passou dos limites
Por Felipe Luchete
31 de agosto de 2017, 10h48
A subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho afirmou nesta quarta-feira (30/8) que processos relacionados à operação “lava jato” seguem caminhos de exceção, em que se relativizam direitos, há “seletividade na escolha dos alvos da investigação” e o desejo de democracia é substituído pelo desejo de audiência. A avaliação foi feita em painel do 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais, em São Paulo, a uma plateia de operadores do Direito.
Ela Wiecko foi vice-procuradora-geral da República na gestão de Rodrigo Janot até agosto de 2016 e uma das oito candidatas para ocupar a vaga a partir de setembro deste ano. Convidada para evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, afirmou nesta quarta que o processo penal de exceção ainda não é comum em todo o Ministério Público Federal, mas é visível no trabalho de colegas de Curitiba e, “em parte”, dentro da PGR.
“O que foi feito nessas operações passou de alguns limites, algumas garantias individuais: da presunção da inocência, da proteção da imagem, do devido processo que seja realmente equilibrado. Por que alguns processos andam mais depressa do que os outros? A gente não ganha nada com isso.”
A palestrante afirmou que tanto a “lava jato” como a Ação Penal 470, conhecida como processo do mensalão, se encaixam em sete características contrárias ao garantismo, formuladas pelo criminalista e professor Fernando Hideo Lacerda.
Na lista estão a aplicação distorcida da teoria do domínio do fato e julgamentos de acordo com a “opinião pública(da)”, que segundo a subprocuradora transformam procedimentos em espetáculo e cumprem “interesses dos sistemas político e midiático”.
Citando a filósofa Márcia Tiburi, Wiecko disse que a espetacularização do processo fabrica uma luta entre o bem e o mal: “para punir os bandidos que violam a lei, os mocinhos também violam a lei”. Para agradar a audiência, continua, desconsideram-se consequências sociais e econômicas e são vazadas informações sigilosas aos poucos, de acordo com interesses.
Ela também criticou conduções coercitivas, por entender que a prática “não está alcançada nas regras legais”, e disse que a seletividade do processo penal — comum no sistema brasileiro — tem sido ampliada para escolher o tempo em que cada investigado será alvo de operações.
Segundo a palestrante, o processo penal de exceção originou-se no Brasil a partir dos anos 1990, com especialistas que queriam estender a Justiça penal para classes mais privilegiadas: nas bases ideológicas desse entendimento, destacou o juiz federal Sergio Moro e o criminalista gaúcho Luciano Feldens. O problema, na visão dela, é que a aplicação do princípio “simplifica as coisas” ao avaliar que a impunidade é sempre causa da corrupção.
“O Ministério Público, se quer atuar na história da teoria econômica do Direito, tem que atuar de forma regrada, não pode ter pena negociada caso a caso. No que se refere ao acordo de leniência, a participação do Ministério Público faz com que a instituição entre na regulação da economia. A gente quer isso? Isso está na Constituição? Isso precisa ser claramente discutido. Tudo o que aconteceu até agora mostra que temos de enfrentar o problema de estabelecer democracia no país.”
Ela Wiecko declarou ainda que a operação italiana mãos limpas, que inspirou a “lava jato”, acabou posteriormente tendo procedimentos de exceção aplicados aos mais pobres, como suspeitos de tráfico de drogas.
Código flexível
O professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, da Universidade Federal do Paraná e convidado para o mesmo painel, afirmou que o discurso da eficiência penal tem ultrapassado a preocupação com o respeito ao processo de Justiça.
Ele afirmou que, como diz o juiz Alexandre Morais da Rosa, cada vara do país adota hoje um Código Penal próprio. Embora considere comum a existência de juízes contra legem, Miranda Coutinho disse que tribunais superiores passaram a fazer “vista grossa” para condutas irregulares.
“Agora não tem mais controle”, reclamou. “Trânsito em julgado não é nem mais trânsito em julgado.” Segundo o professor, a busca por mais punição desde os anos 1990 gerou apenas mais medo da violência, sem resultados positivos.