O papel do pai na nossa sociedade: não basta ajudar, tem que compartilhar

Por Anacélie Azevedo*

Sou a Anacélie, feminista, petroleira e dirigente sindical. Aceitei há uns 15 dias o grande desafio de ajudar com o O Cafezinho, agradeço aos companheiros Tadeu Porto e Wellington Calasans pela grande oportunidade de ampliar meus espaços de manifestação, espero ser compreendida pelos leitoras e leitores e que minhas reflexões ajudem no avanço de nossa sociedade por mundo mais justo e igualitário.

São muitos temas que quero dialogar, mas sem dúvida o primeiro seria sobre o feminismo, afinal antes de qualquer coisa, sou uma mulher e sofro com a problemática de nossa sociedade patriarcal desde meu nascimento. Espero que gostem! 

Quase sempre que reflito sobre algo, procuro buscar imagens para abrir as caixinhas do meu cérebro. Desde o dia dos pais, segundo domingo deste ano, tenho refletido sobre os avanços que nossa sociedade já conquistou e o que ainda é preciso avançar no sentido de uma paternidade completa.

Nesta breve pesquisa ilustrativa de pais e mães na internet, me deparei com imagens satirizando o papel dos pais, quase sempre fazendo brincadeira que indicam que eles não sabem cuidar dos filhos; enquanto que nas pesquisas sobre as mães, muitas vezes mostravam mulheres atarefadas demais, fazendo muitas coisas ao mesmo tempo. Eu escolhi para minha reflexão a imagem de um pai muito amoroso com seu filho, pois ela que me inspira e deveria inspirar a humanidade.

Refletir sobre ser mãe não é nada difícil para qualquer mulher, até para uma que nunca teve filhos, como eu, mas que tem pensando com frequência sobre o assunto. Não é nada complicado, pois fomos socialmente “naturalizadas” para essa função. Nossas brincadeiras de infância sempre foram cuidar de bonecas, fazer comidinha, limpar a casa, sempre dentro de casa; enquanto eles brincavam do lado de fora, com bola, bicicleta, carrinhos, grandes aventuras, etc. Ainda bem que isso tudo tem mudado. Nas novas gerações as brincadeiras estão se equacionando, fazendo com que as meninas ganhem mais empoderamento com brincadeiras mais soltas e os meninos naturalizem os cuidados com a casa e filhos.

Esse será, acredito, um dos maiores impactos que influenciarão na igualdade de gênero, visto que um dos fatores que mais prejudicam o desenvolvimento das mulheres na vida social é ausência de compartilhamento das responsabilidades domésticas.

Os dados revelam a desigualdade

As pesquisas recentes demonstram que ainda precisamos avançar muito no compartilhamento das atividades domésticas e cuidados com os filhos. Segundo pesquisa de 2016 realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), 8 em cada 10 homens não dividem tarefas domésticas com parceiras, 36% das mulheres dizem dividir com marido as tarefas de casa igualmente e 57,7% se dizem as principais responsáveis por cuidados com casa e filhos. A pesquisa também mostrou que 71,1% das mulheres dizem que são elas que cuidam dos filhos pequenos na maior parte do dia.

Outra pesquisa de 2015 realizada pela Unicamp mostrou que 90% das mulheres fazem tarefas domésticas; entre homens, índice chega a 40%. Também apontou que mulheres chegam a dedicar 25 horas semanais aos afazeres do lar, enquanto os homens gastam apenas 9 horas. Porém, apenas 52,9% daqueles que estão empregados afirmam que cuidam da casa. Essa proporção entre as mulheres é de 90,9%. Em 2004, esse percentual era de 46,2%, entre eles, e de 91,3%, entre elas.

Neste contexto entra a tal “jornada dupla”, homens e mulheres estão igualando suas jornadas de trabalho remunerado. IBGE, em 2004, demonstrou que eles tinham uma jornada 23,9% maior que elas. Proporção que caiu para 16,9%, em 2015, quando a jornada masculina somou quase 40 horas e a feminina ficou perto de 35 horas, em média.

Cada vez mais, jovens buscam alterar essa condição

Na realidade, não são precisos dados para fazer essa reflexão, basta olhar como se dão as relações de casais heterossexuais em nossa geração. Salvo as raras exceções os homens em idade média entre 30 e 40 anos se esforçam para realizar esse compartilhamento. Porém, ainda recai sobre as mulheres a maior parte da responsabilidade. Os homens se colocam como ajudantes e ainda são supervalorizados quando ajudam. Alguns auxiliam na cozinha, nas compras e até no cuidado com os filhos. Todavia, normalmente quem está adiante nas tarefas e atentas a tudo que permeia o cuidado do lar e dos filhos são as mulheres. Suas mentes estão sempre preocupadas com as necessidades de suas crianças. Por outro lado, os homens possuem a cabeça bem mais tranquila neste sentido. Os mais dispostos recebem numa boa as “ordens” enviadas pelas suas companheiras.

Neste sentido, existem disparidades nas responsabilidades de homens e mulheres acerca dos cuidados da casa e da família. Nos lares mais avançados os papéis já são bem definidos conforme as afinidades de cada progenitor diante de tantas demandas para manter os lares em ordem. Essa diferença nas tarefas faz com que mulheres contemporâneas trabalhem e muitas vezes não consigam usufruir de tempo para si; enquanto os homens tendem a conseguir priorizar seus lazeres pessoais.

Como ainda não chegamos no modelo ideal de paternidade, mas que está em belos passos de construção, as mulheres de nossa geração se sentem mais sobrecarregadas – pois acumulam a responsabilidade com a família e a casa, juntamente com o desejo de sucesso no trabalho e na vida íntima –, e têm cada vez mais se questionado sobre o desejo da maternidade. Para agilizar este processo é preciso que atores político-sociais coletivos tomem ações, o Estado deve se responsabilizar pela implementação estruturas capazes de minimizar esses impactos, como creches, educação infanto-juvenil e diversos outros direitos sociais, os sindicatos devem atuar conscientizando as trabalhadoras e trabalhadoras sobre a questão e os movimentos sociais em especial o movimento feminista realizar ações e pressões necessárias para a transformação.

Pode parecer que este é um assunto manjado quando colocado em debate. Alguns homens se sentem até ofendidos em fazê-lo e resistência em estarem abertos à realidade. Entendo a ofensa, pois uma parcela deles se esforça para mudar drasticamente o que foi naturalizado em sua vida, pois cresceram vendo mulheres – irmã, mãe, avó ou as empregadas – a realizar essas tarefas de cuidados com casa e família. Mais que isso, considero um grande avanço de nossa contemporaneidade, um processo de mudança social que nós mulheres e homens entre 30 e 40 anos estamos vivendo drasticamente e trará muitos benefícios as novas gerações, rumo à uma nova organização social e familiar. Uma organização que prime pela humanização e igualdade, que o amor e o cuidado sejam uma construção social dentro de cada um de nós.

 

Anacélie Azevedo é Feminista e Dirigente do Sindipetro PR e SC, da Central Única dos Trabaladores do Paraná (CUT-PR) e da Federação Única dos Petroleiros (FUP) 

Tadeu Porto: Petroleiro e Secretário adjunto de Comunicação da CUT Brasil
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