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O papel da mídia na ditadura sanguinária Pinochet

No blog Ultrajano “Spécial Chili”: a reportagem que vale por um filme 31.08.2017 Por Gabriel Vasconcelos Modestamente intitulada “Spécial Chili”, a reportagem a cores de 20 minutos condensa com maturidade espantosa a índole violenta do regime. A tal ponto que hoje, 44 anos depois, o material se resignificou completamente ? O golpe militar comandado por […]

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No blog Ultrajano

“Spécial Chili”: a reportagem que vale por um filme
31.08.2017

Por Gabriel Vasconcelos

Modestamente intitulada “Spécial Chili”, a reportagem a cores de 20 minutos condensa com maturidade espantosa a índole violenta do regime. A tal ponto que hoje, 44 anos depois, o material se resignificou completamente
?
O golpe militar comandado por Augusto Pinochet no Chile, em 1973, foi dos mais violentos que o Cone Sul conheceu. Encarceramento em massa em estádios de futebol, torturas e execuções. Tudo desde o primeiro dia da junta militar no poder.

Não foi diferente com a imprensa. Quando não engrossavam as filas da tortura, jornalistas e cinegrafistas contrários ao regime eram vigiados de perto ou mesmo procurados. Some-se a isso a agenda positiva dos veículos que participaram da articulação do golpe, como o jornal de maior circulação do país, El Mercurio. Praticamente não havia espaço para denúncias na mídia nacional.

Mas a ingenuidade do regime desandou a blitz midiática. A fim de passar uma imagem positiva, de aparente liberdade, “resgate da ordem e limpeza do marxismo”, a junta permitiu que profissionais estrangeiros circulassem livremente. Muitos é claro, descreveram o que viam: violência institucionalizada.

Um dos que aproveitaram o delay da repressão à mídia internacional foi o jornalista francês Jacques Segui. A 3 de outubro de 1973, exatos 23 dias após o golpe, ele escancarou o estado de violência do país andino em pleno horário nobre da TV pública francesa (ORTF).

Modestamente intitulada Spécial Chili, a reportagem a cores de 20 minutos condensa com maturidade espantosa a índole violenta do regime. A tal ponto que hoje, 44 anos depois, o material se resignificou completamente.

Talvez o registro mais bem preservado daqueles dias, constitui importante peça de memória e pode ser definido como documentário com todo o rigor do gênero. Ainda pouco conhecido, o filme saiu dos arquivos do Instituto Nacional do Audiovisual (INA-FR) para a internet em 2011. Publicada na plataforma Vimeo, tem áudio em francês e legendas em espanhol.

Pensado sob o cânone da objetividade jornalística, o filme transborda de informação. Mas somam-se à sobriedade do relato uma narração e planos esteticamente carregados, sopros do cinema militante francês, parido em toda a sua potência por Chris Marker na década anterior. Está sutilmente carregado de opinião e poesia, ambas escondidas sob a filmagem direta e sua pretensa imparcialidade.

Exemplo perfeito está logo na sequência de abertura. A metáfora visual que põe a massa de pedestres sob a mira do fuzil de um soldado é acompanhada pela voz de Segui. Ele cita a súbita reaparição de táxis nas ruas e de alimento nas vitrines. Na verdade, questiona a crise de desabastecimento dos meses anteriores ao golpe, comprovadamente provocada pelos grandes comerciantes para desestabilizar o governo socialista de Salvador Allende.

Em seguida, uma aristocrata chilena é entrevistada. Penteada, com um elegante vestido azul acompanhando de um colar de pérolas, ela fala em francês perfeito. Um discurso de dar inveja a qualquer reacionário de nossos tempos. “Os militares são heróis sacrificados (…) e esta é a resposta democrática dos militares. É incrível, mas é verdade!”, chega a dizer, reconhecendo o absurdo das próprias palavras.

Neste e noutros trechos, a fim de captar o zeitgeist dos golpistas, Segui omite suas intenções e simplesmente abre o microfone para os entrevistados. É a mesma estratégia que Patrício Guzman conta ter usado junto à burguesia em A Batalha de Chile, o mais importante documento sobre o processo chileno.

Também cai na arapuca o então comandante da Marinha, e integrante da junta, José Toribio Merino. Cheio de confiança na reportagem, o almirante profere um discurso anticomunista com voos pseudointelectuais. “Envenenamento marxista”, “intoxicação política”, etc. De certo, o repórter sabia que, com tantos clichês, Merino passaria por ridículo diante da audiência francesa.

No mais, o filme funciona como um glossário da exceção, registrando sucessivas situações nas ruas. Um misto de pungência e grotesco. Uma cena mostra a multidão cantando a Internacional Comunista no cortejo fúnebre do poeta Pablo Neruda. Em outra, mulheres sofrem nos portões do Estádio Nacional em busca de notícias dos maridos presos.

Numa das sequências mais curiosas, um coronel da reserva, em trajes civis, se aproxima de um grupo de soldados para denunciar certo comunista que morava no prédio em frente. Ele já havia sido preso para a satisfação do aposentado.

Corte de cena: a câmera agora mostra uma fogueira de livros. Nela, soldados jogam livros encontrados em um apartamento. Escritos de Lênin, Che Guevara e Ho Chi Mihn. Jacques Segui pergunta se os praças conhecem o revolucionário vietnamita. A negativa já era esperada. Nesse instante, surge um oficial de olhos azul piscina. Ele pede que os soldados não sejam importunados, primeiro em inglês e depois em francês.

Rápida busca mostra que internautas chilenos já reconheceram o oficial poliglota. Trata-se de Eduardo Aldunate. Promovido a general em 2003, ele participou como subtenente no assalto ao Palácio La Moneda e passou pela polícia política do regime, a DINA, notabilizada pela brutalidade das torturas a que submetia seus presos. Hoje, nas redes sociais, posta fotos fumando cachimbo e subindo montanhas, seu hobby.

O mesmo vale para a senhora reacionária do início, reconhecida como Silvia Ripamonti. Tia de Felipe Bulnes, político de direita e ex-ministro da Educação, ela faleceu em 2013, aos 91 anos. Ninguém lhe cobrou seu papel na história. E é improvável que o façam com o General Aldunate. Mas ambos estarão para sempre marcados como golpistas. Por Segui, por seu filme, na memória do Chile.

Assista “Spécial Chili” abaixo:

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Jacques Rochè

03/09/2017 - 23h03

Jacques Rochè

03/09/2017 - 23h01

Quem gosta de ditadores são vocês , vagabundos!!!

Eloiza

03/09/2017 - 10h13

O documentário merece e deve ser divulgado.
Ditadura jamais.
Dia 7 de setembro é o dia dos Brasileiros darem a resposta.
LUTO pelo país, (todos de PRETO ou ninguém nas ruas )

Bruno Bras

01/09/2017 - 18h11

COMPARTILHEM “A UNIÃO FAZ A FORÇA”.
“MOVIMENTO 7 DE SETEMBRO EM DEFESA DO BRASIL” (M7).
PRECISAMOS DE UM GOVERNO QUE LUTE CONTRA A POBREZA E NÃO CONTRA OS POBRES.
https://www.facebook.com/groups/lunismo/permalink/830735280430860/


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