(Encontro de lideranças indígenas com o governador do Amapá Jorge Nova da Costa. Foto: Dominique T. Gallois, 1989)
Por Denise Assis
Articulistas e articulados, ativistas e até os que não diferenciam um pé de couve de um pé de alface ficaram estupefatos com a medida de Michel, de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), entre o Pará e o Amapá. Nunca é demais lembrar que ela foi criada em 1984, pelo ditador João Figueiredo, que apesar do seu conhecido estilo rude teve – conforme ficou demonstrado – mais sensibilidade com o torrão, do que Michel, o indevido. Para Michel, que provavelmente jamais se arriscaria a uma descida às matas da região, aquilo lá “não é nenhum paraíso”.
Foi o que mandou que os seus assessores dissessem depois do barulho comprado com os ambientalistas do país e de todo o planeta.
Depende do ponto de vista. Claro que para quem se preocupa em trocar sofás de couro por estofados pretos, tem medo de fantasmas (e da própria sombra), e mais noção das dimensões de uma mala com rodinhas do que do espaço que ocupam as nossas florestas, uma imensidão verde povoada por indígenas não chega mesmo a mover um músculo do seu rosto.
Diga-se de passagem, exercício difícil, depois de tantas intervenções.
Segundo o comunicado oficial, “hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui cursos d’água com mercúrio”, mandou dizer. A tal nota afirma ainda que: “não só não haverá danos às áreas preservadas, como o novo decreto vai “coibir essa exploração ilegal, recolocando sob controle do Estado a administração racional e organizada de jazidas minerais importantes, que demandam pesquisas e exploração com alta tecnologia”.
Aí a notícia carece de reflexão. O governo de Michel sabe que a região é ocupada por garimpos clandestinos e não toma nenhuma providência no sentido de fiscalizar e punir os invasores. Desta feita, em vez de tirar o bode da sala, resolve vender a sala com bode e tudo. Aliás, não é a primeira vez que Michel se põe paralisado diante de um mal feito.
A “natureza” que está sendo destruída, Michel, é a do país que você administra. Não é o quintal do vizinho. Ao mesmo tempo, soa estranha a garantia de que agora, quando passar para mãos certamente estrangeiras e privadas, haverá um “controle” e uma “administração racional e organizada de jazidas minerais importantes”.
Como assim? Qual foi o pedaço que eu perdi? Há, no momento, na Renca, uma malha de mineração ilegal sabida e mapeada, que rola solta como a Casa da Mãe Joana, sem que o governo de Michel faça nada para “coibir” as infrações. Em passando para a iniciativa privada, segundo o documento emitido por sua orientação, os empreendimentos que porventura se instalem na área de conservação estaduais no Amapá e no Pará cumprirão “exigências federais rigorosas para licenciamento específico, que prevê ampla proteção socioambiental”.
Ora, enquanto está sob o seu governo é um verdadeiro bordel a céu aberto, mas sob a égide da exploração sob alta tecnologia privada (e por que ele reduz tanto a verba para a pesquisa científica?) tudo será organizado, limpo, vistoriado e os índios respeitados. Já posso imaginá-los num cercado, como no zoológico, com placas de: “é proibido jogar amendoins”.
Sem a menor cerimônia a nota segue afiançando que “o compromisso do governo é com o soberano desenvolvimento sustentável da Amazônia, sempre conjugando preservação ambiental com geração de renda e emprego para as populações locais”.
Michel não tem a menor noção do que está falando. Não teve, como eu, a oportunidade de ver aquela tribo de Wayampis, sob a neblina da mata, ao amanhecer, com, seus colares de contas azuis e vermelhas, cruzados nos peitos miúdos e estufados de orgulho, cantando o hino nacional, para recepcionar os jornalistas. A mata, naquele momento, era uma catedral, que fazia ecoar as vozes infantis dos indiozinhos, enquanto eu continha a custo a emoção de ver aqueles curumins num lugar que quase cai do nosso mapa, de tão distante, homenagenado a pátria. É certo que essas crianças não verão país nenhum, mas é certo também que você não terá nunca a oportunidade de viver esta cena, Michel. E, depois, que importância tem isto, não é mesmo?