Post do leitor: Massa falida

O Cafezinho passa a publicar, sempre que possível, textos de leitores do blog enviados à nossa redação. Segue o artigo enviado hoje pelo internauta Felipe Maruf.

MASSA FALIDA

Por Felipe Maruf

A devastação promovida pelo governo golpista compromete os pilares do desenvolvimento nacional, de maneira irreparável a médio prazo. Vejamos:

a) o Estado, agente coordenador máximo da Nação, é dilapidado de maneira vergonhosa e insana através da entrega e do desmonte criminoso de empresas estratégicas como a Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, BNDES, Correios e INSS, que carregam em si décadas de trabalho e conhecimento nacionais acumulados. Além disso, operam em setores estratégicos para um país, garantindo a soberania nacional em pontos-chave e viabilizando toda uma malha produtiva e comercial que, caso o Estado não tomasse a iniciativa em ofertar serviços do tipo, provavelmente não existiria. A escalada da dívida pública, o sucateamento das Forças Armadas e das universidades federais e estaduais completam o quadro de saqueamento do Estado e impedem a sua recuperação no curto e médio prazo. Compromete-se não só o Estado, mas a segurança material de vários cidadãos, principalmente pobres e de classe média, a segurança nacional, pois tona o Brasil refém de grupos estrangeiros para o fornecimento de serviços básicos como crédito e energia, e a disponibilidade de investimentos e mão de obra qualificada para operar uma economia nacional em um século de profundas transformações produtivas. Todo esse desastre conta com amplo apoio da grande mídia e de think tanks liberais, que são nada mais do que correias de transmissão do grande capital global e apátrida no Brasil;

b) as empresas privadas nacionais nos setores dos mais sofisticados que tínhamos, como o naval, de construção civil e de alimentos processados, foram dizimadas pela Lava Jato e pela Carne Fraca. Além do mais, as restantes encontram-se altamente endividadas e com a demanda restringida pelo desmonte do Estado, pela valorização cambial e pela queda da massa salarial. A redução dos custos trabalhistas em nada ajuda, pois os custos foram eliminados para todos, e seus efeitos são anulados pela apreciação da moeda e pela queda do investimento público e do poder de compra da população, que impedem o nível de demanda necessário para a utilização da capacidade ociosa existente. Como esses empresários dispõem de ampla rede de influência política, pelo menos conseguem que o governo perdoe parcelas da dívida das empresas. O que significa um bem privado, nesse caso, não gera um bem público, porque desse modo apenas compromete-se as receitas da União. Sem uma política econômica coordenada para favorecer a retomada de investimentos produtivos, as empresas continuam incapazes de gerar empregos e produzir renda de modo a aumentar a prosperidade nacional.

c) os trabalhadores sofrem o mais duro ataque, com seus empregos, salários e direitos sendo dizimados. Em nome da “flexibilidade”, o trabalhador é considerado não um ser humano com necessidades e aspirações humanas, mas uma empresa operando em regime de concorrência perfeita, que aliás jamais existiu para o grande capital. A consequência óbvia é o aumento da exploração do trabalho, da informalidade e de modalidades precárias e instáveis de trabalho de baixíssima ou nula complexidade, como os famosos “bicos”, mas agora com o elegante apelido de “empreendedorismo”. Isso gera custos adicionais para a seguridade social, uma vez que nenhum ser humano é uma empresa e há limites biológicos para a exploração. Ao mesmo tempo, diminui a arrecadação necessária para sua sustentação da proteção social, que nenhuma empresa privada, por motivos óbvios, gostaria de assumir os custos sem um amparo ainda mais custoso do Estado. Tudo isso que implica em maior degradação do tecido social, na piora da qualidade de vida para todos e em um país cada vez menos capaz de realizar suas potencialidades culturais, o que demanda certa proteção em relação ao mundo material da concorrência capitalista;

d) a auto-estima nacional, necessária para um povo se reconhecer em seu país e ser motivado a melhorá-lo, é destruída. Sem isso, é impossível a criação de valores nacionais, capazes de expressar as aspirações coletivas e orientar um processo de ampliação dos horizontes e perspectivas da nação. Em consequência, ocorre a importação acrítica de valores estrangeiros, orgânicos em sua terra natal e aqui distorcidos pela incompatibilidade com o meio cultural historicamente formado. A descrença em relação ao futuro torna-se generalizada, alimentando o niilismo e a resignação em relação à política, o que por sua vez é usado por oportunistas, ditos “não-políticos”, para elegerem-se e continuarem tocando o plano de desmonte nacional. Sair do país torna-se um “must”, e proliferam os pedidos de dupla cidadania no exterior assim como a propaganda em torno das maravilhas do estrangeiro, sempre comparadas a uma visão negativa do Brasil e do seu povo. O que é natural, afinal ninguém se sente à vontade em sua casa quando essa é arrebentada por criminosos.

Os apologistas do entreguismo e do privatismo afirmam que o “moderno” é o país depender de investimentos estrangeiros, estar aberto ao global e à captação de recursos em qualquer parte do mundo. Nada mais falso. O que constitui a modernidade, ao menos nos países centrais e bem sucedidos na competição capitalista internacional, é, ao contrário, a capacidade de o Estado regular e orientar a internalização, nos marcos da Nação, dos centros de acumulação, para que as decisões políticas e econômicas em um país se deem de maneira soberana e não dependente. O insuspeito Adam Smith, por exemplo, defendia que a indústria doméstica fosse priorizada em relação à estrangeira, e que a mão visível do Estado era fundamental para prover o arcabouço jurídico, fiscal, militar e de infra-estrutura necessário para a ação econômica dos indivíduos no âmago de uma nação, com o efeito de enriquecer tanto o povo quanto o Estado. O que os apologistas neoliberais defendem é, na verdade, o colonialismo. A pretexto de modernização, querem impor o retrocesso da estrutura produtiva nacional, reduzindo o Brasil a uma colônia, país fraco, dependente e voltado para atender aos interesses de acumulação estrangeira. Isso em um contexto de diminuição do intervalo dos ciclos de inovação, em que se acentua a necessidade de fortalecimento do Estado, do capital e do trabalho nacionais para prover o país do desenvolvimento econômico, social e cultural necessário para a afirmação soberana do país no mundo dito globalizado.

No entanto, desde o ano passado, o Brasil distancia-se a passos largos de ser um país soberano. O sonho de Vargas, JK, João Goulart, Lula e Dilma, de fazer a Nação, de construir um país grande, uma potência econômica e civilizatória, é esmagado pela falsa racionalidade neoliberal e neocolonial. Não se trata mais de promover um “desenvolvimento dependente”, como foi moda em certos círculos acadêmicos dizer de certos governos desenvolvimentistas das décadas de 50, 60 e 70. O que se quer agora é promover apenas a dependência, sem nenhum laivo de desenvolvimento ou de nacional. O projeto não é adequar o Brasil ao século XXI, pois isso implicaria seguir, de maneira própria, o caminho que está sendo traçado por China e Rússia, por exemplo, de fortalecer a soberania nacional para tornar-se paulatinamente menos dependente do Ocidente e da tirania do dólar. O projeto é fazer do Brasil uma imensa massa falida, mero bagaço descartável. Que haja mais de 200 milhões de descartáveis, isso não é problema para os golpistas, muitos deles naturalizados em outros países, que invariavelmente não seguem suas receitas.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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