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Resenha do livro sobre sentença de Lula

No Jornal GGN Resenha do livro Comentários a uma sentença anunciada por Fábio de Oliveira Ribeiro Ao responder um comentário no texto que escrevi sobre o evento na PUC, reservei-me no direito de falar sobre o livro “Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula”, Bauru, 2017, vários editores, depois de ter lido a obra. […]

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No Jornal GGN

Resenha do livro Comentários a uma sentença anunciada

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao responder um comentário no texto que escrevi sobre o evento na PUC, reservei-me no direito de falar sobre o livro “Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula”, Bauru, 2017, vários editores, depois de ter lido a obra. Fiz hoje uma leitura parcial do livro.
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Selecionei alguns autores aos quais dediquei minha atenção. Como tenho escrito sobre a Lava Jato e sobre Sérgio Moro, farei, quando necessário, referências aos meus próprios textos.

O texto de Cecília Caballero Lois (fls. 97/100) é primoroso, mas contém uma omissão significativa. Ao analisar as falácias do juiz da Lava Jato ela deixou de apontar uma que me parece fundamental: o fato do Juiz não ter levado até as ultimas consequencias a autoridade em que foi investido.

Quando da condução coercitiva de Lula, um oficial militar desafiou a autoridade de Sérgio Moro impedindo que Lula fosse transportado de São Paulo para Curitiba. Este fato foi amplamente divulgado na internet: Aeronáutica impediu Moro de levar Lula a Curitiba; O plano de prender Lula poderia ter acabado em tragédia; O mistério de 4 de março: tropa da Aeronáutica impediu que Lula fosse levado para Curitiba. Coronel assumiu o controle do aeroporto de Congonhas e não deixou avião da PF decolar.

Ao proferir a sentença, Sérgio Moro justificou a condução coercitiva. Segundo ele nenhum abuso ou ilegalidade teria sido cometido. Todavia, se adotarmos o raciocínio jurídico do juiz pelo menos uma ilegalidade ocorreu: a do militar que impediu o cumprimento da decisão judicial.

Fiz uma leitura muito superficial da longa sentença condenatória de Lula. O texto não faz referência à ilegalidade cometida pelo militar, tampouco determina a adoção de providências contra o mesmo.

Todo juiz tem o dever funcional de aplicar e fazer aplicar a Lei. Ele não pode fazer aplicar a Lei de maneira seletiva, pois o texto constitucional é claro: todos são iguais perante a Lei. A jurisdição só encontra limites na própria Lei, portanto, a ordem válida expedida pelo juiz competente não pode ser desafiada ou descumprida por ninguém.

Em razão de sua omissão, Sérgio Moro admitiu que sua autoridade não pode ser exercida a todos os cidadãos ou, pior, que ele mesmo aplica a Lei de maneira seletiva. A conclusão lógica é inevitável: condenado por Moro Lula pode dizer que foi discriminado aos olhos da Lei, pois o próprio juiz resolveu não aplicar o rigor da Lei contra o militar que desafiou ou descumpriu sua ordem.

Claudia Maria Barbosa também escreveu um texto bem fundamentado (fls. 110/116. Além disto, ela se expressa de maneira concisa e elegante:

“A persuasão é inimiga da lógica, mas a lógica é amiga do Direito. Uma decisão ilógica, sobretudo em matéria penal, é insubsistente e incorreta.” (fls. 111)

A frase é perfeita, mas ela não se aplica à Lava Jato, operação que desde o início opera entre o campo jurídico e o campo jornalístico. Se a Lava Jato operasse apenas no campo jurídico, o texto de Claudia Maria Barbosa certamente não poderia ser objeto de contestação.

Desde que iniciou sua cruzada Sérgio Moro atua como juiz e como jornalista do processo. Portanto, ao decidir o processo de Lula ele deveria necessariamente atender tanto aos requisitos jornalísticos quanto os princípios jurídicos.

É fato: a imprensa brasileira é ilógica. Contrariando toda imprensa européia, russa e parte da imprensa norte-americana, ela chama o golpe de 2016 de Impedimento. Este divórcio entre as representações do golpe de estado já foram objeto de reflexão. O caráter ilógico da imprensa fica ainda mais evidente quando vemos os jornalistas elogiarem as virtudes Michel Temer, usurpador que produziu uma depressão econômica, e criticar Lula e Dilma (dois governantes que conseguiram reerguer a economia brasileira). Os jornalões se dizem democráticos, mas não escondem que querem afastar Lula da disputa de 2018.

Ao condenar Lula, Sérgio Moro foi ilógico (como afirma Claudia Maria Barbosa), mas ele atendeu ao cânone da imprensa. Como a Lava Jato também opera no campo jornalístico, não podemos deixar de admitir que a sentença se ajustou perfeitamente à ilogicidade da imprensa. A autora do texto, porém, não foi capaz de notar que a virtude jornalística da condenação de Lula reforça a natureza viciosa da sentença proferida por Sérgio Moro.

Gosto muito da maneira como Eugênio Aragão escreve, sempre procurando um equilíbrio entre a erudição e o humor. No texto de autoria dele (fls. 148/150) faltou um parágrafo, aquele que eu mesmo gostaria de ter escrito. Aproveito a oportunidade para completar o mestre sem o temor de ser censurado.

“O Ministro Marco Aurélio disse certa feita que Sérgio Moro age como um justiceiro. Verdade. Como todos os justiceiros (quando digo isto penso especialmente no Cabo Bruno). A Lei que os justiceiros aplicam não é aquela que está em vigor e sim o simulacro da Lei que emana de suas augustas pessoas. Somente o justiceiro pode decidir quem vai morrer ou viver, ficar em liberdade ou ser preso, ter ou não garantias prescritas em Lei. Como um bom justiceiro Sérgio Moro não deixou a desejar. Ele cumpriu fielmente seu papel ao condenar Lula e por isso mesmo a sentença dele é nula.”

Eu sei, eu sei. Aragão conseguiria dizer a mesma coisa de uma maneira bem mais requintada e bem humorada.

James Walker Jr escreveu um texto equilibrado e bem fundamentado. Todavia, o objeto de estudo (a ilegal criminalização do direito de defesa e da prerrogativa do advogado) se caracteriza desde logo como uma coisa monstruosa. Um Juiz que advoga contra o que expressamente diz a Constituição e o Estatuto do Advogado comete uma teratologia inenarrável, imperdoável e não merece ser confrontado com o rigor da doutrina, tampouco tem direito à uma linguagem cometida e mediada pela urbanidade.

Na palestra que proferiu na PUC quando do lançamento do livro aqui resenhado, o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello pediu que aos advogados e juristas que sejam mais enérgicos e contundentes ao confrontar os abusos cometidos pelo Estado de Exceção e pela Lava Jato. Não podemos deixar de atender seu pedido, especialmente quando o que está em questão é o direito de defesa e a prerrogativa do advogado.

Os ataques de Moro ao advogado de Lula e ao direito de defesa poderiam ser repelidos mais ou menos assim:

“Qual foi maluco? Ce ta pensando que não vai precisar de advogado no futuro? Justo você que cometeu o crime de vazar ilegalmente gravações da presidenta da república? Se liga, mano… se defecar no direito de defesa hoje, você poderá ser soterrado por uma tonelada de merda amanhã.”

Francisco Celso Calmon escreveu um bom texto (fls. 173/176). Mas ele cometeu um erro terrível: citou Herbert Marcuse. Quando se trata de Sérgio Moro é preciso ser menos sofisticado e mais didático, afinal o juiz da Lava Jato lê “o réu deve provar sua inocência” onde o texto da constituição diz expressamente que o cidadão “será presumivelmente inocente até prova em contrário”. Isto para não falar no Dellagnol, procurador que acredita que sua convicção da culpa é a rainha de todas as provas.

Menos sofisticação, Calmon. Quando juízes e promotores confundem a nuvem com Juno, ou melhor, quando elas tratam a “marca da pegada” (a prova) como uma “pegada de mercado” (a imposição de uma condenação desejada pelos banqueiros) a autoridade do discurso cede espaço ao discurso de autoridade. Sérgio Moro e Dellagnol se colocam num pedestal: eles dizem o Direito independentemente do que diz a Lei, a doutrina e a jurisprudência Portanto, não há argumento racional que possa ser utilizado contra eles.

Há bem pouco tempo um promotor paulista confundiu Hegel com Engels. Não creio que os meninos lavajateiros sejam leitores ou admiradores de Marcuse. Além disso, Dellagnol pode acabar denunciando Marcuse como terrorista e Sérgio Moro condenando-o por ter ajudado Lula a ocultar a propriedade do Triplex.

Gisele Cittadino diz que “A sentença condenatória é algo terrível se recai sobre um inocente.” (fls. 190). Ela disse tudo, mas há algo mais que poderia ser dito.

A sentença injusta é algo terrível, uma mácula que recai sobre a história de quem a proferiu. Joana D’Arc foi absolvida pela História. Sérgio Moro conseguirá entrar nela como um duplo de Cauchon.

João Victor Esteves Meirelles escreveu um texto primoroso (fls. 215/223). Desgraçadamente, ele incorreu no mesmo erro que Cláudia Maria Barbosa.

Meirelles analisou a sentença de uma perspectiva extremamente técnica, mas se esqueceu que Sérgio Moro não estava obrigado apenas a atender a técnica jurídica. Do ponto de vista jornalístico (que é o que importa para os lavajateiros dentro e fora do Estado e dos aquários dos jornalões) a condenação de Lula atendeu o principal requisito da técnica jornalística: ela deu mais valor às matérias dos jornais que acusaram Lula do que ao documento público que outorga a propriedade do Triplex a um terceiro.

Como no caso do Mensalão do PT, no caso de Lula o Judiciário também fez o que deveria ter feito: se limitou a homologar a condenação do réu que já vinha sendo reiterada diariamente pelos jornais, revistas e telejornais. Sobre a privatização da justiça vide este post.

Leonardo Isaac Yarochewaky escreveu algo que merece ser lido com atenção:

“Verifica-se, nesse diapasão, que o ex-presidente Lula vem sendo tratado pelo juiz Federal Sérgio Moro como inimigo, e como inimigo é negado a Lula a condição de pessoa.” (fls. 313)

Grifei a expressão é negado a Lula a condição de pessoa por que ela me parece não fazer jus a Lula. O ex-presidente não é apenas uma pessoa. Ele é muito mais que isto. Lula é um mito (como gosta de dizer FHC), ou melhor, ele representa a corporificação de um mito extremamente perigoso aos olhos da elite brasileira: o de que o povo pode livremente escolher seu presidente e, pior, que um presidente escolhido pelo povo pode ser mais eficiente do que qualquer pessoa ungida para o cargo pelos herdeiros das capitanias hereditárias.

Ao ler a sentença fiquei com a impressão de que Sérgio Moro não julgou a pessoa Lula. O que ele julgou foi o mito que Lula corporifica. Se pudesse julgar o processo divorciando o homem do mito, o juiz da Lava Jato provavelmente teria escrito 4 ou 5 páginas para declarar que o documento público tem mais valor do que acusações jornalística e que ele prova que o réu não é proprietário do Triplex.

Desgraçadamente para Lula e para Sérgio Moro também (pois ele arriscou sua reputação pessoal e será eternamente comparado a Pierre Cauchon) não é possível separar o homem inocente do mito culpado aos olhos da elite a que o juiz pertence. Isto talvez explique porque Moro se viu obrigado a escrever 218 páginas contra o mito para condenar injustamente o homem sem atribuir o devido valor à prova documental (refiro-me aqui à certidão do registro de imóveis).

Roberto Tardelli afirma que “Inadequada é a conduta de quem deveria preservar a privacidade das partes envolvidas no processo.” (fls. 456). Ele negou, portanto, uma característica essencial da Lava Jato, que é existir e operar efeitos entre dois campos: o campo jurídico e o campo jornalístico.

É verdade que o processo exige privacidade, mas a imprensa só existe através da publicidade. Durante o processo e até a prolação da sentença condenatória, Sérgio Moro atendeu fielmente os interesses do campo jornalístico. Ele agiu como um jornalista e em razão disso ele não tinha isenção para julgar Lula. Tardelli não percebeu isto. Ele preferiu tratar o jornalista federal da Lava Jato como se ele fosse apenas um juiz de primeira instância, coisa que Sérgio Moro provou sobejamente que não é ao criminosamente vazar gravações de conversas da presidenta da república para ajudar a derrubá-la.

Já disse isto em outra oportunidade, e vou dizer novamente. Não me agrada o uso do termo Lawfare. Por isto nem mesmo me dei ao trabalho de ler o texto de fls. 343/347. Toda vez que a linguagem se distancia da expressão popular, a injustiça se infiltra na sociedade porque ela vai sendo dividida entre os iniciados (detentores do saber) e o populacho (submetidos pela ignorância).

O Direito se expressa através da linguagem e a justiça só pode ser feita quando todos compartilham o mesmo código. Não por acaso a palavra código tem vários significados, dentre eles:

“1- conjunto ordenado de disposições, normas, preceitos, que regulam uma matéria jurídica;”

“4- sistema de sinais convencionais destinados a representar e a transmitir uma informação;”

“7 – LINGUÍSTICA sistema de relações estruturadas entre signos ou conjuntos de signos.”

(Dicionário da Língua Portuguesa, 2009, Porto Editora, p. 372/373)

Lawfare não pertence ao nosso código (legal e lingüístico). O fenômeno representado pela palavra inglesa tampouco é desconhecido no Brasil, país que há bem pouco tempo viveu sob uma Ditadura Militar que garantia formalmente a integridade física e moral do detento enquanto submetida prisioneiros ao tormento da Pimentinha, do Submarino, da Cadeira do Dragão e do Pau-de-arara. O uso do direito como instrumento político de inclusão ou de exclusão não é novidade entre nós. Portanto, não precisamos importar conceitos e vocábulos estrangeiros que apenas e tão somente afastarão os juristas das pessoas e estas de sua própria História.

Wadih Damous acusou Moro de ter assassinado o Direito (fls. 520/521). É verdade que ele apunhalou a legislação ao condenar Lula, mas ele não pode ser considerado culpado pela morte do Direito. No Brasil o Direito começou a morrer diante das câmeras de TV exatamente quando Luiz Fux condenou José Dirceu porque o réu não provou sua inocência. Como discípulo, Moro não pode ser acusado do crime cometido por seu mestre.

Agradou-me muito o texto de fls. 533/537. Yuri Carajelescov saiu do campo jurídico, onde diversos juristas continuam a jogar muito embora o jogo tenha mudado e seja jogado por regras diversas daquelas que foram consagradas na CF/88. Se queremos entender melhor o fenômeno da Lava Jato, inclusive e principalmente para poder criticar a atuação dos lavajateiros dentro e fora dos Tribunais, será preciso conhecer melhor o campo jornalístico que não só fomenta decisões, como as legitima cobrindo de aplausos os juízes-jornalistas.

Peço desculpas aos autores que não foram citados. O livro é longo e eu o comprei no dia 14/08/2017. Para ler e resenhar os textos dos autores que foram aqui mencionados fui obrigado a encontrar tempo entre os prazos. Os prazos, sempre inimigos mortais dos advogados.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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