Por Denise Assis
Onde estavam os nossos comentaristas econômicos no ano de 2014? A pergunta é pertinente, desculpem. Eles parecem falar de outro planeta. Ao analisar a meta do déficit público estabelecida pelo atual governo, na casa de R$ 159 bilhões, praticamente todos fizeram questão de culpar a política da ex-presidente Dilma Rousseff, pela desandada geral da economia. Fica fácil e raso este discurso, depois do tanto que a história já andou. Até mesmo um ou outro analista, tanto político quanto econômico do campo progressista, se referem aos “desacertos” praticados por aquele governo. Não. Ela não acertou tudo, mas esse erro desmedido que lhe imputam, tem enredo.
Esquecem-se, os comentaristas, no entanto, que olhar para este quadro é o mesmo que olhar para a obra de Pedro Américo: “A Batalha do Avahy”. Pela sua complexidade e dimensão (600 X 1100 cm), primeiro se vê o óbvio. O retrato de uma batalha. Depois, afastando alguns passos, vai-se destacando os rostos e situações, que num primeiro momento não foi possível distinguir. Porque não é simples. Porque é grande, porque tem muitos detalhes e nuances.
E esquecem-se também de reavaliar o que eles mesmos escreveram e falaram à exaustão durante o desencadear do golpe: “basta tirar a Dilma que a economia melhora”. E, claro, não foi bem assim. Por razões que esses senhores fazem questão de não mencionar. Desde a queda forçada e vertiginosa do barril de petróleo, imposta pelos americanos, tão logo se descobriu por aqui o pré-sal, até a queda geral das commodities, uma delas, o minério de ferro, tão fundamental nas nossas exportações. Não bastasse o quadro econômico mundial desfavorável, houve a tal “molecagem” do derrotado Aécio Neves, que, desde o primeiro minuto da vitória de Dilma, jurou de pés juntos que infernizaria a sua vida e não a deixaria governar.
Promessa feita, promessa cumprida. Hoje, depois de muitas horas de gravações vindas a público, se sabe que ele e o grupo de Michel, encabeçado pelo seu fiel aliado Eduardo Cunha, propiciou todo um quadro de instabilidade. Quem não se lembra das pautas bombas? Isto foi criando em torno dela e de seu governo uma desconfiança que, esparramada para o mercado e para o meio empresarial, fez com que retivessem os investimentos, reduzissem os quadros de funcionários, gerando uma onda de desemprego que o país não via há 13 anos. Como diria Brizola, estava formado o “caldo de cultura” o estrangulamento propício a que se jogasse muita lama na “Geni”. É assim nos golpes “brandos”, sem o uso da força. Leva-se o inimigo à asfixia econômica e depois apontam o dedo para a sua “incapacidade de governar”.
E agora, Michel? Escudado na forma “macunaímica” do “quase parlamentarismo”, quando a culpa é dividida com o Congresso, cuja grande parte dos deputados está no poder recebendo mesada para sustentar o insustentável, Michel vira as costas para a sociedade, dá de ombros e gesticula animado, durante discursos que nos humilham. Dizer-se muito “ousado”, como disse ao longo da semana, em cerimônia no palácio, é escárnio de quem já garantiu o passaporte para o futuro, levando não se sabe bem quantas malas, na sua viagem rumo à vida tranquila pós poder.
Não Michel. O nome disso não é ousadia. Podemos trocar o adjetivo para “abusado”, no pior sentido da palavra, ou “cínico”, se você assim o preferir. Fica fácil chamar para a briga quando se tem a proteção do cofre, a autoridade da caneta e a proteção de uma gangue para garantir as suas pretensas ousadias. Ousado mesmo foi o Aécio, que ouviu a confissão de um traficante e – tal como você, quando alguém lhe disse que comprava silêncios -, calou-se cúmplice, e ainda retornou ao senado, de onde olha para as câmeras e zomba de nós, mandando recado pelos seus advogados, carregado de ironia: “Ai que medo!”, disse ele, quanto ao risco de ir parar na prisão. (Posso imaginar, rindo). “Ai que medo!” dizemos nós, sem saber o que será do amanhã.