[Momento histórico da Lava Jato: Deltan Dallagnol, famoso por especular com imóveis do Minha Casa Minha Vida, e por seu talento na elaboração de Power Points, institui uma novidade no Ministério Público: o chilique como arma política. “Se os deputados criarem leis que coíbam nossos abusos, a gente faz biquinho e renuncia”, diz ele.
Se houvesse um controle externo do MP, seria o caso de responder imediatamente a esse tipo de manifestação da seguinte maneira: “Renunciem, crianças. Mas a renúncia será do emprego também. Perderão os salários e as mordomias. Adeus.]
A coluna da Monica Bergamo publica hoje, na Folha, uma nota sobre uma decisão da Procuradoria Geral da República (PGR), que mostra o grau de partidarismo baixo que tomou conta de todo o ministério público, inclusive de suas instâncias mais altas.
É um mau cheiro cada vez mais insuportável.
Procuradores desistiram da “delação premiada” da Andrade Gutierrez, diz a nota, porque os executivos da empreiteira não tinham nada contra Lula. E porque, pelo jeito, também não se dispuseram a mentir ou a fazer o jogo sujo dos procuradores.
Eles tinham informações sobre Aécio Neves, porque a empresa é ligada ao tucano há muitos anos, mas isso não interessou aos procuradores.
O instituto da delação premiada virou uma palhaçada sem limites. Deveria ser sumariamente extinto, pelas seguintes razões:
1) No início, as delações começaram a vazar assim que feitas, antes mesma de serem homologadas. Isso virou praxe e durou anos. Era uma maneira de criar um fait accumpli e pressionar os ministros do Supremo a homologarem-nas.
2) Em seguida, os vazamentos começaram a se dar antes mesmo dos réus… delatarem. É o vazamento profético. Os jornais divulgam que fulano “vai delatar” e dizer “isso e aquilo”, acusando “tal ou qual”, etc. Na mesma matéria, se informa que o réu ainda estaria “negociando” a delação. Ora, se está negociando, o vazamento serve apenas como método de pressão e intimidação, por parte dos procuradores, para que os réus aceitem delatar exatamente aquilo que foi vazado para o jornal.
3) Os procuradores não escondem mais que aceitam somente as delações que lhe interessam. Carlos Lima, um dos chefes da Lava Jato em Curitiba, comparou a delação a um “mercado”, seguindo leis de oferta e demanda: ele pagava mais por delações de que mais precisava, naquele momento. Ou seja, o poder político que a delação confere a um procurador é imenso – e absurdo. Se ele precisa de uma delação para prejudicar um político, naquele exato momento, então ele estaria disposto a pagar qualquer preço.
4) Com Leo Pinheiro, o delator usado por Sergio Moro como o principal testemunho contra Lula, inagurou-se a “delação coringa”, em que você pega um pobre-coitado qualquer, condenado e recondenado, sem direito a habeas corpus, e diz que ele pode se prestar ao papel de delator sem obrigação de falar a verdade, e mesmo assim receberá todas as regalias de um delator tradicional. É bizarro. Não importa se o sujeito antes disse uma coisa e agora diz outra (como foi o caso de Leo Pinheiro). Não importa se o sujeito não apresenta provas (como é também o caso de Leo Pinheiro). O que importa é o efeito político e midiático da delação, e como ela pode ser usada na própria sentença, como base principal da culpa de um réu (como é o caso da sentença de Sergio Moro contra Lula).
A Lava Jato está conseguindo a proeza de destruir o próprio Ministério Público, incluindo aí a Procuradoria Geral da República (PGR).
As pessoas se perguntam porque Temer não caiu, após as acusações do PGR contra ele?
Ora, é simples! Porque o Ministério Público não tem mais moral nenhuma. Direita e esquerda sabem que ele é usado com fins políticos. Em geral, os lados políticos só protestam quando os arbítrios do MP se voltam contra eles. Mas quando ambos protestam e, pior, quando parcelas cada vez mais importantes da comunidade jurídica se erguem contra o MP, é porque alguma coisa de muito errado está acontecendo.
Na minha opinião, a Lava Jato já destruiu o Ministério Público, que se tornou uma instituição profundamente antidemocrática, desnecessária, antipolítica e perigosamente antinacional.
Os americanos estão se aliando ao Ministério Público Federal e ao Judiciário para destruir empresas, projetos e estratégias brasileiros
O MP do Brasil deveria, na minha opinião, ser extinto.
Em seu lugar, deveria ser criada uma instituição leve, democrática, controlada por uma legislação rígida, que a impedisse de perseguir cidadãos, empresas ou políticos. Ela poderia acusar, determinar e orientar investigações policiais, mas jamais perseguir.
Sua função seria apresentar ao juiz o rol de provas contra o réu, mas sem jamais se envolver politicamente com o processo, como hoje.
A delação premiada também deveria ser extinta. Ela é uma aberração dentro do nosso código penal, e está minando e envenenando todo o sistema de garantias individuais que marcam o espírito das nossas leis.
Os Estados Unidos usam a delação premiada, mas lá não existe Ministério Público. Pelo menos, não um MP como o nosso. Os procuradores dos EUA não tem poder. São nomeados pelo presidente da república ou eleitos pelos cidadãos (com apoio de partidos políticos).
Instituir delação premiada num país que tem um ministério público autônomo foi uma insanidade nascida de uma reação meio desesperada, afobada, para dar respostas às “jornadas de junho”. Ou pior, dar uma resposta ao que a Globo disse que foram as jornadas de junho.
Afinal, em 2013, as manifestações contra a Globo também foram muito fortes, e o governo deveria ter usado a oportunidade para propor leis que democratizassem a mídia. Mas não: preferiu acreditar nos editoriais de Merval Pereira, que dizia que “o foco é a corrupção”. E daí Dilma Rousseff sancionou a lei da delação premiada, que seria usada, assim que posta em vigor, contra ela mesma e seu partido, por um bando de procuradores profundamente partidários e corruptos.
Os procuradores da Lava Jato não gostam tanto de viajar aos EUA?
Ora, os EUA não são um império político e econômico a tôa. Eles tem a democracia mais longeva e estável do planeta. E isso porque não tem procuradores subversivos. Se querem imitar os EUA, portanto, não imitem as coisas ruins, como a “delação premiada”. Imitem as coisas boas: o poder dos procuradores americanos é limitado pela soberania popular (via voto direto) ou pelo soberania política (via indicação dos partidos). Com isso, os governos federal e estaduais de lá não precisam ser preocupar com conspirações vindas dos procuradores. As conspirações vem sempre de instituições relativamente autônomas, como CIA e FBI – especialmente da primeira.
Não é gratuito que todas as histórias de conspirações e golpes, criados pela prolífica dramaturgia política norte-americana, quase sempre nascem da chamada “comunidade de inteligência”, formada por agências como CIA e NSA, cuja “autonomia” permitem que escapem da vigilância atenta da sociedade.
As democracias modernas precisam eliminar esses feudos autoritários. Todas as instituições devem ser controladas diretamente pela soberania popular, e oxigenadas pelo criticismo diário de uma imprensa plural e democrática.