A pesquisa do Ibope Inteligência sobre Confiança Social traz informações importantes para entendermos a conjuntura. É um luxo que a ditadura ainda não tenha se acirrado a ponto de proibir esse tipo de trabalho no país. Então devemos aproveitar. O índice funciona assim: zero corresponde a nenhuma confiança; 100 a uma confiança absoluta.
Observe que o nível de confiança na presidência da república, apesar de ter caído muito em 2015, ano em que o golpe foi preparado, através das jogadas ensaiadas entre Lava Jato e mídia, chegou a 22 (numa escala de zero a cem), depois de ter subido para 44 no ano anterior. Até 2012, o índice de confiança na presidência da república era muito alto, superior à confiança na polícia, no ministério público, no poder judiciário e na… mídia!
Em 2012, a confiança na presidência da república era de 63 pontos, maior que a confiança da mídia, de 62 pontos, no poder judiciário (53 pontos), na polícia (54 pontos) e maior do que a confiança atual no ministério público (54 pontos).
Em 2013, as coisas mudam. A confiança na presidência da república cai para 42 pontos. Todas as instituições perdem prestígio, mas em proporção menor, de maneira que a presidência ficaria em desvantagem em relação à mídia (56 pontos em 2013) e às outras instituições citadas. Em 2014, o processo eleitoral permite uma suave recomposição do prestígio da presidência da república, que sobe 2 pontos.
Entretanto, em 2015, tudo degringola: ali é fabricada a crise que levaria ao golpe e à instabilidade política que promete consumir o país por, no mínimo, uma década. A confiança na presidência da república despenca para 22 pontos. No ano seguinte, a ascensão do novo presidente parece iludir a população por um período: a confiança na presidência sobe para 30 pontos. Aproveitando-se de uma população iludida por uma mídia convertida subitamente em imprensa chapa-branca, Michel Temer tirará as energias para fazer avançar a máquina de desmonte do Estado.
Em 2017, contudo, vem a ressaca. O impeachment não resolveu nenhum problema econômico. Ao contrário, agravou-os. Apesar da mesma mídia que enganou a população nos dois anos anteriores, ainda tente jogar a culpa no “PT”, a mentira não parece colar muito. As pessoas olham para o governo e não vêem mais o PT. Não vêem Lula ou Dilma. Vêem Michel Temer ladeado de caciques do PSDB. Vêem Michel Temer e Meirelles sendo entrevistados pela Globo, sempre mostrando-os sob um viés heroico, positivo. E a confiança na presidência da república então desaba para 14 pontos, ainda menor do que a de Dilma em seu pior momento. Note-se a diferença. Dilma, em seu segundo ano de governo, em 2012 quando a população já tivera tempo de a conhecer melhor, gozava de uma confiança recorde, de 63 pontos. Temer, em seu segundo ano, quando podemos enfim dizer que lhe conhecemos bem, amarga uma confiança de 14 pontos.
Os dados estratificados por renda nos permitem, além disso, fazer algumas observações interessante. Note que, entre as classes D e E, que representam os brasileiros mais pobres, o índice de confiança em Dilma jamais caiu tanto como caiu nas classes superiores, incluindo a classe C. Em 2015, ano em que mídia e judiciário jogam afinados para derrubar o governo, o índice de confiança na presidência entre os mais pobres era de 30% (contra 22% na média nacional, e 20 a 21% nas classes A a C).
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Eu preparei outra tabela interessante. Clique nela para ampliar.
Observe que, entre os mais velhos, a confiança em Dilma nunca caiu tanto como entre os mais jovens. A mídia e as redes sociais patrocinadas da direita criaram expectativas sobre o governo Temer – e satanizaram Dilma – sobretudo entre os mais jovens. Entre os mais jovens, a queda da confiança na presidência da república em 2015, ano em que o golpe foi gestado por ações consertadas entre judiciário e mídia, caiu brutalmente, para 18 pontos entre jovens até 24 anos e 17 pontos entre jovens com 25 a 29 anos. Entre os cidadãos com mais de 50 anos, contudo, a confiança em Dilma em 2015 estava em 28 pontos.
No ano seguinte, 2016, a esperança de que o usurpador poderia fazer alguma coisa boa pelo país fez a confiança na presidência subir para 30 pontos na média. Até os mais velhos acreditaram, sua confiança na presidência da república subiu para 36 pontos. A frustração demonstrada em 2017 é violentíssima. Em todas as faixas etárias a confiança desaba brutalmente este ano. Entre os brasileiros com idade entre 30 e 39, e 40 e 49, que são a maioria dos trabalhadores e pais de família, a confiança cai para 12 e 10 pontos, respectivamente.
As pessoas se perguntam porque Temer não cai. Ora, a alta confiança na Polícia Federal, no Ministério Público, no Poder Judiciário e na mídia explicam a sustentação do governo. Esses poderes se aliaram em 2015 para derrubar Dilma. Em 2017, apesar de movimentações para atingir Michel Temer, não há, nem de longe, o mesmo grau de mobilização. A “pegadinha” da Procuradoria Geral da República, em conluio com Joesley Batista, para flagrar Temer e Aécio, chocou a nação, mas o cansaço com o denuncismo, e a desconfiança de que, por trás das investigações, haja interesses políticos obscuros, acabaram por ajudar o presidente.
Os índices mostram uma sociedade dócil a uma ditadura. Há confiança excessiva, exagerada, na Polícia Federal, sobretudo considerando sua atuação fortemente partidária desde o início da Lava Jato, que acaba por ajudar o governo Temer, o qual, ao contrário de Dilma (certamente por causa do apoio da grande mídia a Temer), soube exercer o controle sobre a PF.
É triste ainda verificar que a confiança nas eleições desmoronou, o que é outro índice alarmante, por mostrar uma sociedade disposta a aceitar a ditadura: em 2011, início da pesquisa, o nível de confiança no processo eleitoral era de 52 pontos. Hoje caiu para 35 pontos.