(Sem uma estratégia adequada os peões não têm chance)
Por Pedro Breier
A crítica, bem ao seu estilo, que Lula fez ao PSOL na semana passada, permite-nos uma boa discussão de fundo. Eis um trecho:
Quando eles governarem a cidade do Rio de Janeiro, metade das frescuras vão acabar. Eles vão perceber que não dá para a gente nadar teoricamente. Eu não posso ficar na beira da praia falando ‘bom, você dê uma braçada pra cá, uma pra lá, bate o pé’. Entra na água e vai nadar, porra!
Qual seria, portanto, a melhor estratégia eleitoral para a esquerda? Nadar nas águas turvas da política nacional ou esperar o mar ficar próprio para banho?
O PT escolheu entrar na água, aprender a nadar e não voltar mais à areia mesmo com a pele já totalmente enrugada. Desde que o partido assumiu o executivo federal, as negociações de gabinete e as articulações políticas substituíram completamente a mobilização popular.
Este erro crasso de estratégia parece ter sido provocado por uma moderação exacerbada, digamos assim. As reformas política e tributária, o combate ao monopólio de mídia e a questão da auditoria da dívida pública são questões fulcrais que simplesmente desapareceram da agenda petista.
A desculpa de que não havia votos no Congresso para aprovar a regulamentação da mídia é um bom exemplo. Dilma a usou para explicar por que o assunto, que foi explorado no segundo turno, sumiu após as eleições de 2014. A resposta de Dilma é reflexo da lógica exclusivamente burocrática que dominou o seu partido. Se não havia como um projeto sobre o tema ser aprovado naquele momento, era papel do PT, tendo o poder executivo em suas mãos, fomentar esse tipo de discussão na sociedade e, a partir daí, criar condições para que mudanças estruturais fossem implementadas no futuro.
Entretanto, diferentemente de boa parte do campo à esquerda do PT, não creio que um partido que pretende efetivamente chegar ao poder, na conjuntura atual, possa prescindir de fazer alianças eleitorais com o centro e até mesmo com a direita.
Concorrer com chapas puras significa tempo diminuto na TV, que ainda é decisiva nas eleições, e, em caso de uma improvável vitória para o executivo, tentar governar com um parlamento completamente hostil. A afirmação de que é possível governar “com a força do povo”, sem explicar como se dará isso, na prática, em um país com uma das mídias mais concentradas do mundo, golpista, ultraconservadora e que molda, em grande parte, os valores e a ideologia da população, é totalmente descolada da realidade.
Lançar candidatos apenas para marcar posição, com baixíssima perspectiva de vitória e menor ainda de condições de governar, é o mesmo que ficar na areia “nadando teoricamente”, como disse o insuperável metaforista Lula.
Creio ser possível – e necessário – concorrer e governar em aliança com partidos ideologicamente não tão próximos, obviamente dividindo ministérios ou secretarias e deixando de avançar em alguns pontos, mas ter um espaço de poder para mudar a realidade objetiva das pessoas e se comunicar com a população, preparando o terreno e lançando as sementes de transformações mais profundas. Ou seja, o problema do PT não foram as alianças, mas o abandono de bandeiras que não poderiam ser abandonadas, sob pena de sermos obrigados a assistir um governo golpista qualquer destruir com relativa facilidade os avanços obtidos.
Há ainda, na esquerda, a tese de que a revolução não virá por meio de eleições. Portanto, que se dane o processo eleitoral.
É claro que há inúmeras possibilidades de atuação por fora das eleições, as quais são, efetivamente, essenciais. É urgente, por exemplo, a retomada do trabalho de base e de formação política nas periferias, coisa que o PT fazia nos anos 80 e abandonou completamente, permitindo o avanço avassalador de políticos conservadores evangélicos.
Ainda assim, não é uma boa estratégia menosprezar as eleições. Noam Chomsky argumenta que a democracia não é o sistema preferido do grande capital internacional. Sempre há o risco de alguém não tão alinhado assim aos dogmas do mercado financeiro ser eleito e passar a incomodar.
A mídia hegemônica mundial é completamente dominada pela ideologia individualista inerente ao capitalismo. Os valores do consumismo desenfreado e da competição insana por status e bens materiais estão incrustados nas mentes de bilhões de pessoas mundo afora. Não me parece possível modificar esse estado de coisas sem algum tipo de instrumento que possa fazer frente ao enorme poder do establishment.
Mesmo com a forte pressão do capital, que tenta desesperadamente comprar a política e os políticos, a eleição ainda é o momento em que cada pessoa vale um voto e, por isso, pode ser este instrumento. Os donos do dinheiro nunca conseguem eleger todos os seus candidatos preferidos, especialmente para o poder executivo. Não é à toa que o Valor Econômico, que pertence à Globo, soltou uma matéria que dizia, bizarramente, que as “eleições podem impor retrocesso às reformas”. A direita não gosta de eleições e isso é significativo.
Portanto, nem entrar na água e esquecer o pessoal que ficou lá na areia, nem mal molhar os dedos e assistir a tempestade marítima de camarote.
O caminho do meio de Siddhartha Gautama sempre cai bem: uma esquerda que saiba ser pragmática para chegar ao poder e governar não é necessariamente incompatível com uma que mantenha no seu horizonte e traduza em ação o desejo de uma transformação radical da sociedade.