Essa matéria no Valor, que pertence à Globo, parece mais um movimento a confirmar uma mudança na estratégia do grupo.
Sem interesse em se aliar a quem não tem chance de sucesso (Janot, por exemplo), a Globo voltou a se alinhar a Temer e começa a jogar pesado contra o PGR, que, de fato, pode ter cometido um grave crime contra a soberania nacional, caso tenha se associado ao FBI e à CIA para vigiar o presidente do Brasil em território estrangeiro.
Quais seriam as “fontes oficiais” do início da reportagem?
Seriam fontes do governo americano ou do governo brasileiro?
Seja como for, o Brasil, golpeado por um impeachment ilegal, vítima de um judiciário cúmplice de criminosos, se tornou isso: uma república de bananas devorada por intrigas palacianas, e com seu sistema de justiça cada vez mais vinculado à justiça estadunidense.
Satisfeita com Temer desde a aprovação da reforma trabalhista, e disposta a centrar fogo em Lula, a Globo dá o recado ao PGR e ao Ministério Público: não façam mais nada sem minha autorização. Uma matéria dessas teria o poder, por exemplo, de fazer o PGR recuar em sua intenção de enviar mais duas denúncias criminais contra Temer.
De qualquer forma, estamos diante de um dilema: quem, no Brasil, investigará os crimes da PGR?
Quem teria o poder, o interesse, a oportunidade?
O senado?
A parte governista do Senado está do lado de Temer e, de fato, tem poder, interesse e oportunidade, mas ao mesmo tempo são submissos aos EUA. Seu modos de atuação tendem mais a chantagem, de preferência sem alarde, apenas plantando algumas notícias de jornal, como essa do Valor.
A oposição no senado não tem interesse nem poder para partir para cima da PGR. Primeiro porque não lhe interessa enfraquecer a PGR no momento em que ela parece ser a única instituição capaz de ferir o governo. Segundo porque não tem esse poder: a conjuntura política do país levou a PGR a se aliar à mídia, e a mídia é conservadora, de direita, e tem pressionado – com sucesso – o PGR para agredir a oposição.
O papel do PGR no golpe, como sabem todos que acompanharam de perto o processo, foi fundamental. É a PGR, além disso, que está transformando a Lava Jato numa rede de investigação latino-americana, que pode provocar, em outros países, o mesmo tipo de destruição econômica e instabilidade política que produziu no Brasil.
Sou da opinião, portanto, que é preciso investigar essa denúncia, até porque ela pode iluminar outras parcerias (todas ilegais) entre autoridades do governo americano e membros do MP e do judiciário brasileiros.
Quer dizer, parceria pressupõe um acordo equilibrado entre as partes. Como ninguém cogita que o serviço secreto americano peça ajuda à Polícia Federal ou do Ministério Público brasileiros para vigiar o presidente dos Estados Unidos, ou para destruir empresas americanas envolvidas em corrupção, podemos dizer que se trata de um daqueles acordos que ganharam um nome bem vulgar no Brasil.
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No Valor
Temer correu risco de sofrer ação controlada
Por Juliano Basile | De Washington
Autoridades de investigação americanas e brasileiras teriam planejado uma ação controlada sobre o presidente Michel Temer nos Estados Unidos, de acordo com fontes oficiais. A operação para obter um flagrante contra Temer ocorreria em conversa com o dono da JBS, Joesley Batista, provavelmente na cobertura que ele tem na esquina da Quinta Avenida com a rua 51, em Nova York.
Pelas tratativas, o presidente seria gravado. As negociações entre as autoridades dos dois países estavam consideravelmente avançadas, segundo apurou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor. A ação só não foi levada a cabo porque Temer não confirmou viagem que faria aos Estados Unidos, em maio.
O presidente foi convidado a participar da entrega do prêmio “Personalidade do Ano” entregue pela Câmara Americana de Comércio ao prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Empresários de peso no Brasil participaram do evento que foi realizado na noite de 17 de maio no Museu de História Natural.
A delação da JBS foi revelada um dia depois da cerimônia de entrega do prêmio. O então deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que também foi assessor de Temer no Palácio do Planalto, estava em Nova York no evento em homenagem a Doria. Ele também poderia ser objeto da ação controlada nos Estados Unidos, caso Temer estivesse na cidade e fosse agendado um encontro com Joesley.
Durante a cerimônia no museu, Doria e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), fizeram elogios ao presidente como condutor do processo de reformas no Brasil. O presidente enviou uma longa carta ao prefeito, qualificando-o como um “empreendedor, um homem de negócios que ajudou a aproximar ainda mais os nossos empresários”.
Uma das razões que levaram o presidente a não ir a Nova York foi justamente a necessidade de o governo aprovar as reformas no Congresso. Nos dias anteriores à divulgação da delação da JBS, o governo trabalhava com afinco para aprovar a reforma da Previdência e bancadas dos partidos governistas na Câmara dos Deputados fecharam questão pela aprovação do parecer do deputado Arthur Maia (PPS-BA). Após a divulgação da gravação que Joesley fez de conversa com Temer, o texto da reforma foi retirado da pauta.
Caso a ação controlada nos Estados Unidos tivesse ocorrido, o presidente poderia ser processado pelas autoridades do país, fato que dificultaria muito as relações com o Brasil.
A JBS estaria próxima de concluir as negociações para assinar um acordo de delação premiada com as autoridades dos Estados Unidos, informaram fontes em Washington.
A assinatura de um acordo seria essencial para a continuidade da atuação da empresa nos Estados Unidos. A delação assinada no Brasil revela que a empresa descumpriu a legislação americana, em particular a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) – lei federal que pune atos e corrupção transnacional.
O Departamento de Justiça possui uma divisão específica para investigar crimes cometidos por empresas estrangeiras com atuação nos Estados Unidos. Essa unidade trabalha sob intenso sigilo e oficialmente ela sequer confirma a existência de uma investigação ou não. Advogados envolvidos no caso também não comentam o assunto. Eles seguem as determinações do Departamento que simplesmente pode se retirar da mesa de negociações se informações forem vazadas à imprensa.
Autoridades americanas foram comunicadas sobre o suposto envolvimento da JBS com práticas de corrupção antes mesmo da divulgação da delação de executivos na companhia no Brasil, em 18 de maio.
Recentemente, pesou ainda contra a JBS o fato de autoridades sanitárias americanas terem identificado inflamações em carnes “in natura” exportadas do Brasil. As notícias de que a empresa teria supostamente participado de esquemas de pagamento de propina a inspetores sanitários brasileiros, durante a Operação Carne Fraca, foi mal recebida em Washington.
A JBS é a maior produtora de carnes nos Estados Unidos, onde possui várias unidades, é dona de muitas marcas e emprega mais de 90 mil pessoas. Ao todo, a companhia investiu mais de US$ 7 bilhões em aquisições de plantas nos Estados Unidos.