EUA assumem controle de 83% da importação brasileira de óleo diesel

Em agosto de 2015, o juiz Sergio Moro estava em plena campanha em favor do golpe. Dava palestras onde quer que lhe chamassem e suas decisões seguiam uma agenda estritamente conectada às forças de oposição que conspiravam para derrubar o governo Dilma.

No dia 31 daquele mês, Moro proferiu uma palestra com o tema “Corrupção sistêmica: as lições da operação Mãos Limpas”, num evento organizado pela editora Abril, em São Paulo.

O juiz responsável pela operação Lava Jato, então no auge de sua popularidade, explicava aos executivos que se dispuseram a pagar R$ 1.800 por um ingresso, o que, na sua opinião, eram investimentos não baseados em razões de “ordem econômica e racional”.

Como exemplo, ele cita a refinaria Abreu e Lima, lembrando que o custo inicial da obra, estimado em 2 bilhões de dólares, passara para 18 bilhões de dólares.

Moro conta que alguns “colaboradores” capturados pela Lava Jato lhe disseram que a obra jamais se pagaria.

Trajando seu tradicional terno preto, com uma expressão aflita no rosto, o juiz de Curitiba conclui que tudo isso “leva a uma natural suspeição: será que o fator de recebimento de propina não foi o agente motivador dessas decisões de investimento mal sucedidas?”

Neste mesmo evento, ele admitiu que a operação Lava Jato poderia causar transtornos a economia. Mas ele acreditava que, no longo prazo, o enfrentamento da corrupção sistêmica traria ganhos “às empresas” e “a economia”. Ele faz uma pausa e completa: “e a todos, de uma forma geral”.

Qualquer pessoa que estude um pouco o universo de refinarias, sabe que o escândalo em torno do custo da Abreu e Lima fez parte do processo de manipulação da opinião pública. O custo passou de 2 bilhões para 18 bilhões porque o projeto mudou completamente. Para começar, o custo inicial foi estimado em 2005, antes do descobrimento do pré-sal. O custo posterior refere-se a um projeto completamente diferente, após a descoberta pré-sal. Ninguém contou isso a Sergio Moro?

Se você fizer uma pesquisa na internet sobre o custo de se construir uma refinaria, verá que ele, naturalmente, é calculado de acordo com a sua capacidade de produção.

Uma reportagem publicada apenas uma semana depois da palestra de Moro, num jornal do Canadá, comentava que uma refinaria em Alberta, com capacidade para processar 50 mil barris por dia, teria um custo de construção de 8,5 bilhões de dólares.

A Abreu Lima deverá (ou deveria, antes do golpe) ter capacidade de processar, quando todas suas unidades estiverem em pleno funcionamento, 230 mil barris por dia. Ou seja, quatro vezes mais do que a refinaria canadense. Logo, deveria custar mais de US$ 24 bilhões.

Outra reportagem, publicada num jornal indiano, em julho do ano passado, fala que uma refinaria a ser construída na costa oeste do país, deverá custar mais de US$ 30 bilhões. Ela terá capacidade, segundo os planos das estatais responsáveis pelo projeto, de processar mais de 600 mil barris por dia. O custo é apenas uma estimativa, porque o governo ainda nem adquiriu as terras onde a refinaria será construída. O projeto é que a refinaria fique pronta em cinco ou seis anos a partir da aquisição das terras. Torçamos para que a obra não atrase, não custe muito mais do que o orçamento inicial, mas, sobretudo, que não apareça nenhum juiz indiano doido, megalomaníaco, que pretenda acabar com a corrupção na Índia através da destruição de sua indústria de petróleo.

O excelentíssimo Sergio Moro deveria se informar melhor. A Abreu e Lima, assim como qualquer outra refinaria que viesse a ser construída no Brasil, não devem ser vistas apenas em função de seu custo de construção.

O Brasil, ainda hoje, é altamente deficitário em óleo diesel, gasolina e derivados. Essa é uma das consequências do golpe de 1964. Moro não deve conhecer história. Se tivesse tido a curiosidade de ler alguns livros, saberia que o golpe de 64 foi patrocinado pelos americanos com o objetivo de assumir o controle sobre algumas orientações básicas da nossa política econômica. Era necessário, por exemplo, que a nossa estrutura de transporte fosse inteiramente baseada em rodovias. Como não tínhamos petróleo, muito menos refinarias importantes, teríamos que importar grandes quantidades de óleo diesel dos principais países exportadores, em especial os Estados Unidos.

Outra coisa que o senhor Moro parece não entender: o preço do diesel, principal combustível de nossa frota de caminhões, é um componente determinante na composição dos preços de produtos alimentícios vendidos no mercado interno brasileiro.  Ter refinarias significaria ampliar o controle nacional sobre o preço dos nossos próprios alimentos, o que nos ajudaria a enfrentar a inflação e a planejar melhor a nossa economia.

Não é com juros altos que se combate a inflação, e sim com preços estáveis da energia e melhora da infra-estrutura logística do país.

O plano de termos um conjunto de refinarias, condizentes com o nosso tamanho, é um sonho vinculado ao projeto de país soberano, com indústrias fortes. Mas talvez isso seja informação demais para um juiz provinciano.

Sergio Moro também não conhece os números da balança comercial brasileira. Como só lê Veja e Globo, ficou achando que a Abreu e Lima era desperdício de dinheiro público, e que a decisão de construí-la nasceu apenas em função da propina a ser dada ao Paulo Roberto Costa…

Neste post, vamos tentar oferecer, gratuitamente, ao juiz Sergio Moro, algumas informações importantes sobre seu país, e de quebra revelar alguns fatos intrigantes que aconteceram desde o impeachment.

O Brasil importou, no acumulado dos últimos seis anos, o equivalente a 37 bilhões de dólares em óleo diesel. Ou seja, só com o que gastamos na importação de óleo diesel durante metade da era Lula/Dilma, poderíamos construir mais de duas refinarias Abreu e Lima.

Desde muito tempo, o óleo diesel figura em primeiro lugar no ranking das nossas importações. É o produto, em suma, que mais importamos. E isso a despeito de termos nos tornado, nos últimos anos, autossuficientes em petróleo.

Todos os números usados neste post são de fontes oficiais, devidamente indicadas nos gráficos e tabelas.

Na tabela acima, observe que o Brasil gastou, nos últimos 12 meses, US$ 4 bilhões com a importação de óleo diesel, um aumento de 71% sobre o ano anterior.

Enquanto isso, por conta da decisão da Petrobrás de paralisar suas refinarias, tanto aquelas já em funcionamento quanto a construção de novas unidades, a nossa produção nacional de derivados caiu violentamente este ano, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), atualizados até maio deste ano. O acumulado de janeiro a maio de 2017 é um dos menores da série histórica.

 

 

O país que mais se beneficiou desta queda na produção nacional de derivados foram os Estados Unidos, cujas exportações de óleo diesel para o Brasil cresceram 177% sobre o ano anterior.

O fato curioso é que os EUA não apenas aumentaram brutalmente a exportação de diesel para o Brasil. Eles assumiram o controle de nossa importação. E há muito tempo isso não acontecia.  Em 2013, os EUA ficaram com 33% das importações brasileiras de óleo diesel. Nos anos seguintes, a participação americana oscilou entre 40% e 50%.

Nos últimos 12 meses terminados em junho, porém, os EUA assumiram hegemonia absoluta da importação brasileira de óleo diesel, com mais de 83% do mercado!

E quem controla o diesel, controla o transporte de mercadorias no Brasil.

Agora entendo porque os americanos dão tantos prêmios para Sergio Moro.

A Índia, grande exportadora mundial de óleo diesel, foi varrida do mercado brasileiro. Nos 12 meses até junho de 2016, o Brasil havia importado quase 700 milhões de dólares de diesel indiano, o que correspondia a 30% do total das importações brasileiras. Nos seis primeiros meses de 2017, o Brasil ainda não importou um mísero barril da Índia.

Curioso, entrei no departamento de estatísticas de comércio exterior do governo indiano, e descobri que não houve nenhum problema com as exportações do diesel daquele país. Ao contrário, as exportações de óleo diesel da India em 2016/17 totalizaram mais de 12 bilhões de dólares, um crescimento de 5% sobre o ano anterior. Quase todos os países que costumam importar diesel da Índia aumentaram suas compras, menos Brasil e… Arábia Saudita.

A Suíça também aumentou muito suas exportações de diesel para o Brasil. Mesmo aumentando, sua participação ficou em apenas 5%.

A gente tem uma ideia sofisticada dos EUA, mas o principal produto que ele exporta para o Brasil é óleo diesel! Com isso, o Tio Sam voltou a ocupar o primeiro lugar no ranking das nossas importações gerais, ultrapassando a China.

Alemanha, França, Coréia do Sul, Itália, Reino Unido, todos esses países perderam participação no mercado brasileiro.

Os EUA, ao contrário, cresceram.

Numa edição anterior do Cafezinho Econômico, eu mostrei como os EUA assumiram uma hegemonia fortíssima nos números de investimento direto no Brasil, o que mostra que são eles que estão aumentando participação acionária em nossas empresas, ampliando o controle sobre nossa economia.

Diante desses números, volto a acreditar que a compra da refinaria de Pasadena havia sido um negócio de cunho estratégico. Pena que nem Dilma ou Graça Foster fizeram esforço para convencer a opinião pública.

Se um historiador quiser entender quem ganhou com o golpe de 2016 no Brasil, a leitura desse Cafezinho Econômico talvez lhe ajude um pouco.

 

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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