No Justificando
A Era Janot: A Destruição do Brasil de Todos
Por Fuad Faraj
Pau, bambu, flecha, vara, tubo, o da caneta cheia, o fim. Desta República, da moribunda Constituição. A República, do País de Todos; a 7ª Constituição. E desses tempos. Inglório e venal fim. De seu discurso, indeclinável, soberano, o insofismável sentido fálico dos rompantes de cabaré del frontera que antecedem os duelos sob o sol do meio dia. Inovador, é fiel paladino do judicialismo de guerra, dos linchamentos midiáticos de investigados e do vazamento de informações sigilosas nas coletivas de imprensa em off. Carrega na alma atormentada o desejo de chutar a escória social da grande casa dos homens de bem e “envergar a vara da corrupção”. Aquela, toda seletiva, que é vendida por seus pupilos procuradores da República de Curitiba como assassina multitudinária. Maior malefício do Brasil, somente comparável às saúvas. Não as de Saint-Hilaire. De Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.
Monsieur Janot – A esperança do Brasil – carrega na alma e no discurso esses rompantes que retinem sons que, lhe contrariando a índole, parecem ter saído de lábios bravateiros, desses que ganham o mundo catapultados do caldeirão de bruxa do bilionário oligopólio de mídia que adora frasistas de imorredouro moralismo ao estilo cueca samba-canção e anágua/combinação. É ele “a esperança do Brasil” do incerimonioso cartaz que sustentou diante do peito com as próprias mãos, entre o sorriso esmaecido de boba alegria e uma platéia vestida de amarelas camisetas, diante dos famigerados cilíndricos edifícios de vidro de Brasília. Era gente de bem, antipetista que, temerosa da implantação no Brasil de uma república bolivariana, ressentia-se do resultado das eleições. Na melhor tradição brasileira, enxergaram no Procurador Janot um dos seus iguais e se viram inspirados a pedir o fim da corrupção junto com o impeachment da Presidenta eleita, menos de dois meses depois de sua posse, no que foram atendidos pela janotiana e megalomaníaca força-tarefa de Curitiba que, por inúmeros vazamentos, atribuiu à Presidenta e ao seu grupo político a responsabilidade “pelo maior esquema de corrupção de todos os tempos, passados e futuros”. Deste Universo e de seus paralelos.
Sob a ilusão da lente do jornalismo ostentação, laudatório, buscou ele, nos últimos 3 anos, diretamente, ou por meio da força-tarefa que montou em Curitiba, sua longa manus, dar vida ao estereótipo burguês do duro homem da lei de mão pesada. O mítico, o da imaginação. Punidor e faccioso por natureza. Que olha para a platéia televisiva a espera do levantar ou abaixar de polegares. Acreditando-se herói, a esperança encarnada encena, protagoniza, representa. Tenta, enfim. Justiceiro, antes que justo. Mas isso é coisa recente. Quem o conhece diz que não cabe num papel tão canastrão e medíocre, pois suas virtudes encimam soberanas um caráter nobre. Calha-lhe, bonachão, comandar uma cozinha na extravasão de sua essência gourmet. Em verdade, acreditam ser ele um verdadeiro artista culinário. Preponderantemente sem noção, no entanto, as massas lhe cobravam a feição desumana, sombria e raivosa de um lutador de rua, crestado de sangue e poeira. A representação de uma fantasia. Não uma realidade. As massas… A meia dúzia que abalou os alicerces constitucionais do Ministério Público Federal, as duas dezenas de centavos que solaparam o Brasil País de Todos.
Não se sabe o que teria perpassado a consciência do Comandante Máximo do Ministério Público para ter transmudado assim e buscar um caminho que não lhe seria óbvio nem natural. Powerpoints ou planilhas de excel não o saberiam descrever mesmo com a prestigiosa apresentacão de seu mais notório especialista– o Coordenador da Operação Car Wash. Transfigurado, teria adentrado na senda de tentar captar e materializar o arquétipo extraído do inconsciente coletivo de uma corrente política em particular – a dos patos amarelos – e do consciente midiático que insufla aquela, daquilo que deva ser um Acusador estatal: um Promotor de Júri canastrão e dado a arroubos de filmes B de Hollywood. É apenas uma hipótese que para sua cabal e indestronável comprovação talvez teríamos que nos socorrer no probabilismo, na vertente do bayesianismo, e no explanacionismo, teorias exóticas trazidas ao Brasil pelo ilustre aluno de Harward para buscar a condenação dos inimigos.
Em muitos momentos, na difícil busca de adaptar-se ao papel que lhe impunham, o grande Maestro desta orquestra, seguiu por rumos que lhe são estranhos ao seu caráter de retidão.
A decorosa autocontenção, por exemplo, foi por ele remetida às favas em companhia da vegetativa e moribunda modéstia. Em seu lugar sobreveio a “disenteria verbal” e a “caduquice moral”, expressões de que se utiliza o nobre Procurador-Geral da República para dirigir-se de forma contundente a quem dele ousa discordar. A estes, em especial àqueles que discordam dos métodos e práticas dos procuradores da República de Curitiba, sua Excelência dedica epítetos de mais variada intensidade, grossura e calão: corruptos, desonestos, inimigos da sacrossanta Car Wash. O Polido Chefe do Ministério Público Nacional chegou a antagonizar com um Ministro do Supremo Tribunal Federal. Um Ministro, não. O Ministro. O que encarna como ninguém o grave ofício de ser Supremo no Supremo brasileiro. O Supra do Supremo, cuja existência só parece ter sido notada pelo Procurador-Geral da República recentemente, a despeito de inúmeras “incompatibilidades” que teria protagonizado para com os deveres do cargo, apontadas por inúmeros juristas, desde que se assentou em sua cadeira soberana no longínquo ano de 2002. É de se indagar: por que só agora?
Não é producente que o Chefe do Ministério Público Brasileiro venha assim a público falar tão chula e chucramente. A baita chinelagem, assim exposta diante de câmeras de tv ou de lendas urbanas da estatura da associação de “jornalismo investigativo brasileiro”, nos deixou a todos estarrecidos. Mas não se lhe recrimine ou culpe por isso. Dou o testemunho de sua inocência. Mais: dou o testemunho de sua inimputabilidade. Ele é mero produto do meio, expressão que ganhou voga nos anos 70 para, eximindo-as, aplacar a consciência das classes sociais do andar de cima( escravocratas, por exemplo) que são responsáveis por esse meio. O existencialismo de Sartre talvez o explicasse com minúcias e senões.
Ao final e ao cabo a culpa são desses tempos loucos que vivemos com perturbadora ansiedade e que buscam lenitivo na farmacologia fazendo do Brasil o maior consumidor de psicotrópicos do Planeta, algo no que se destaca com proeminência no mundo, junto com os períodos sem democracia, a senzala, os patos amarelos, as balas perdidas e os MCs de powerpoints.
São esses novos tempos que colocaram essa notável corporação de Estado, o Ministério Público Federal, sob o olho alucinado do Big Brother, impondo-lhe correr atrás de likes nas redes sociais, da aprovaçao de Dom Mercado, de bilionários donos de imprensa e de vários Departamentos e agências americanas com quem, formal ou informalmente, mantém cooperação internacional. Em benefício efetivo de quem se dá essa cooperação só saberemos ao certo quando os americanos abrirem os seus arquivos daqui há 70 anos e constatarmos qual conceito tinham o Juiz e os Procuradores “da assim chamada Operação Lavajato”. O que é bom, tanto tempo assim, pois nos livrará do ridículo de sermos chamados de patos ainda em vida.
Mas podemos saber desde agora do legado deixado para história do Brasil por esta gestão finda da Procuradoria-Geral da República. Basta nos basearmos nos fatos e condutas deletérias que nos eram esfregados diuturnamente na nossa cara. E nós, juristas, ao contrário da voz solitária do menino na multidão, fingíamos que o rei estava trajando a mais bela das vestimentas. A causa era nobre e, afinal, o inimigo da hora, um cachorro morto incapaz de esboçar qualquer defesa, era enxovalhado dia e noite nos grandes meios de comunicação e nas correntes de What’s Up. O rolo compressor da opinião pública manipulada e publicada insuflava os ânimos da gente de bem num julgamento plebiscitário e num linchamento midiático. Afinal se os brimos Kamel e Bonnemer, versão made in miami de Marx e Engels, dizem que alguém é ladrão é porque realmente deve ser. Quem, enfrentando o plebiscito condenatório e o oligopólio da imprensa, teria coragem de dizer o contrário? Sujeito a ser linchado por ser contramajoritário? Isso revela o quanto não somos livres neste País e que ditaduras, com opressão do pensamento e da ação, operam de várias maneiras. Diante disso, o processo é mera formalidade, pois que a condenação é de praxe e o condenado, ungido inimigo como o agoniado protagonista de Kafka, sequer saberá porque foi processado e porque deve ser punido.
Sua Excelência, Procurador Janot, foi o grande responsável pelas ilegalidades praticadas no âmbito da “assim chamada Operação Lavajato”. Sua administração foi pródiga na ilegalidade, pródiga na imoralidade, pródiga na pessoalidade e pródiga no sepultamento de direitos fundamentais que cabia a ele prioritariamente defender.
Revelando-se um grande estrategista político, o ilustre Procurador-Geral da República presevou-se à sombra a maior parte do tempo durante esses 3 anos. Era contudo, a mão invísivel, o comandante máximo, o maestro da orquestra e o grande general de um esquema promovido por integrantes do Ministério Público Federal de desmonte e subversão da Ordem Jurídica no âmbito da “assim chamada Operaçao Lavajato”.
Todos os vértices deste powerpoint a ele convergiam. Ideologicamente comprometida com o Departamento de Estado Americano, a força-tarefa que montou lhe prestava contas e de tudo lhe reportava, especialmente porque as investigações se davam, mesmo que informalmente, também em relação a condutas cuja competência pertencia a outros juízes e tribunais, extrapolando assim os limites de atuação da 13ª Vara federal criminal de Curitiba. Era manifesta a usurpação de atribuições e de competência, em favor daquilo que foi erigido como o Juízo Sobrenatural da República de Curitiba.
Sua mão invisível permeou vários acontecimentos ocorridos “na assim chamada Operação Lavajato”. Condutas de Procuradores da República perfilaram-se na mais estrita ilegalidade. Na mais plena luxúria de dissolução de costumes, flertou-se de maneira explícita com a ignóbil e escancarada criminalidade. Ganhou notoriedade mundial, embora não seja o único dos fatos que podem ser elevados à condição de crime, o nefasto episódio dos grampos divulgados nos mais amplos meios de comunicação. Ali existem crimes a ser investigados materializados em condutas de altos servidores de Estado, em atos cronologicamente documentados dentro do procedimento de interceptação telefônica Nº 5006205-98.2016.4.04.7000/PR.
Verifica-se que houve, por determinação do Juiz, abrupta suspensão da investigação no âmbito das interceptações telefônicas que haviam sido recentemente autorizadas. Sequer duraram 30 dias. Foi, sem dúvida, um recorde. O tempo de duração de grampo mais curto de toda a história das investigações já submetidas à competência do famoso e prestigiado Juiz da 13ª Vara federal criminal de Curitiba. Mas era necessário que assim fosse. Consistia em condição sine qua non para possibilitar a posterior divulgação de seu conteúdo ainda pelo juízo de Curitiba que se notabilizou por usurpar de, forma desassombrada, a competência de outros juízes e tribunais.
O alvo da investigacão daquelas interceptações tomaria posse como Ministro de Estado no dia seguinte. Na iminência da perda de competência da 13ª vara criminal federal de Curitiba para o STF, tudo foi feito de maneira célere, no mesmo dia 16 de março de 2016, e adredemente combinada pelos envolvidos, como revelam os telefonemas que o Procurador-Geral da República manteve com integrantes da força-tarefa da “assim chamada Operação Lavajato”, inobstante a flagrante usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
Foi uma atuação antijurídica, com objetivos fora dos propósitos da investigação, com claro viés político, ocorrido sob a sombra do embate ideológico que visava derrubar a Presidenta da República e inviabilizar a sua governança. Há crimes para serem investigados e punidos. Sua Excelência, o Procurador-Geral da República, apresentou manifesta omissão quanto ao exercício dos seus deveres, antes durante e depois das referidas interceptações telefônicas. Dói saber que jornalistas( editores incluídos) conhecedores destes fatos e que se autointitulam investigativos se prostraram inertes diante deste descalabro.
A inconsequente e irresponsável atuação deste jaez, entre outras tantas, manchou de forma indelével a boa reputação do Ministério Público Federal e veio deixar todo Ministério Público Nacional à mercê de consequências nefastas que viriam justificadas a pretexto dos flagrantes ilícitos perpetrados por quem deveria promover a defesa do ordenamento jurídico. Há uma multidão de inimigos à espreita prestes a decepar a independência do Ministério Público, inclusive inimigos que se apresentam como amigos dipostos a descartá-lo quando não mais tenha serventia, como é o caso do biolionário oligopólio de mídia e dos patofascistas que dia a dia crescem em número e poder.
A esperança, a verdadeira, hoje desesperada, apela para que a luz possa chegar onde hoje a escuridão impera de forma opressiva e a sabedoria daqueles que nos antecederam e construíram esta Instituição prevaleça. O Ministério Público não pode ser colocado no mesmo patamar de um partido político ou confundido com uma societas sceleris aos moldes da Cosa Nostra. Se aceitarmos isso, aceitaremos todo o tipo de indignidades que possam ser praticadas a pretexto, por vezes falacioso, de lutarmos por uma boa causa.
Não se combate crimes praticando crimes.
Daí o Ministério Público perderá sua essência. Perderá, ao fim, sua justificativa de ser como é nos moldes que a moribunda Constituição o coloca. Ele deixará de existir.
Importante dizer ao Povo que a lei é para todos, inclusive para Juízes e Procuradores da República “da assim chamada Operação Lavajato”.
Vale aqui dizer o que já foi dito por outras e melhores pessoas:
“Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você” .
Que assim seja.
Fuad Faraj é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.