O justiceiro Moro e a condenação do Lula
Por Jeferson Miola, em seu Facebook
Observação: este artigo é a versão em português do artigo publicado pelo principal jornal do Uruguai, Ladiaria. Nele, busco ampliar a análise feita no artigo “Moro confirmou seu papel no golpe”, publicado no calor do dia 12 de julho de 2017.
A condenação do ex-presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro não surpreende. Assim como não surpreende que, na sentença condenatória, Moro tenha se pronunciado não como um juiz justo e imparcial, mas como um justiceiro; ou seja, como alguém que se outorga o direito de fazer justiça pelas próprias mãos, em desobediência às normas do Estado de Direito e do devido processo legal.
A denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o ex-presidente carece do embasamento probatório e da comprovação material de que Lula tinha conhecimento dos ilícitos praticados pela empreiteira OAS na Petrobrás e, ainda, de que o ex-presidente teria de fato recebido o direito de propriedade de um apartamento, como resultado de sua suposta participação em tais ilícitos praticados pela empreiteira em conluio com diretores da estatal petroleira.
A apresentação da denúncia contra Lula pela equipe do procurador Deltan Dallagnol em 15/9/2016 foi um show midiático em que procuradores dominados por um comportamento messiânico e com conduta panfletária, se ocuparam unicamente em apresentar ao Brasil, em transmissão ao vivo pela TV, a esdrúxula teoria de que o Partido dos Trabalhadores [PT] seria uma organização criminosa e Lula, conseqüentemente, seria o “chefe maior”, o “comandante supremo” desta organização.
Durante o processo judicial, quase uma centena de testemunhas, várias perícias técnicas, laudos de investigação e documentos demonstraram a fragilidade das acusações do ministério público.
Além disso, a defesa do ex-presidente não só provou a inocência em relação às falsas imputações, como também comprovou a ausência de culpa, demonstrando que o citado apartamento, que é atribuído a ele como prova do pagamento de propina pela empreiteira OAS, na realidade pertence à Caixa Econômica Federal. O imóvel não pode pertencer, por isso, ao mesmo tempo ao banco estatal e ao próprio Lula, como acusaram os procuradores.
Caso optasse por um trabalho técnico e jurídico, Sérgio Moro se veria obrigado a arquivar a denúncia, dada a insubsistência da mesma. Apesar disso, entretanto, Sérgio Moro decidiu condenar Lula a 9 anos e 6 meses e proibi-lo de exercer cargo ou função pública por 19 anos, até 2036.
A leitura da extensa manifestação de Sérgio Moro, de 218 páginas, autoriza concluir que o juiz não proferiu uma sentença judicial, mas sim escreveu uma peça de acusação. A sentença divulgada em 12/7/2017 evidencia que Moro não atuou como juiz imparcial e justo, porque assumiu o papel de promotor da acusação.
A Lava Jato é uma Operação jurídica e policial desencadeada em março de 2014 com o alegado propósito de investigar esquemas de corrupção instalados há décadas na Petrobrás. O combate à corrupção se revelou, na realidade, um pretexto para o plano estratégico de liquidar o PT e atingir mortalmente a imagem do ex-presidente Lula.
À medida que avançava o calendário eleitoral de 2014, foi ficando evidente que a força-tarefa da Lava Jato estava sendo dirigida por procuradores, policiais federais e juízes que tinham posição partidária e manifestavam nas redes sociais sua simpatia a um dos candidatos, o oposicionista Aécio Neves, do PSDB.
Durante aquela eleição, com sutileza foram feitas denúncias e autorizados procedimentos policiais seletivos com o objetivo de desestabilizar a candidatura à reeleição da Presidente Dilma Rousseff, do PT, e auxiliar a vitória de Aécio Neves, do PSDB. Já na eleição municipal de 2016 o ativismo da Operação contra lideranças do PT para influenciar o resultado eleitoral foi acintoso e descarado, inclusive com a ordem abusiva de prisão de dois ex-ministros do governo Lula [uma delas foi finalmente suspensa] duas semanas antes do pleito.
Com o passar do tempo, ficou claro que o ativismo dos procuradores, policiais federais e juízes integrantes da força-tarefa estava mais relacionado a um projeto de poder do que ao efetivo combate à corrupção.
O pensador e filósofo italiano Norberto Bobbio ensinava que “o fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta, agride como se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso, um sociopata que persegue carreira política. No poder, não hesita em torturar, estuprar, roubar sua carteira, sua liberdade e seus direitos. Mais que corrupção, o fascista pratica a maldade”.
Setores reacionários da classe dominante brasileira nunca esconderam a intolerância histórica com as políticas de distribuição de renda, de inclusão social e de desenvolvimento nacional soberano e independente concretizadas pelos governos progressistas e de esquerda.
Esta é a essência da elite nacional, sempre pronta a destruir o Estado de Direito, atacar a Constituição e a democracia, se necessário para interromper governos progressistas e populares, como se observa na história recente do país: em 1954, levaram Getúlio Vargas ao suicídio; em 1964 derrubaram João Goulart e instalaram a ditadura que durou 21 anos, até 1985; e em 2016 desfecharam o golpe através do impeachment fraudulento da Presidente Dilma.
A elite brasileira promove uma guerra ideológica permanente. Em 2005, Jorge Bornhausen, o oligarca que apoiou a ditadura e depois habitou todas as coalizões conservadoras que se sucederam no Brasil desde 1985 a 2002 [governos de José Sarney, Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso], disse ser “preciso dar fim à raça dos petistas”.
A condenação do ex-presidente Lula em primeira instância se enquadra nesta moldura histórica; mas, além disso, é um procedimento necessário para a continuação do golpe e do regime de exceção vigente no Brasil.
A decisão do justiceiro Sérgio Moro revela seu engajamento como o militante partidário que se disfarça na toga de juiz para combater inimigos ideológicos.
Moro é um ator-chavena estratégia golpista. Assim como em 4 de março de 2016, quando sequestrou Lula para um depoimento forçado; e em 16 de março de 2016, quando interceptou e divulgou criminosamente conversas telefônicas da Presidente Dilma para tumultuar a nomeação de Lula para a Casa Civil, neste 12 de julho de 2017 ele deu nova mostra do sincronismo da sua atuação no judiciário com o empreendimento golpista.
Sérgio Moro está fazendo sua parte no golpe. Na guerra contra o ex-presidente, tenta enterrar a possibilidade de retorno das políticas de igualdade social, distribuição de renda, desenvolvimento nacional e de inserção soberana, altiva e independente do Brasil no mundo que a eleição do Lula representa.
A prioridade da oligarquia brasileira é impedir, por todos os meios, a presença do ex-presidente Lula na próxima eleição, para garantir a continuidade e a longevidade do golpe sem o risco do retorno do maior líder popular do Brasil ao governo. A decisão de Sérgio Moro é coerente com este objetivo.