No festival de besteiras que assola a nação, a pesquisa Datafolha sobre ideologia é apenas mais um capítulo.
Poderia até ser um exercício estatístico curioso, mas na atual conjuntura, me cheira mais a uma mistificação desonesta, a uma maneira meio sórdida de ocultar o avanço de ideias fascistas.
Que importância se deve dar a uma pesquisa segundo a qual a esquerda passou de 28% para 31% e a direita, de 32% para 30%? Se a sondagem tivesse sido feita no dia seguinte, os números poderiam ser totalmente diferentes.
Que especie de algoritmo mágico foi usado para compilar um monte de dados subjetivos, fazer uma média e definir o que é esquerda, o que é direita e, o que é quase engraçado, o que é… centro?
É virtualmente impossível apreender uma coisa tão dinâmica e complexa como a opinião política com base em meia dúzia de perguntas mal formuladas.
O sujeito pode ser inteiramente a favor de armas, de pena de morte, e ser de esquerda. Pode ser o oposto e ser de direita. O grau de heterogeneidade do cidadão contemporâneo é alto demais para que levemos a sério esse tipo de pesquisa.
Tirando o besteirol de esquerda, centro e direita, a pesquisa não é inútil, no entanto, se considerarmos os pontos específicos.
É muito bom, por exemplo, que a parcela da população que acredita que a pobreza está relacionada com a falta de oportunidades iguais para todos tenha crescido de 58% para 77%. Isso é bom, porque mostra um amadurecimento democrático. É bom, da mesma forma, que o percentual de pessoas que acredita que pobreza é fruto da preguiça para trabalhar tenha caído de 37% para 21%.
Outro ponto da pesquisa bastante importante, sobretudo por causa da magnitude da mudança, é o avanço da tolerância à homossexualidade, que passou de 64% para 74%.
No entanto, porque deveríamos acreditar nestes números, se a realidade tem sido o aumento de crimes contra homossexuais, e se a reforma do ensino médio e a escola sem partido, que se negam a discutir questões de gênero, tem encontrado apoio crescente na sociedade e, sobretudo, no parlamento?
Esses números, por outro lado, poderiam explicam porque Bolsonaro, depois de ter crescido muito nas pesquisas, parece ter encontrado seu teto ou mesmo começado a cair: é porque posições contrárias àquelas de Bolsonaro estão crescendo na sociedade.
O que me deixa preocupado é essa tendência moderna, particularmente grave no Brasil, de substituir a democracia por pesquisas.
A única maneira realmente segura de aferir a opinião dos brasileiros é a urna, através de eleições diretas e plebiscitos.
Pesquisas podem ser manipuladas, e o são, sempre!
Por ocasião da campanha pelo impeachment, a grande imprensa tratava as pesquisas como arma de guerra. Toda semana tinha uma pesquisa diferente.
A Globo gastou milhões de reais em pesquisas do Ibope que mostravam que o brasileiro não gostava de Dilma.
Depois do golpe, a Globo não pagou uma mísera pesquisa Ibope para mostrar que o brasileiro não quer Temer e não quer as reformas de Temer.
Essa é a razão pela qual eu não acredito muito na história de que a Globo “quer derrubar” Temer.
Se quisesse derrubar Temer, bastava a Globo atacar a base parlamentar do presidente, fazendo matérias sobre cada os parlamentares mais influentes que apoiam o governo e lideram grupos ou bancadas. Tinha que fazer isso paralelamente a reportagens que mostrassem o desmonte do Estado promovido por decisões recentes do governo.
A Globo tem feito alguma coisa neste sentido?
A Globo é tão sinistra que ela sequer promove um debate sobre as reformas trabalhistas e previdenciárias.
A reforma trabalhista foi aprovada na Câmara em alguns dias, sem dar tempo aos deputados de lerem as propostas. O governo tenta fazer a mesma coisa no Senado. Não quer dar tempo sequer ao debate. Os senadores governistas sequer pedem a palavra, num procedimento muito parecido ao que ocorreu nas votações do impeachment.
A imprensa também não mostra os debates. A agenda ainda é Lava Jato, Lava Jato e Lava Jato.