(Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil)
No Justificando
Por Fuad Faraj
A Revolução dos Patos Amarelos Veste Capa Preta
Nine, a caçada ao Molusco Vermelho é cartaz de grande sucesso há mais de 3 anos na República de Curitiba. Nine Fingers é o inimigo a ser abatido num processo penal em que o Juiz escalado para o condenar é retratado como seu Antagonista nas capas das revistas de fim de feira. Sua leitura é deglutida em roupa domingueira entre uma garfada de fraldinha na mostarda e um gole da cerveja “gormete” do momento. Ruim, choca, caríssima, mas “artesanal”, ainda que fabricada em escala industrial. A perfeita cerveja do otariado arrivista. Arrotos cerimoniosos, contidos, entre gente viajada, made in miami, limpinha e refinada, prefaciam uma rodada a mais de vitupérios inflamados contra quem teria inaugurado nesta terra conquistada dos índios em 1500 toda a sorte de iniquidades.
O arreganhar de dentes e a espuma na boca prometem outros tantos xingamentos de calão ainda mais baixo, entre um grunhido e outro daquilo que, após vertido para o português, pode ser entendido por pobrarada, empreguete, sem-terra, bolsa-família, médico cubano, rouanet e cotista. Há, percebe-se, sem adentrar no mérito das reclamações, um sentimento ancestral, atávico, próprio de quem nutre o mais profundo ódio contra aqueles que lhe são social ou economicamente subordinados, como o escravo, o empregado, o pobre submisso, a mulher, o imigrante, o “favelado”, como se estes fossem a origem de todas os males sociais e a causa da vida medíocre de seus algozes. Há genuíno prazer em bater em quem não pode se defender. Êxtase e catarse. Glória e gozo. Nossa pós-modernidade, irônica e malfazeja, fez reencarnar os aristocratas do final do século XIX nos corpos dessa gente, cujos antepassados foram explorados e constituem, em sua maioria, imigração recente de povos que fugiram da fome nos campos da Europa. É uma sociedade velha, ainda que nova, ancorada em dois fundamentos: 1- A casta social da gente de bem é para poucos. 2- O resto é escória social.
No meio do caminho uma Presidenta é derrubada. A máfia assume o poder em Banalândia, mas posa de fantoche nas mãos de Dom Mercado, Il Capo de tutti i Capi. Patos amarelos, felizes, somem das ruas. As panelas, seguindo conselho ponderado de Marisa Letícia recolheram-se ao repouso do guerreiro em merecida aposentadoria e foram parar bem no meio do olho de Asteriscoland, en México, terra desolada de cânion profundo e vegetação rasteira.
Tudo isso é nonsense porque Nine Fingers é o chefe de um partido “idealizado”pelo gênio político do Bruxo Golbery. O militar de porte franzino, inteligente e talentoso General, seguindo a estratégia do pluripartidarismo, quis idealizar no cenário nacional um trabalhismo amestrado e conciliador com o espectro político, econômico e social dominante e que rapinou o Brasil durante séculos. A um só tempo o Velho Bruxo dividiu os inimigos e impediu que o gaúcho Leonel Brizola, o terror dos fiadores da Redentora Revolução de 64, se tornasse Presidente do Brasil.
Nine. Assim o chamam, fofa e carinhosamente, os heróis da trama na descontração dos momentos de dolce far niente entre uma palestra e uma viagem internacional. Fumando um charuto cubano, degustando os taninos de um maduro vinho português, ouvindo no mais profundo enlevo uma guarânia paraguaia, Nine é, e sempre será, o signo destes momentos em que o protagonismo heróico é ansiado pelas massas fiéis dos moralistas de passeata, dos paneleiros de moral duvidosa e de uma sempre crescente legião de patofascistas – estes últimos amorais natos.
A massa dos revolucionários patos amarelos, o coro da nau dos insensatos dos useful idiots, foram gestados nas jornadas de junho de 2013 e foram paridos sob o signo da Operation Car Wash by República de Curitiba, mediante a massiva manipulação panfletária dos agentes de mídia. Objetivavam, com eleições ou sem eleições, pouco importava, derrubar o governo, reeditando a velha e mesma história da “república brasileira”, inclusive com tema e personagens recorrentes. Pela atuação e ideologia logo identificaram os seus corifeus nas figuras heróicas dos Procuradores da República de Curitiba.
Corifeus e, em larga medida, ideólogos da Revolução Dos Patos Amarelos. Mais que isso, no timing de coreografia irrepreensível, desempenharam papel semelhante às Cheerleaders, animadoras de torcida, tão comuns nos eventos esportivos mais populares dos Estados Unidos da América, para que a coisa toda e a causa sagrada destes redentores da nação não morresse e saísse da pauta de jornais, das manifestações dos patos amarelos e das correntes de what’s up.
Cheearleaders, redentores de um mundo a clamar pelas chamas da purificação suprema conquistada na undécima hora. Gabriéis soturnos, vazadores da boa nova, a estes o deus Oligopólio da Comunicação fez juntar os melhores escribas do jornalismo declaratório para imortalizar a grande obra. Assim, a Vazadoria Geral da República acabou por ser instituída em todo o seu esplendor.
Os revolucionários patos amarelos demandaram aos seus heróis um priapismo acusatório vigoroso, patológico, sustentado por pílulas turbinantes compostas de partes iguais de egolatria, mitomania e teorias jurídicas exóticas. É o pau Janotiano em riste, ereto, em toda a sua glória que, olvidando-se do Francisco porque não vem ao caso, devotou todo o seu ardor acusatório contra Chico. Isso durante longos e tenebrosos 3 anos.
Dando vazão ao priapismo acusatório, a técnica inovadora dos processos em série, mal comparando, fez transmudar para o campo do processo penal aquilo que se convencionou chamar na guerra de bombardeio em tapete. No reino das probabilidades do andar do bêbado, seria certo dizer que à semelhança das bombas, algum destes processos atingiria com sucesso o seu objetivo- a condenação. Sendo possível a absolvição, ante a eventualidade de manifesta debilidade probatória ou sendo considerada fantasiosa a acusação, isso traria algum tom de imparcialidade ao Juiz retratado pelo oligopólio de mídia e em grandes manifestações de rua como o grande algoz do lulopetismo. Em cartazes, camisetas e mensagens das redes sociais, no pai nosso adulterado, de evidente blasfêmia, o digno magistrado chegou a substituir Deus no clamor do crente de livrar a humanidade de todo mal.
Inacreditável que se aceite colocar um Juiz no mesmo patamar do acusado e que seja entronizado no pedestal do justiceiro que irá acabar com o facínora. Inominável que um Juiz, um poder do Estado, seja reduzido a isso pois retrata, mais do que qualquer coisa, o fim daquilo que possa ser descrito como Estado de Direito. Constrangedora é a idolatria que isso rende. Óperas-bufas podem retratar assim seus juízes, mas não se pode aceitar isso de países que tenham alcançado a superação da moral pelo direito, da vingança pela justiça e do ódio pelo amor.
Os 3 anos em cartaz se justificam, assim como a grande audiência, o seu sucesso destrutivo e a estratégia de terra arrasada. É um case de como destruir e submeter um país inteiro sem disparar um único míssil. São irrelevantes as fronteiras físicas, linhas imaginárias que definem porções do planeta terra. O inimigo usa armas que transpõe as fronteiras da mente. Os Produtores, anônimos, exigem retorno dos altos investimentos feitos. Seriado um tanto quanto de cores infantis no melhor estilo DPA – Detetives do Prédio Azul -, mas com sangue no olho, bílis negra e amarela em comunhão de afetos e hidrofobia canina. E, claro, glamour. A utilização de efeitos especiais, toscos e pouco criativos, é abundante, com powerpoints que se sucedem em várias cenas e vozes dramatizadas ad infinitum na ficção dentro da ficção, dentro da ficção dos programas jornalísticos ao melhor estilo das radionovelas. É um ponto alto do enredo, o suspense nos faz prender a respiração. Faz crer que a qualquer momento a voz potente e de dicção perfeita do locutor-radioator e dublê de jornalista poderá anunciar que os marcianos estão chegando. E os soviéticos, que já chegaram pelo Chuí, os aguardam pra implantar o comunismo do Jango Goulart que ele vende por reformas de base.
Nine é metaficção, metalinguagem, ficção dentro da ficção. Seus recursos de estética e técnica narrativas são ilimitados. Vem embrulhado no roteiro mater da Operation Car Wash , classic series. Apelando ao crossover ficcional, personagens de outros enredos vêm em socorro da trama. Um demônio da encruzilhada do seriado Supernatural, querendo notícia, sugestivamente chamado Fausto, vem sempre lembrar do pacto selado. Ao final, o inferno reclamará almas. Numa da cenas o viralata Mutley de Máquinas Voadoras vem cobrar medalhas do ignominioso Vice Vigarista. Sem medalha, sem salvação. O Eliot Ness de Kevin Costner está lá, como um fantasma de filme que aconselha o maior dos heróis da trama nos momentos de maior aflição. E não para por aí. Longilíneo, bochechas rosadas, cabelo bem aparado, ele aparece. Faz as vezes de alívio cômico (comic relief). Ele em pessoa, Sheldon Cooper de The Big Bang Theory. Bazinga! Numa imersão mais psicodélica, tudo é tema de O Frango Robot quando um dos personagens assiste ao episódio “A devastação do BraZil: Guerra Zombie”. Crossover em seu mais alto grau.
Roteirista norte-americano, pitadas de blogueira teen, seu desafio é suplantar Candy Crush Saga em número de fases. Quando Nine Fingers decidir morrer para a série, porque todos morrem um dia, Candy Crush Saga será declarado vencedor.
Aí, nesse dia, lúgubre e nefasto, a razão de viver e a fonte de renda de muita gente terá morrido junto com ele. Essa gente, inclusive.
Requiescat In Pace.
Fuad Faraj é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.