Outro acadêmico, outro jurista, denuncia, sem esconder a perplexidade, a inacreditável desonestidade do ministro Luis Roberto Barroso, do STF, ao apresentar números inteiramente falsos sobre a justiça trabalhista do Brasil, durante seminário do qual participou, em Londres.
Barroso usou duas fontes: Flavio Rocha, dono das lojas Riachuelo, um cafajeste reacionário que já foi condenado por trabalho escravo e comemorou o impeachment de Dilma como “fim do bolivarianismo”; e José Pastore, um mercenário de ultra-direita que Globo e Estadão estão sempre entrevistando, quando querem atacar os sindicatos e as leis do trabalho (ou seja, sempre).
Mais uma vez, é de se perguntar: a troco de que Barroso resolveu se arvorar porta-voz de uma reforma trabalhista da qual não entende absolutamente nada?
Não poderia limitar suas participações públicas – as quais, em última instância, são pagas com nosso dinheiro – para fazer análises de problemas de ordem jurídica? Não é essa a sua especialização? Se a Constituição proíbe que juízes exerçam atividade político-partidária, não seria um tanto perigoso, para um ministro do Supremo, sair por aí a defender reformas tão profundamente mal vistas pela sociedade?
Outro dia, Barroso disse numa palestra que “não há como não ter vergonha do Brasil”. Sim, com juízes como ele, que falam pelos cotovelos sobre assuntos que desconhecem, que se acovardam tão facilmente às pressões do dinheiro, da vaidade, dos holofotes, que não criticam os absurdos privilégios pecuniários de que gozam os próprios juízes, num país com tantos problemas sociais e tanto desemprego, como o nosso, com juízes assim, dá muita vergonha mesmo do Brasil!
Sobre o elogio de Barroso, de que Joaquim Barbosa era um “negro de primeira linha”, a perplexidade me permite fazer apenas um comentário: uma frase tão grotesca me parece forte indício de que a vaidade e a covardia já consumiram inteiramente o cérebro e o espírito do ministro.
Barroso virou um Gilmar de gravatinha borboleta e bons modos.
Pois bem, a última patacoada do nosso Luis Roberto “Gilmar” Barroso foi afirmar, em Londres (!), que o Brasil concentrava 98% (!) dos processos trabalhistas do mundo inteiro, o que é uma mentira grotesca, um exagero insano sem base em qualquer estatística séria.
O Brasil tem 12 processos trabalhistas por mil habitantes, contra 36 processos por mil habitantes na Espanha. França e Alemanha tem 2 e 4 processos por mil habitantes, respectivamente.
Com uma ressalva importante: França e Alemanha tem sistemas de proteção ao trabalhador infinitamente mais sólidos do que o Brasil.
Em meio a um desemprego que atinge mais de 14 milhões de brasileiros, pintar o Brasil como o “paraíso paternalista” do trabalhador, como fez Barroso, é quase um atentado terrorista. Em Londres, ainda por cima!
Pode até existir um excesso de burocracia, mas que precisa ser resolvido aumentando a proteção da classe trabalhadora, e não o contrário!
É evidente que a justiça trabalhista não pode ser injusta com empregadores e patrões. É evidente que é preciso simplificar, modernizar e agilizar os processos, de maneira a reduzir os custos econômicos, para o Estado, para o empregador e para o empregado.
No entanto, fazer tudo isso sem a mediação da classe trabalhadora organizada (via sindicatos), sem ouvir a população, sem discutir essas ideias em eleições presidenciais, impondo reformas de maneira brutal, insensível, num momento em que a população não tem qualquer confiança no governo ou no congresso, meses após um impeachment que muitos chamam de golpe, levar adiante tais reformas me parece um simples ato de violência antidemocrática.
É inacreditável que o ministro Barroso se posicione em favor desse método, que tem gerado hostilidade e desconfiança cada vez maiores da população. Hostilidade e desconfiança que alimentam ainda mais a crise política e, portanto, geram mais instabilidade e desemprego.
Ora, o governo está cortando investimentos em educação, em saúde, em ciência e tecnologia, está sabotando o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa, a Petrobrás, e não tem nenhuma proposta para gerar empregos: e o ministro Barroso vai a Londres, apresenta dados falsos sobre a justiça trabalhista, e defende a reforma trabalhista de Michel Temer?
Abaixo, o artigo de Valentini sobre Barroso.
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A era da “pós verdade” para tentar liquidar o Direito e a Justiça do Trabalho
Por Rômulo Valentini *
Nos últimos dias, recebi várias perguntas de alunos, amigos e colegas de trabalho sobre a veracidade da alegação impactante do Min. Luis Roberto Barroso de que 98% dos processos trabalhistas de todo o planeta estão no Brasil.
Respondi que não tinha como averiguar a veracidade desses dados e que seria necessário realizar uma ampla pesquisa nas fontes primárias para se confirmar a estatística alegada.
Hoje, tive notícia que já saíram os primeiros estudos sobre o tema proposto. E, não surpreendentemente, revelou-se falsa a estatística apresentada pelo Ministro, a qual aparentemente foi embasada em afirmações do sociólogo José Pastore, datadas de 2009.
Conforme pesquisa de Rodrigo Carelli ( Disponível em https://jota.info/artigos/barroso-negros-de-primeira-linha-e-a-reforma-trabalhista-21062017), no ano 2015, o Brasil teve 2.619.867 casos novos na Justiça do Trabalho. No mesmo ano, a França teve 184.196 novos casos trabalhistas a Alemanha teve 361.816 novas ações e, somente a Espanha, 1.669.083 novos casos. Os números foram extraídos de repositório de dados dos Poderes Judiciários dos referidos países.
Apenas considerando os dados desses três países, já se constata que a afirmação de que o Brasil concentra 98%, 90% ou 80% (cada hora é apresentado um quantitativo diferente) dos processos trabalhistas de todo o planeta não se encontra respaldada por evidências, pesquisas e nem mesmo nos cálculos elementares da matemática.
Mas a realidade se revela ainda mais prejudicial à alegação do Ministro.
Conforme dados do IBGE (http://paises.ibge.gov.br/#/pt) o Brasil possui 204.450.649 habitantes. A Alemanha possui 80.688.545 habitantes. A França possui 64.395.345 habitantes. E a Espanha possui 46.121.699 habitantes.
Desse modo, o Brasil apresenta uma relação de 0,012 processos trabalhistas por habitante (12 processos a cada mil habitantes)
França e Alemanha, países que possuem legislações trabalhistas mais protetivas ao trabalhador do que a atual legislação brasileira, possuem, respectivamente, 0,002 e 0,004 processos trabalhistas por habitante (2 e 4 processos a cada mil habitantes)
Já a Espanha, país no qual já foram realizadas diversas reformas trabalhistas para a retirada de direitos dos trabalhadores, apresenta uma relação de 0,036 processos trabalhistas por habitante (36 processos a cada mil habitantes).
Portanto, além de constatar a falsidade a alegação de que o Brasil concentra 98% dos processos trabalhistas de todo o planeta, a pesquisa revela que também existem elementos para se constatar que o Brasil não apresenta o maior índice de processos trabalhistas per capita e que alguns países que possuem um maior grau aos proteção aos direitos trabalhistas possuem um índice de processos trabalhistas per capita inferior ao de países nos quais os trabalhadores possuem menos garantias.
Infelizmente, argumentar com base dados e evidências científicas (e aqui estamos falando de estatística básica, e não de Direito) normalmente não é uma tarefa fácil no Brasil. Com frequência, até mesmo a parcela mais instruída da população prefere se apegar aos argumentos de autoridade que se adequam com uma visão ou pré-disposição ideológica sobre um tema.
É o que os pesquisadores tem denominado de era da “pós verdade”, na qual a divulgação de informações bombásticas e a repercussão da notícia tem mais importância do que a veracidade das alegações. Fenômeno que nós, enquanto sociedade, devemos constantemente combater, sobretudo quando estão relacionadas aos debates políticos ou aos projetos de lei de interesse de toda a população.
Infelizmente, não tenho um meme engraçado, um gráfico vistoso ou uma frase de impacto para rebater a afirmação e “viralizar” esta mensagem. Tenho apenas argumentos, com base nos fatos relatados.
* Rômulo Valentini é mestre e doutorando em direito pela UFMG.