(Chico Buarque em evento anti-golpe no Canecão, no ano passado. Em 2016, o Canecão foi ocupado por militantes do #OcupaMinc-RJ. Foto: Mídia Ninja)
Cinquentenário do Canecão. Vida de brilho, fim e esquecimento
Por Denise Assis
É sintomático, quando o Rio de Janeiro agoniza afogado em dívidas, espoliado pela ganância de um ex-governador que teve a pachorra de confidenciar para amigos: “acho que exagerei”, que o Canecão viva o dia que seria o da comemoração do seu cinqüentenário, transformado em escombros.
A antológica casa de espetáculos carioca – nascida uma cervejaria, arejando os ares da cidade, em plena ditadura (1964-1985) – fez do seu palco a plataforma de lançamento de vários talentos, que consolidaram suas carreiras por ter passado por lá. Tal como na letra do samba, o Canecão agoniza mas não morre, vivo que está em nossas memórias. Triste, porém, ver que a data mereceu alguma menção na mídia, mas nenhum evento que marcasse, de fato, a época de ouro do que representou.
Triste país sem memória, que tem que viver às voltas com investigações, prisões, fatos do momento atual, que roubam a cena do que merece e deveria ser lembrado. Não temos força, não temos ânimo, não temos pique, para abrir um espaço na agenda carioca e recordar o que não deveria ter morrido ou esquecido. O Rio está assim, ao sabor das ondas da política, que arrebentam em Brasília e vem dar em praias cariocas. Melhor silenciar e não fazer marolas de espécie alguma, devem pensar as autoridades e outros que poderiam ter se envolvido no empenho de lembrar.
A casa que marcou época fechou as portas, há sete anos, deixando de oferecer ao grande público do Rio e do Brasil, o melhor da cultura musical do país, e os grandes nomes internacionais que desfilaram por seu palco. Em uma de suas entrevistas, a cantora Elis Regina, que por várias vezes provocou filas nas suas bilheterias, chegou a dizer certa vez: “o que não passa pelo Canecão, não acontece”.
Ao ser inaugurado, trouxe para o Brasil um conceito até então só conhecido lá fora, em termos de casa de shows. Disponibilizava as mais variadas atrações, num generoso espaço para o grande público, até então nunca visto. Ao mesmo tempo, oferecia um excelente serviço de bar e restaurante, sem que isto interferisse no que estava sendo levado no palco. Tudo era servido com discrição e elegância por suas “canequetes”.
Ao fechar as portas, toda esta memória iria se perder, não fosse a atitude de Ricardo Cravo Albin, de recolher e preservar nas dependências do Instituto que leva o seu nome, todo este acervo. Graças ao seu cuidado e zelo, hoje o Instituto Cravo Albin detém esta história, que chegou à sede, localizada no bairro da Urca, em cerca de 20 baús. Sem nenhum apoio financeiro, Cravo Albin zela por uma memória que deveria ser de todos.
No ano de 2009 a casa sofreu sua derrota definitiva na Justiça, perdendo para a UFRJ, a dona do terreno que o abrigava, e tendo que devolvê-lo à universidade. Em 10 de maio de 2010, a propriedade foi retomada e, na ocasião, o reitor Aloísio Teixeira fez a promessa, nunca cumprida, de transformá-lo em um novo Centro Cultural. Planos que nunca saíram do papel.
Em 17 de maio desse mesmo ano a casa foi reaberta mediante uma liminar judicial que devolveu a posse provisória ao antigo inquilino. Mas em 17 de outubro de 2010 fechou as portas definitivamente. A casa de shows foi reintegrada à universidade. E quem se importa, hoje, com memória e universidades?