A Lava Jato e a destruição do ecossistema tecnoindustrial do país

(Pelo jeito, o pessoal de Curitiba e seus apoiadores jamais leram Galbraith)

Cafezinho Econômico – Edição Número 1 – 19/06/2017

“O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora”, dizia Pascal.

Quando pensamos no suicídio econômico e político do Brasil, iniciado a partir da deflagração da Lava Jato, deveríamos parodiar o pensador francês e afirmar que a cretinice eterna de uma imprensa infinitamente desonesta nos aterroriza.

Bem vindo à primeira edição do Cafezinho Econômico, nosso boletim semanal sobre economia. Será um boletim econômico diferente, com bastante pegada política e alguma discussão teórica, porque é preciso fugir dos horríveis clichês e vícios da imprensa econômica tradicional.

O gráfico abaixo, que preparamos com base nos últimos números do IBGE para o PIB trimestral, mostra claramente que o declínio da Formação Bruta de Capital Fixo (ou seja, dos investimentos no Brasil, privados e públicos) teve início exatamente com a Operação Lava Jato, a saber, a partir do primeiro trimestre de 2014.  Até então, os investimentos vinham apresentando uma taxa de crescimento constante, coincidindo inclusive com a forte aprovação ao governo Dilma.

É preciso reler John Kenneth Galbraith, o professor de economia em Harvard e prolífico autor de alguns clássicos sobre economia industrial que se tornou conselheiro de Kennedy, para entendermos o grau de insanidade e estupidez que tomou conta do país ao apoiar uma operação tão profundamente nociva como a Lava Jato.

Em O Novo Estado Industrial, publicado em 1967, Galbraith explica que as sociedades avançadas, industriais, consolidaram uma “tecnoestrutura”, uma espécie de ecossistema econômico formado fundamentalmente por suas empresas.

O autor critica uma série de falsidades, vendidas ao “senso comum”, sobre o funcionamento das economias avançadas. Uma das mais idiotas, segundo Galbraith, é a depreciação que se faz ao conceito de “planejamento” após o advento da guerra fria. Economistas liberais ocidentais passaram a propagar a incrível – por ser tão óbvia – mentira de que os países capitalistas não planejavam a sua economia, em contraposição à planificação excessiva dos Estados socialistas.

Ora, diz Galbraith, as economias industriais modernas dos países capitalistas são caracterizadas justamente por um forte planejamento, tanto por parte de seus governos, como por parte de suas grandes empresas, e há uma relação direta entre o grau de complexidade tecnológica e a necessidade de se fazer planejamentos de longo prazo.

Se um país pretende viver apenas da exportação agrícola, a necessidade de planejamento, naturalmente, é bem menor, porque há uma relação mais direta entre a agricultura e o mercado que se autorregula. Curiosamente, todavia, os países ricos exercem um subsídio fortíssimo sobre suas agriculturas, de maneira que, nas poucas atividades que eles poderiam deixar ao sabor do mercado, eles não o fazem.

Quanto às atividades industriais, estas são fortemente planejadas por razões óbvias: requerem uma grande quantidade de capital investido.

Para se construir grandes instalações e levar adiante projetos de infra-estrutura, é preciso um longo tempo para formar mão-de-obra, estabelecer canais de fornecimento de produtos especializados, construir redes de relações comerciais e trocas tecnológicas profundamente complexas.

E daí fica evidente a insanidade da Lava Jato.

Galbraith lembra que as organizações empresariais, ao menos nas economias modernas, tornaram-se os fundamentos do que ele chama de tecnoestrutura: à diferença do que pensa o vulgo, as organizações refletem um trabalho coletivo, reunindo milhares de talentos individuais, que precisam desenvolver uma grande diversidade de técnicas comerciais, científicas, interpessoais, publicitárias.

O sucesso de uma grande empresa, ao contrário do que vende a cultura de massa, não é fruto do brilhantismo de um ou mais indivíduos geniais, e sim o trabalho de um grupo, que tem valor como grupo e não como ajuntamento de indivíduos isolados.

Os procuradores e demais operadores da Lava Jato, incluindo o juiz Sergio Moro, tem uma visão incrivelmente medieval do que seja uma grande organização empresarial moderna. Grupos como a Odebrecht nascem do trabalho coletivo e histórico de milhares de brasileiros, gerações e governos. Quando uma empresa ocupa um lugar estratégico na tecnoestrutura de um país, é preciso compreender que se trata de um agente que possui um patrimônio coletivo que deve ser preservado.

A corrupção encontrada por processos de investigação viciados fazem a deliberada confusão entre o problema moral, que está na cultura, nas relações políticas da sociedade, em alguns indíviduos, e evidentemente não pode ser combatida pela destruição da tecnoestrutura do pais.

Não é fácil criar uma grande organização. Atrair os melhores engenheiros, administradores e executivos, de maneira geral, não se dá apenas, explica Galbraith, pela questão pecuniária. Os profissionais são atraídos também pelos desafios oferecidos por aquela companhia. Além disso, as grandes empresas industriais de um país –  e há uma série de setores onde a necessidade de capital intensivo só permite a existência de grandes empresas – costumam atrelar seus objetivos de crescimento empresarial às metas de crescimento econômico do país como um todo.  A empresa se beneficia do crescimento econômico do país.

Galbraith lembra ainda de outra mentira muito comum (que os nossos neoliberais adoram explorar), que consiste em omitir, em especial para a opinião pública dos países do terceiro mundo, o grau de participação dos governos na economia das nações industriais. Nos EUA do final dos anos 60, observa o autor, os serviços dos governos locais, estaduais e federal respondiam por 1/4 de toda a atividade econômica do país, uma taxa maior do que em países socialistas da época, como Noruega e Suécia.

O juiz Sergio Moro, quando recebeu bolsas diversas do governo americano para estudar a melhor maneira de combater a lavagem de dinheiro, certamente não aprendeu (porque isso não interessava aos EUA) que existe também, como em tudo, uma geopolítica da lavagem de dinheiro.  Nenhum Estado pode combater a lavagem de dinheiro em seu país sem considerar o método mais eficiente para fazê-lo, segundo um critério político que considere os interesses econômicos e sociais do país.

Destruir quatro milhões de empregos certamente não ajuda em nada a combater a corrupção.

Isso é tão evidente que volto a parodiar Pascal: o silêncio em torno dessa obviedade me apavora.

Segundo o Wikipédia, a Lava Jato, apesar de ser deflagrada em março de 2014, começou a investigar a Petrobrás em julho de 2013, ou seja, justamente no mês em que as grandes manifestações de junho daquele ano foram sequestradas pela narrativa da mídia corporativa, e se registrou a mais espetacular inversão química da atmosfera política nacional: de um dia para outro, o governo Dilma, que gozava de taxas altíssimas de aprovação popular, condizentes com a estabilidade econômica e o dinamismo do mercado de trabalho, passou a ser fortemente hostilizado pelas ruas e pela imprensa.

A Lava Jato se pretende o centro de uma revolução ética e moral. Ora, neste sentido, é uma revolução às avessas, porque a ética é invertida. A ética mais importante para o Estado, e para os servidores desse Estado, é a segurança econômica e social do país. É importante inclusive para a sobrevivência dos próprios servidores, pois sem economia e sem Estado, não será possível pagar os salários do funcionalismo público.

A infra-estrutura de uma nação com mais de 200 milhões de habitantes jamais poderia ser posta em risco por causa de alguns corruptos.

Quando eu falo em Lava Jato, não me refiro apenas à turma de Curitiba, mas a todo o sistema que a estimulou, desde os tribunais superiores, passando pela mídia, até as organizações internacionais (think tanks, universidades e mídias dos EUA) que passaram a blindar a operação.

A Operação Carne Fraca, por sua vez, é uma das muitas filhas da Lava Jato. Foi concebida, assim como sua matriz, para subsidiar um golpe, para derrubar o governo. Para isso, não deu nenhuma importância à segurança econômica do país.

As exportações brasileiras de carne, nos últimos dois meses (abril e maio), caíram 17% em volume sobre o mesmo período do ano anterior. Essa queda pode ter representado a perda de aproximadamente 500 milhões de dólares, quase 2 bilhões de reais, em apenas dois meses.

As compras da China de carne brasileira caíram mais de 40% em dois meses.

Eu finalizo a coluna de hoje com um pensamento de Pascal que pode nos servir de guia:

O homem não é mais que uma rosa, a mais frágil da natureza, mas é uma rosa pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para a esmagar; um vapor, uma gota d’água é suficiente para lhe matar. Mas quando o universo o esmagar, ainda assim o homem será mais nobre que aquele que o mata, pois que ele sabe que morre, ao passo que o universo não sabe de nada. Toda a nossa dignidade consiste então no pensamento. Trabalhemos então para pensar da melhor forma possível: eis o princípio de toda moral.

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O Cafezinho Econômico será publicado toda segunda-feira. Inicialmente eu pensei em fechá-lo apenas para assinantes, mas acho melhor deixá-lo, ao menos por enquanto, acessível gratuitamente a todos os internautas. Se puder, faça uma assinatura do blog, ou participe de um de nossos Crowdfundings/Vakinha (ver menu abaixo do título).

 

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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