Foto: Agência Brasil
A mídia, o mercado financeiro, todas as lideranças verdadeiras do golpe sabem que tudo poderia ter sido melhor, mais suave, sorridente.
Não seria preciso um impeachment sem motivo regido por um ladrão notório, presidente da Câmara no momento. As prisões sem prova nem culpa determinada, a tortura medieval do encarceramento até o sujeito falar o que quiserem dele, todo o estado policial atual, nada disso seria necessário se o poder fosse conquistado e mantido como antigamente, no voto.
O governo Michel Temer, primeira alternativa do golpe para tocar as reformas e tudo o mais que, de fato, interessa, definha na corrupção rasteira. A cada dia um fato inacreditável, uma denúncia escabrosa, do suborno confirmado ao ladrão notório, gravado, à aposentadoria em propina da JBS para o presidente, garantida por 30 anos.
Daí vem a revolta da população e para manter no cargo o presidente chafurdado em corrupção é preciso aumentar a repressão, o estado policial, chamando até, se preciso, o exército. A mídia, o mercado financeiro, todas as verdadeiras lideranças do golpe até fingem que não, mas sabem que, no fundo, desse jeito, a coisa pra eles não fica legal.
Muito melhor, sem brigas nem caça às bruxas, sem denúncias na imprensa, muito melhor era o tempo das vitórias nas eleições diretas. Mas o partido outrora vitorioso há 23, 19 anos, agora está abraçado ao governo corrupto, com seus líderes todos chamuscados e um deles, Aécio Neves, a três votos da prisão, a levar em consideração os cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que em algum momento o julgarão.
O segundo colocado nas pesquisas eleitorais para a Presidência é Jair Bolsonaro e o nome mais cotado no PSDB é o prefeito de São Paulo, João Doria. Isso para enfrentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder disparado que sobe mais a cada pesquisa, numa prova de que levar a sério denúncias relacionadas a pedalinhos, barquinhos, ou meros desenhos de bolotas com palavras dentro, também não é legal.
Eis então que ressurge no cenário aquele que já ganhou de Lula no voto, duas vezes. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso primeiro defendeu a “pinguela” que é Temer. Foi, voltou, mudou de opinião outras vezes e hoje publica nota no jornal O Globo na qual defende, como solução para o país, a antecipação das eleições.
Junta-se isso às pesquisas, à tibieza eleitoral em nível nacional de Alckmin, Doria e demais possíveis tucanos, ao tempo em que tudo era mais traquilo para a mídia, o mercado financeiro, para todas as lideranças do atual golpe em marcha. Junta-se isso tudo e vem a pergunta ainda um tanto inacreditável, de tão surreal:
Será que a mídia, o mercado financeiro, todas as lideranças do golpe nostálgicas de tempos de paz e desigualdade crescente, galopante, será que não poderiam apostar em FHC de novo, como o torcedor apaixonado aposta no treinador campeão há 23, 19 anos?
Poderia disputar o pleito, o ex-presidente tucano, como o “paladino das diretas”, agente desencadeador da entrega da decisão à vontade popular ou coisa parecida, qualquer outra versão atual do “caçador de marajás”. Será?
Abaixo, a íntegra da nota de FHC.
“A conjuntura política do Brasil tem sofrido abalos fortes e minha percepção também. Se eu me pusesse na posição de presidente e olhasse em volta reconheceria que estamos vivendo uma quase anomia. Falta o que os políticólogos chamam de ‘legitimidade’, ou seja, reconhecendo que a autoridade é legítima consentir em obedecer.
A ordem vigente é legal e constitucional (dai o ter mencionado como “golpe” uma antecipação eleitoral) mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto.
É diante desta perspectiva que os partidos, pensando no Brasil, nas suas chances econômicas e nos 14 milhões de desempregados, devem decidir o que fazer.
A chance e a cautela a que me refiro derivam de minha percepção da gravidade da situação. Ou se pensa nos passos seguintes em termos nacionais e não partidários nem personalistas ou iremos às cegas para o desconhecido.
A responsabilidade maior é a do Presidente que decidirá se ainda tem forças para resistir e atuar em prol do país.
Se tudo continuar como está com a desconstrução contínua da autoridade, pior ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo.
Preferiria atravessar a pinguela, mas se ela continuar quebrando será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.
É este o sentimento que motiva minhas tentativas de entender o que acontece e de agir apropriadamente, embora nem sempre no calor dos embates diários e de declarações dadas às pressas tenha sido claro nem sem hesitações.”