Foto: Xan Carballa
Por João Ricardo W. Dornelles, professor da PUC-Rio,
coordenador-geral do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio
Na manhã de hoje, 13 de junho de 2017, morreu na cidade de Lisboa, Alípio de Freitas.
Quem foi Alípio de Freitas?
Alípio Cristiano de Freitas ou Padre Alípio, português de Bragança, nascido em 17 de fevereiro de 1929, foi jornalista, trabalhou na RTP (Rádio e Televisão Portuguesa), professor universitário, ativista social, pai da cantora brasileira Luanda Cozetti. Um revolucionário que dedicou a sua vida à causa da emancipação social, lutando contra a miséria, contra a ditadura salazarista portuguesa e contra a ditadura militar brasileira.
Alípio foi ordenado sacerdote da Igreja Católica no ano de 1952, indo viver na Serra Montesinho, Portugal, trabalhando junto com a população mais pobre da região, onde fundou uma escola de artes e ofícios.
No ano de 1957 veio para o Nordeste do Brasil, onde passou a lecionar História Antiga e Medieval na Universidade de São Luís, sendo vigário de uma paróquia da periferia da capital maranhense. Atuou nas áreas mais miseráveis de São Luís e celebrava as missas em português, antecipando o que cinco anos depois seria a nova orientação do Concílio do Vaticano II, do Papa João XXIII.
No ano de 1958 participou da fundação da Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão, juntando-se às Ligas Camponesas no ano de 1960. Durante todo aquele período esteve envolvido nas lutas pela Reforma Agrária e, durante o governo de João Goulart (Jango), nas ações pelas Reformas de Base.
Em 1962 participou do Congresso Mundial da Paz, em Moscou, onde conheceu Pablo Neruda e Dolores Ibárruri (La Pasionária), dentre outros nomes da esquerda mundial. Ao retornar ao Brasil rompeu com a Igreja.
No ano de 1963, participou ativamente na campanha de Miguel Arraes, em Pernambuco, sendo sequestrado pelo exército, permanecendo preso durante 50 dias. Com a prisão, existia o risco de Alípio ser deportado para Portugal, onde também seria preso pela sua atuação contra o regime fascista de Salazar. Ao sair da prisão adquire a nacionalidade brasileira, indo morar no Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar nas favelas cariocas.
A militância de Alípio era tão intensa que o cardeal do Rio de Janeiro, Dom Jaime Câmara, quando soube da sua presença na cidade, determinou que em sua diocese não poderia celebrar missa.
Ainda em 1963 volta a ser preso, em João Pessoa, por causa do discurso proferido na Universidade da Paraíba, durante atividade pelo primeiro ano da morte do líder camponês João Pedro Teixeira.
Com o golpe civil-militar de 1964, exilou-se no México e, posteriormente, em Cuba, onde recebeu treinamento político e militar de guerrilha.
A partir de 1966 participou na organização de movimentos guerrilheiros de diversos países da América Latina, regressando clandestino ao Brasil. Percorreu o país de ponta a ponta, sempre ligado às lutas camponesas. Nesse período vai para a Bahia. Por sua intensa atuação desde antes de 1964, Alípio era muito visado pela repressão. Afinal, tivera uma forte ligação com as Ligas Camponesas no Nordeste, juntamente com o seu fundador, Francisco Julião.
Foi membro da Ação Popular (AP), ministrando cursos de formação política. O debate político sobre a natureza da revolução brasileira e as estratégias de luta criou uma dissidência dentro da AP levando, no final de 1968, à criação do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), do qual Alípio foi um dos dirigentes.
Como dirigente do PRT, em maio de 1970 Alípio foi preso, já num momento em que a ditadura brasileira havia organizado o seu aparato repressivo, com a criação do DOI-Codi e as práticas de terrorismo de Estado. Preso pela ditadura, foi submetido aos tipos mais bárbaros de tortura. Com a Anistia de 1979 saiu da prisão como apátrida. Ao ser libertado escreveu o livro “Resistir é Preciso”, publicado em 1981, onde relatou a sua experiência de lutas e a sua passagem pelos porões da repressão.
Em Portugal, o compositor e cantor José Afonso (Zeca Afonso), autor de “Grândola, Vila Morena”, inclui no álbum “Com as Minhas Tamanquinhas” a canção-homenagem “Alípio de Freitas” (1976), contando a sua história.
Em 1981, vai para Moçambique para trabalhar num projeto com camponeses, visitado e elogiado por Samora Machel, dirigente moçambicano, líder da luta pela independência daquele país africano.
Em 1984 regressa a Portugal, tornando-se jornalista da RTP, onde trabalha até 1994.
Em 1990 foi um dos fundadores da Casa do Brasil de Lisboa. Presidiu a Associação José Afonso (AJA) e foi membro de diferentes associações como “Mares Navegados”, “Abril” e “Casa Grande”.
A partir de 2001 participou das diferentes edições do Fórum Social Mundial. Foi presidente de honra do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e das Ligas dos Camponeses Pobres (LCP).
No ano de 1996, recebeu a condecoração de Grande Oficial da Ordem da Liberdade da República Portuguesa.
Numa manhã da primavera lisboeta, Alípio se foi. Não, na verdade não se foi, pois sempre estará presente entre nós. Alípio faz parte daqueles que nunca se vão, pois sempre estará presente em cada ser humano que levanta a sua voz contra as injustiças e a opressão.
A vida de Alípio de Freitas foi marcada pela coragem, pelo compromisso com a liberdade e a emancipação dos povos. A encarnação dos grandes revolucionários, daqueles que não se intimidam com o opressor, daqueles que sabem fazer a história e que deixam as suas marcas para as próximas gerações. Assim foi Alípio de Freitas, um homem que dedicou a sua existência à luta por um outro mundo possível.
Deixou de ser português ou brasileiro, tornando-se universal.
Alípio, Presente !!!
Alípio Vive !!!