Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Do Jornal GGN.
Xadrez de como Barroso tornou-se um Ministro vingador
Por Luis Nassif
Peça 1 – o iluminista e o negro de primeira linha
A intenção era criar um momento de paz, indicar publicamente que as desavenças no Supremo Tribunal Federal se resumiam ao campo jurídico. Daí a ideia de inaugurar dois retratos de ex-presidentes – Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski – e incumbir dois colegas de saudá-los.
Quando se optou por Luís Roberto Barroso para saudar Joaquim Barbosa, ficou no ar a suspeita de que algo poderia dar errado. Barroso é mestre na arte de se auto louvar, permanentemente atrás dos holofotes e do protagonismo, das declarações reiteradas de bom-mocismo. Teria o desprendimento de focar o elogio na celebração de um colega?
Mas, enfim, foi convidado dois dias antes da cerimônia e, portanto – pensavam os anfitriões – com bom tempo para preparar o discurso e retirar eventuais inconveniências.
Mal começou o discurso, um frêmito perpassou os demais Ministros e um frio na espinha acometeu a organizadora do encontro.
Barroso lembrava a primeira vez que conheceu Barbosa, na França. Ou na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), quando Barbosa prestou concurso e ele, Barroso, já era chefe de departamento. E o grande Gatsby não parou mais. Joaquim Barbosa tornou-se um mero álibi para a pregação salvacionista do vingador, bradando seu patriotismo, sua cruzada em prol da moralidade e da erradicação de toda corrupção.
Vez ou outra, lembrava rapidamente a relatoria de Barbosa na AP 470 e voltava à catilinária inicial, sua intenção de limpar a pátria, acabar com a corrupção, jogando os corruptos no fogo do inferno.
Um Ministro mais sarcástico virou-se para um colega e murmurou:
– O “Iluminista” está impossível!
Referia-se ao apelido que lhe foi pespegado pelo blog, quando seus acessos de humildade fora de série o faziam se declarar um arauto do Iluminismo e um par dos grandes juristas que atuaram na vida política nacional, como Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e San Thiago Dantas.
Até que o “iluminista” soltou a pérola máxima, saudando Barbosa, “um negro de primeira linha”.
Mal terminou a auto louvação, os repórteres cercaram Joaquim Barbosa perguntando o que achou de ser qualificado como “negro de primeira linha”, uma versão capciosa do “negro de alma branca”. E Barbosa, impassível:
– Sem comentários.
No mesmo instante, portais e blogs, acostumados com as platitudes do ministro “iluminista”, espalharam manchetes de home com a frase que expunha o dandy deslumbrado e preconceituoso.
Naquele dia, uma transexual fez um discurso histórico no Supremo Tribunal Federal em defesa do direito de identidade, um homossexual assumido enfrentou as verrinas machistas-cafajestes de Gilmar Mendes com a dignidade das grandes figuras jurídicas que hoje escasseiam, sem se intimidar por um minuto com as armas do preconceito.
No Supremo, um negro combativo, polêmico, vencedor, impávido como Mudammad Ali frente a um lutador bailarino e cheio de firulas, apenas olhou duro e deu um jab de direita com o seu “sem comentários”. E o jurista, socialmente preconceituoso, mas, de qualquer modo, responsável por alguns dos avanços morais ocorridos nos últimos anos, escorregou na própria verborragia incontrolável.
No dia seguinte, o “iluminista” subiu ao púlpito do Supremo se desfazendo em lágrimas, se desculpando pela demonstração involuntária de preconceito. Interrompeu várias vezes a penitência com voz embargada.
Peça 2 – os negócios de família
Fiz o preâmbulo não para condenar Barroso por um caso típico de má expressão, mas para expor sua vulnerabilidade, de se desmanchar nas lágrimas da auto-compaixão meramente ante a cobertura da mídia, expondo seu escorregão.
Barroso nunca foi considerado um progressista, na acepção do termo. Mas também nunca foi o juiz vingador, selvagem, o pregador prometendo fuzilar os ímpios com os raios de Poseidon.
Parte do clima persecutório atual, com reputações sendo assassinadas, prisões desnecessárias sendo implementadas, em nome de uma genérica luta contra corrupção, a suspeita espalhando-se por todo o país, os receios com grampos, a derrubada da auto-estima nacional deve-se a ele, o Ministro do Supremo que mais assumiu o papel de vingador.
Se Barroso se desmanchou apenas com as críticas ao seu “negro de primeira classe”, o que ocorreria se a imprensa passasse a explorar os episódios abaixo, se ele se tornasse vítima da mesma sanha macarthista que estimula?
O caso BHS
Trata-se de uma construtora de propriedade de Detta Geertruce Van Brussel Telles, sogra de Barroso, de nome BHS/Beehive.
A construtora é especializada em reformas de prédios, na construção de mansões e tem algumas construções de edifícios.
Com esse histórico, trabalhou para a ICN- Itaguaí Construções Navais braço do Grupo Odebrecht para o programa PROSUB, do submarino nuclear e para o BTG Pactual.
Detta entrou para a sociedade da empresa em 2012, junto com Sandra Murat. Atualmente mora em Brasília, na casa onde morava Valdemar Costa Neto, na época do mensalão. A casa pertence a Antonio Carlos Osório Filho, dono da Capital 1, grande tomador de financiamentos da Caixa Econômica Federal.
A offshore em Miami
Tereza Cristina Van Brussel Barroso, sócia e esposa de Luís Roberto Barroso, em 9 de junho de 2014 abriu a offshore Telube Florida LLC em seu nome de solteira. Quem montou a offshore foi um conhecido operador brasileiro em Miami, com problemas na justiça brasileira, de codinome Barbosa Legal.
O imóvel fica na Ilha Key Biscayne, avaliado em US$ 3 milhões e é o sonho de todo brasileiro deslumbrado com Miami.
Com o nome de casada, Tereza é sócia do marido na LRBT Empreendimentos e na Chile 230 Participações.
Além disso, Barroso responde ainda por duas empresas, a Casa da Cultura Jurídica do Rio de Janeiro e o Instituto de Direito do Estado e Ações – Ideias.
Peça 3 – os assassinatos de reputação
Desconsidere as acusações acima. Provavelmente as operações do Ministro e seus familiares estão dentro dos limites flexíveis dos negócios privados. A offshore é apenas uma maneira esperta de defesa contra o fisco, típica do pensamento de Barroso e seu meio social – embora ele costume apresentar como prova da malandragem brasileira a empregada doméstica de um amigo, que não quis o registro para poder acumular os benefícios do Bolsa Família.
Pode causar dúvida o fato da offshore estar no nome de solteira de sua esposa e sócia. Como o fato do pai ser advogado de um processo milionário da Eletronorte.
Mas, provavelmente, se fosse dada a palavra ao Ministro, haveria explicações plausíveis para cada acusação, inclusive a informação se a esposa registrou todos os repasses à offshore no Banco Central. “Acusações”, como o nome do proprietário da casa em que reside a sogra de Barroso, não teriam a menor relevância ou significado.
Essas acusações foram veiculadas por sites de direita – coincidentemente sediados em Curitiba – com algumas informações obtidas diretamente do site da Receita Federal – e repercutidas em blogs da revista Veja, na fase mais expressiva do jornalismo-esgoto da revista e quando Barroso ensaiava alguns voos de independência jurídica.
A intenção política era óbvia. A notícia do site curitibano era encimada por uma foto do Ministro e pelos versos:
“Meu boi Barroso,
Meu boi Pitanga,
O teu lugar
É lá na canga”
Na canga do PT
Como uma pessoa tão frágil, que se desmancha em lágrimas devido às críticas recebidas por uma expressão descuidada, resistiria a uma campanha pesada, da mesma maneira de outras campanhas produzidas pela Lava Jato-mídia-blogs de direita, em que basta juntar registros comerciais, informações da Receita e algumas coincidências, para destruir uma pessoa?
Logo em seguida à divulgação dessas “denúncias”, Barroso votou pela prisão após condenação em segunda instância, tornou-se um templário implacável contra a corrupção e em defesa da flexibilização do estado de direito, o principal alimentador – por seu cargo de Ministro do Supremo – da sanha persecutória que tomou conta do país. O Barroso dos primeiros tempos, contra o clamor das ruas e da mídia, acabou.
Que ele tenha se atemorizado, desculpa-se: a maior ou menor resistência a pressões depende da têmpera de cada indivíduo. E, desde seus tempos de UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Barroso era reconhecido como o advogado brilhante, mas de têmpera frágil. Ministros como Marco Aurélio de Mello, Ricardo Lewandowski e o próprio Gilmar Mendes jamais se atemorizaram com tentativas de assassinato de reputação – ainda que Gilmar por razões distintas.
O que não se perdoa foi a maneira como negociou seu salvo-conduto. A fim de ser poupado dos ataques desqualificadores do macarthismo caboclo, optou por aliar-se aos vingadores, tornando-se seu principal avalista.
A história não o perdoará. E não será por conta do “negro de primeira classe”.