Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Denise Assis, jornalista e colunista de O Cafezinho
Prezado Michel,
Relutei muito antes de optar por esta forma de comunicação. Não queria, de jeito nenhum, ter que me dirigir a você dispensando-lhe o tratamento de V. Excelência. Não acho próprio, dado o atalho que escolheu para chegar lá. Mas já que chegou, esperávamos que o seu comportamento daí por diante fosse mais discreto do que o usado, por exemplo, nos tempos em que você transitava pelo Porto de Santos. Vejo, porém, que confiando nos seus aliados, tão indiciados quanto, suas práticas foram ficando cada vez menos cuidadosas, mais abusadas, porquanto insustentáveis. Daí, tomei da pena.
A atitude de receber um empresário que havia lhe prometido uma mesada para o resto da vida (sim, porque 20 anos para quem já passou dos 70, pode ser, sim, para o resto da vida) no “escurinho do cinema”, não deve ser escudada na desculpa de que a carne é fraca. Àquela altura a carne era forte e exportada para o mundo todo. Não havia, ainda, acontecido a operação comandada por aquela turma que quase tirou o Brasil do mapa da exportação de carne.
Erro de assessoria, Michel. Até entendo. Não deve ter muita gente, a esta altura, com competência e esclarecimento, querendo assessorá-lo. Daí você ter que lançar mão da segunda turma. Mas você é o chefe, Michel. Ao colocar essa nota na rua, deveria ter checado datas. Não é isto que você cobra dos seus antecessores? Que saibam de tudo, do Oiapoque ao Chuí? Que tivessem dominado todas as esferas de poder, que tivessem cuidado de todas as gavetas do Planalto? Então como é que você deixou essa informação rolar frouxa desse jeito?
Isto, depois de ter colocado os seus familiares dentro de um avião do mesmo empresário amigo, com direito a flores enviadas por sua delicada mãe, ou seja, serviço de bordo pra lá de personalizado. E depois, dizer que o avião era da FAB? Ora, Michel, será que vocês não notaram a diferença? A fragrância do vaporizador de ambiente no ar, o cartão assinado pela gentil senhora, a maciez do couro das poltronas, a decoração refinada? Ficou feio e transgressor admitir, em seguida que, sim, era o avião do “boi voador”.
Porém, Michel, o que realmente calou fundo em nossos corações traumatizados por anos de arbítrio, foi ver você lançar mão de meios ditatoriais, policialescos, truculentos, da escuta oficiosa, com o fim de denegrir a imagem daquele que detém informações trepidantes a seu respeito. Nem em filmes do Monty Python, parodiando repúblicas das bananas isto cairia bem no enredo.
Até porque, nos coloca a todos sob ameaça, e ainda embaralha e enfraquece a autonomia dos poderes, Michel. São eles o sustentáculo de uma democracia que a gente perdeu, mas que você, num jogo de faz de contas, tentava dissimular o sumiço. A continuar a se “equivocar” assim, irá ladeira abaixo, e não haverá Gilmar que lhe sustente, Michel. Troque já a sua assessoria, e comece a checar tudo o que for ganhar as ruas. Entendo que você esteja bem ocupado, tentando fazer “um agrado” a cada um dos 342 deputados de que precisa, para livrá-lo de um final melancólico, como é a destituição do poder.
Mas mentir é feio e enterrará de vez a sua já rota biografia. E abusar do poder para bisbilhotar os que atravessam o seu caminho, nos levará a começar a cobrar o resultado das investigações daquele avião. Lembra?