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A rua e o voto contra a ‘ascendência rentista no Estado’

Foto: Guerrilheiro do anoitecer Da Carta Maior Rua, voto e politização do desenvolvimento Por Saul Leblon O país é melhor do que a matilha que o tomou de assalto e mastiga seu futuro e sua esperança pelo pescoço. A equação do desenvolvimento é mais diversa, mais flexível, por certo mais criativa do que querem nos […]

3 comentários
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Foto: Guerrilheiro do anoitecer

Da Carta Maior

Rua, voto e politização do desenvolvimento

Por Saul Leblon

O país é melhor do que a matilha que o tomou de assalto e mastiga seu futuro e sua esperança pelo pescoço.

A equação do desenvolvimento é mais diversa, mais flexível, por certo mais criativa do que querem nos convencer o dinheiro, sua bancada, os jornalistas que incorporam os direitos sociais à pauta da ameaça aos livres mercados.

O ultimato conservador teme a amplitude da luta pelo desenvolvimento que transborda em soberania e justiça social.

Ela já produziu um Tiradentes, um Prestes, um Getúlio, um Juscelino, um Vargas, um Lula, um Stédile um Boulos e a Carta de 88 que os unifica.

A concordata de direitos sociais por vinte anos, conforme a PEC do Teto, ou para sempre –como ameaçam as reformas na Previdência e na CLT, omite alternativas fiscais sequer toleradas como reflexão pela mídia conservadora.

Há múltiplos de dezenas de bilhões de reais celibatários na economia dissociados de um direcionamento virtuoso.

Eles poderiam gerar as riquezas e serviços dos quais a sociedade carece, a partir de uma repactuação desenvolvimento com a equação tributária que ele requer.

Estudos do Senado brasileiro mostram que, em 2016, R$ 334 bilhões em lucros e dividendos foram apropriados por pessoas físicas das faixas de renda mais altas.

Sem qualquer tributação.

O governo do PSDB isentou esses ganhos em 1995 e assim permaneceram no ciclo de presidências progressistas.

A simples volta da tributação dos mesmos 15% injetaria R$ 60 bilhões por ano aos cofres públicos.

Não é pouco.

Por exemplo: estudos do BNDES divulgados pelo jornal Valor mostram que o déficit metroviário brasileiro é de cerca de 1.200 km.

Toda a malha disponível limita-se a 300 km, sendo a metade da existente na cidade de Xangai que fez 600 km de metrô nas últimas duas décadas.

Construir 1.200 kms de metrô custaria cerca de R$ 167 bilhões, segundo a CNT: ou menos de três anos da receita prevista com a taxação de 15% sobre lucros e dividendos.

Quatro anos desse imposto permitiria agregar à expansão metroviária uma teia de corredores expressos de ônibus e linhas de VLTs (veículos leves sobre trilhos).

O conjunto reduziria substancialmente os gargalos existentes e evitaria outros novos nos adensamentos metropolitanos onde vive a maioria dos brasileiros.

Matrizes equivalentes, de receitas vinculadas à superação de colapsos paralisantes, aguardam uma repactuação democrática do futuro que a população aspira.

A volta da CPMF com destinação exclusiva à saúde é a ilustração mais conhecida.

Extinta em 2007 pelo Congresso, uma represália do PSDB à reeleição de Lula em 2006, sua retomada com alíquota de 0,38% propiciaria investimentos adicionais da ordem de R$ 65 bilhões por ano.

Recursos públicos à saúde sofreram uma redução de 0,93% no Brasil entre 2013 e 2014.

Atingiram um total de R$ 290,3 bilhões. O valor per capita é 70% inferior à média dos países desenvolvidos.

Sobre esse piso insuficiente pretende-se agora aplicar um teto de gastos que congelará seu valor real por vinte anos.

Com uma contribuição de R$ 0,38 centavos em um cheque de R$ 100 reais, ou R$ 3,80 em um de R$ 1000,00 –apenas para exemplificar– o subfinanciamento seria revertido em aumento de 20% no orçamento do SUS.

Educação, pesquisa e tecnologia – essenciais a um ciclo sustentável de crescimento—tem igualmente opções de oxigênio extra.

A riqueza financeira empoçada na economia brasileira acumula escala suficiente para isso.

O país gastou no ano passado cerca de 7% do PIB no pagamento de juros da dívida pública.

Trata-se da 4ª maior carga desse tipo em uma lista de 183 países, segundo informa Mark Weisbrot , do Centro de Pesquisa Econômica e Política, de Washington (Folha 06/06/2017).

Contrapesos de corte de juros poderiam redirecionar múltiplos de dezenas de bilhões ao leito produtivo gerando investimentos, empregos, renda e receita adicional de impostos.

Não há justificativa técnica para a ‘singularidade’ brasileira.

A atividade econômica transita no plano inclinado desde a reeleição da Presidenta Dilma, em 2014.

Elite e empresariado deflagraram então uma espécie de greve branca do capital.

O investimento foi congelado. As demissões intensificadas.

A produção convive com níveis de ociosidade de até 50%, como no caso das fábricas de caminhões.

O consumo das famílias retrocede há nove trimestres seguidos.

O investimento em capacidade nova, a formação Bruta de Capital Fixo, exibe o menor nível em 15 anos.

A absorção de mão de obra –formal e informal— encontra-se no patamar mais baixo em 25 anos.

Desde o 2º trimestre de 2014, o PIB sofreu um tombo de 8%.

Por que uma locomotiva assim desprovida de vapor precisaria esfriar ainda mais a caldeira com juros reais seis pontos acima da inflação?

A ascendência rentista no Estado engessa a política econômica e espreme a receita tributária.

A carga fiscal recuou de 35% do PIB em 2008 para 33% agora, desmentindo os ‘patos’ da Fiesp, que explicam o baixo investimento pelo ‘impostômetro’ e clamam pelo ‘Estado mínimo’.

Trata-se de um esbulho da realidade.

A participação declinante da manufatura brasileira no PIB e no consumo, associada à anemia do investimento industrial, é obra antiga e suprapartidária.

A valorização do câmbio desde os anos 90, combinada a uma abertura comercial desastrada, barateou a importação e reservou ao capital fabril um confortável resort rentista.

O impostômetro é a impostura dos patos gordos cevados a juros.

Há espaço para ampliação de receita.

Mais que isso: ela é indispensável ao investimento público capaz de puxar o setor privado.

O Programa Popular de Emergência aponta outras frentes em que isso pode ser feito.

A revisão da tabela do IR, com um piso de isenção mais alto e taxação progressiva nas faixas de renda superior, é a menção recorrente.

Em exposição recente no Senado, a Secretaria da Receita Federal mostrou a impressionante concentração da riqueza tributável no cume –blindado– da pirâmide de renda.

Segundo a Receita Federal, em 2016 os 10% mais ricos tiveram 2,4 vezes mais renda que os 50% de contribuintes mais pobres.

Mas Piketty tem razão: a polarização está longe de se esgotar nesse retrato convencional.

Acima do céu existe o céu do céu.

O dado mais impressionante da Receita é que o extrato do 0,1% dos contribuintes detém 43% da renda do 1% mais rico.

Nesse píncaro, a renda mensal foi de R$ 135.103,00 em 2016.

Sobre esse teto recaiu a mesma alíquota máxima de 27,5% paga pelos assalariados com ganho a partir de R$4.700/ mês, ou cerca de R$ 56 mil/ano.

Mas é pior que isso.

Graças às isenções, a alíquota efetiva sobre a elite dos ricos limitou-se a 9% em 2016, ou 1/3 da tributação máxima, escandalosamente próximo dos 7,5% pagos pelo intervalo ganho mensal entre R$ 1900,00 a 2800,00.

A mesma distorção se repete na faixa seguinte do 0,9% (ganho mensal declarado de R$ 35 mil), alíquota efetiva de 12,4% –Inferior ao imposto de 15% cobrado de quem ganha isso por ano.

A encruzilhada brasileira não será resolvida apenas com um novo arranjo tributário, embora ele a condicione em grande medida.

O que se chama de ‘questão fiscal’, na verdade, sintetiza um feixe de conflitos de classe aguçados pelo esgotamento de um ciclo de expansão sem que a sociedade tenha pactuado o seguinte.

Não é contabilidade.

O idioma fiscal traduz a nitroglicerina política derramada nesses hiatos da luta pelo desenvolvimento.

O golpe parlamentar de maio de 2016 é um capítulo exclamativo desse conflito.

A demonização da agenda popular e de seus porta-vozes, outro.

Nos anos 60 ela subiu o degrau das cassações, chegou às prisões e partiu para a censura, a tortura e os assassinatos políticos.

Duas décadas de ditadura militar selaram a supremacia das escolhas ‘fiscais’ de uma minoria rica sobre as aspirações e urgências da população.

 Se não há como descongelar a base tributária, sobra o quê?

A purga da austeridade.

O sequestro do debate político pelo cativeiro do arrocho, se necessário da repressão violenta.

 Sendo mais complexa que isso, a encruzilhada do desenvolvimento trava a nação em uma crise desintegradora.

 A resistência dos sistemas políticos nacionais à transferência de fatias do privilégio aos fundos públicos está na origem de sucessivas rupturas políticas na América Latina.

 A carga tributária média na região é inferior a 20% do PIB.

 A da União Europeia atinge 40%; no Brasil, como observado, está abaixo de 33%.

 Mais de 50% da arrecadação regional é baseada em impostos indiretos, pagos de forma linear pela população, com efeito redistributivo regressivo.

 Na União Europeia, dá-se o oposto: mais de 40% da arrecadação provêm de impostos diretos.

 No Brasil, o imposto sobre o consumo (que pesa mais no bolso dos pobres) representa mais de 15% do total arrecadado.

 A taxação sobre o lucro líquido soma menos de 1,5% da receita.

 O modelo antissocial contamina o tecido econômico e político e calcifica carências seculares.

 Só pode subsistir nas crises de transição do desenvolvimento com a interdição das urnas ao povo.

 É esse malabarismo que se desenrola aos olhos de uma sociedade atônita com o regime político que a boicota.

 Acrobatas da democracia sem povo cruzam os ares a apregoar a ‘responsabilidade’ fiscal do Estado no neoliberalismo: tomar emprestado de quem deveria taxar, vigiar, punir, arrochar, assegurar o serviço de uma dívida pública opressiva.

 Ademais de romper a armadilha fiscal, inverter o jogo requer uma redefinição precisa dos motores dinâmicos que cuidarão de evitar novos gargalos de subfinanciamento público.

 As opções incluem o desafio de ultramodernizar a agricultura brasileira adaptando-a aos requisitos da sustentabilidade.

 E sofisticar a estratégia energética nacional, vincada no pré-sal, para torná-la um paradigma de excelência na transição da humanidade para as fontes limpas e renováveis.

 Sobretudo, porém, trata-se de extrair dessas vantagens comparativas seus impulsos industrializantes.

 Aqueles capazes de romper a inércia da produtividade e da geração da riqueza, em conformidade com os padrões da quarta revolução industrial no planeta.

 A política tributária conquistará assim um fôlego de consistência e escala indisponíveis hoje,na medida em que declina a fatia da receita proveniente da indústria de transformação (queda de 22% entre 2011 a 2016).

 O voto nascido de uma politização corajosa da agenda do desenvolvimento pode fazer isso: transformar a política fiscal na usina de futuro dos condenados ao passado do berço e da história.

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Luis Edmundo

Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.

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Comentários

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Carrie Coleman

12/06/2017 - 04h26

Nando Gaia

12/06/2017 - 01h16

Pelegada!!

Clá

11/06/2017 - 17h32

Maravilha de artigo, parabéns! Eu estou desanimada: não sei o que o campo social está esperando para tirar esses pulhas de Brasília. Vamos esperar implantarem todas as medidas ultra neoliberais que vão exterminar com o nosso futuro? Vamos esperar?


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