De acordo com os últimos dados do PIB, o Brasil vai retrocedendo para voltar a ser, cada vez mais, um país agrário…
Foto: Agência Brasil
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu, 1% apenas, mas o suficiente para o Globo, a Folha e o Estado de São Paulo amanhecerem hoje nas bancas, mais uma vez, com manchetes quase idênticas. Mas há as ressalvas, que nem a grande mídia consegue deixar de fazer com relação ao crescimento celebrado nas redes sociais pelo presidente Michel Temer como o “fim da recessão”.
Globo e Folha celebram efusivamente, o jornal carioca dizendo que “PIB tem 1a alta desde 2014”, e o diário paulista afirmando que “após dois anos de queda, PIB volta a subir no 1o trimestre”. No mesmo Globo, porém, como destacou Fernando Brito no Tijolaço, o analista econômico João Paulo Kupfer afirma que “há consenso de que o resultado se deveu a um excepcional desempenho do setor agropecuário, na esteira de uma safra recorde de grãos, combinado com o momento favorável dos preços internacionais de commodities, sobretudo as agrícolas, impulsionando exportações”.
E se no subtítulo de sua manchete o Globo também faz sua ressalva, dizendo que “avanço é puxado pela agropecuária e não garante que país saiu da recessão”, Kupfer completa afirmando que “é difícil encontrar, nesse resultado, o dedo da política econômica de Temer, concentrado até aqui quase exclusivamente em atender interesses capazes de contribuir para a aprovação das reformas prometidas aos aliados e em se manter no cargo”.
O Estadão já mostra que não é bem assim logo na manchete em que “PIB volta a crescer, mas crise política ameaça retomada”. No subtítulo, o jornal paulista diz que “governo comemorou resultado positivo de 1% no primeiro trimestre”, com o contraponto afirmando que “analistas, porém, pedem cautela”. Um deles, Celso Ming, diz na chamada de capa para sua coluna que “PIB reage, mas não passa firmeza”.
E no Valor, que não deu manchete sobre o PIB, a editora Denise Neumann mostrou em artigo que governo e mídia, quando celebram a alta do PIB, festejam apenas “o crescimento da agropecuária e da demanda externa (exportações)”, porque “a demanda interna — consumo das famílias e investimentos — continuou em queda e com resultados piores que os esperados”.
“O governo pode até comemorar o resultado, mas do ponto de vista de indicar uma recuperação doméstica, o PIB do primeiro trimestre foi pior do que o esperado”, conclui Neumann, no artigo que pode ser conferido, na íntegra, aí embaixo:
Um PIB sem demanda interna, ancorado na agropecuária
Por Denise Neumann, do Valor
O presidente Michel Temer e os ministros da área econômica vão comemorar o crescimento do Produto Interno Bruto de 1% no primeiro trimestre deste ano em relação ao último de 2016, descontados os fatores sazonais. Quando fizerem isso estarão, na verdade, festejando o crescimento da agropecuária e da demanda externa (exportações). A demanda interna — consumo das famílias e investimentos — continuou em queda e com resultados piores que os esperados.
Nas contas dos economistas ouvidos pelo Valor Data, o PIB cresceria, na média, 0,9% no primeiro trimestre de 2017 em relação ao quarto de 2016, na série com ajuste sazonal. Aqui, o crescimento registrado de 1% foi um pouco maior. Mas os economistas previam 9,4% de crescimento na agropecuária e o PIB trouxe uma alta de 13,4%. Na indústria, o resultado também foi melhor, de 0,9% ante uma previsão de 0,8%. O setor de serviços manteve-se estável, mas a expectativa era um crescimento de 0,3%.
É pelo lado da demanda que o PIB frustrou mais. Os economistas projetavam o primeiro aumento (de 0,4%) após oito trimestres consecutivos de queda no consumo das famílias. O IBGE indicou, contudo, uma nova retração, de 0,1%, adiando a recuperação. E no investimento o recuo foi muito mais profundo que o esperado. As estimativas indicavam uma queda pequena, de 0,3%, mas a realidade foi cruel e o dado foi negativo em 1,6%. Todas as comparações são do primeiro trimestre ante o último do ano passado, descontados os efeitos sazonais.
A demanda interna ainda fraca também fica clara nos dados do comércio, com retração de 0,6% sobre o final do ano passado.
Além do setor agropecuário, uma luz poderia ser enxergada nos dados do PIB industrial. Ele deve, contudo, estar relacionado com o aumento mais forte das exportações (onde também pesa, e muito, o desempenho do agronegócio) e, como se descolou do comportamento da demanda, sugere aumento de estoques. Se for verdade, o ajuste destes estoques deve conter a produção no segundo trimestre.
O governo pode até comemorar o resultado, mas do ponto de vista de indicar uma recuperação doméstica, o PIB do primeiro trimestre foi pior do que o esperado. E a crise política e a sinalização dada ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom) de que a trajetória de corte de juros tende a ser menos intensa que o projetado agem no sentido de atrasar ainda mais a boa notícia tão esperada.