Foto: STF/Divulgação
Por Luis Edmundo Araujo, editor do Cafezinho
“Supremo pode prejudicar combate à corrupção”. Esse é o título do editorial principal de hoje no Globo, que se bate, com todas as forças, por uma das “conquistas” deste estado de exceção. A prisão em segunda instância está ameaçada, avisa o editorial, que elege o culpado da vez: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
Mendes votara pela prisão em segunda instância, no apertado julgamento que terminou 6 x 5 e decretou o fim de um dos pilares do direito, o de que o réu é inocente até que se prove o contrário. Agora, estaria disposto a acatar sugestão de seu colega Dias Toffoli, para que o réu tenha ainda a chande de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) antes de ser preso.
Isso tiraria, por exemplo, boa parte da força do juiz Sergio Moro e dos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4) para prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com base em delações sem provas, barquinhos e pedalinhos.
A derrota da prisão em segunda instância reduziria também, consideravelmente, o pendor desesperado para as delações dos presos de Curitiba. E para mostrar o quanto isso seria terrível, o editorial de hoje do Globo, surpreendentemente, não fala uma vez sequer em lulopetismo.
Mas não deixa de citar Lula nem Dilma, claro que não. Ao falar da delação de Joesley Batista, da JBS, arrasadora com Michel Temer e Aécio Neves, o jornal dá seu jeito de incluir os dois petistas logo ali. Isso, lógico, sem avisar que as contas atribuídas a Lula e Dilma por Joesley não eram deles, o que provocou até desmentido no Jornal Nacional depois do alarde esperado.
“O Supremo precisa ser firme, ainda mais nesta hora,” diz o Globo convicto, falando na onipresente e genérica “luta contra a corrupção” de sempre, ao afirmar que não se pode “desarmar as primeiras instâncias do Judiciário e o MP”.
As armas do juiz e dos procuradores citados, como se sabe, são as prisões, geralmente sem provas, e as delações arrancadas de presos desesperados, prontos para falar o que eles quiserem. Essa é a força, esse é o poder que o Globo quer que continue com o juiz e com os procuradores que, durante todo esse tempo, nada julgaram nem denunciaram sobre um tal de Aécio.
Abaixo, a íntegra do editorial.
Enquanto o cenário político é tomado pela crise em torno do presidente Michel Temer, desfechada pela delação de Joesley Batista, do JBS, ressurgem ameaças à Lava-Jato, e a qualquer outra operação contra a corrupção. Não são assuntos desconexos — as ameaças e Temer —, porque o novo ataque ao trabalho da força-tarefa de Curitiba pode tirar força do Ministério Público e da Justiça para que levem denunciados a fechar acordos de delação —, sem os quais não se saberia hoje a que ponto chegou a associação de partidos políticos e empresários para desviar dinheiro público de estatais.
O novo risco vem da defesa feita pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes para que a Corte reexamine decisão reafirmada em outubro do ano passado, segundo a qual sentença confirmada em segunda instância pode começar a ser cumprida, enquanto recorre-se a instâncias superiores. Este voto vencedor — por seis a cinco — teve efeito vinculante, ou seja, precisa ser seguido por todos os tribunais.
Naquela ocasião, o ministro Dias Toffoli sugeriu que o réu ainda pudesse recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em liberdade, no caso de prisão. Ao ter rejeitado o recurso, em terceira instância, aí, sim, passaria a cumprir a pena.
Gilmar Mendes se diz agora convertido à proposta de Toffoli. Isso significa que, colocado o assunto novamente em votação, a tese de permitir mais um recurso aos condenados nas duas primeiras instâncias tem grandes chances de ser vencedora. Confirma-se, infelizmente, que as maquinações contra a Lava-Jato não estão apenas no Congresso, mas se infiltraram no Supremo. Consta, não se deve esquecer, que a possibilidade de prisão na rejeição de recurso na segunda instância teria convencido a cúpula da Odebrecht a fechar o acordo de delação premiada.
Um aspecto grave é que isso ocorre depois dos testemunhos de Joesley Batista que envolvem Michel Temer, a cúpula do PMDB, o presidente do PSDB, Aécio Neves, além de Lula e Dilma Rousseff. As delações da JBS e da Odebrecht atingem o núcleo do poder político, e, por isso, dão rara chance de haver de fato uma limpeza histórica na vida pública — se forem conjugadas a uma reforma política sensata. O Supremo precisa ser firme, ainda mais nesta hora, e não desarmar as primeiras instâncias do Judiciário e o MP nesta luta contra a corrupção, justo quando se aproximam julgamentos-chave na Lava-Jato. Para completar o estrangulamento da Lava-Jato, faltará apenas o relaxamento de prisões preventivas.
Cabe relembrar que um dos objetivos prioritários dos interessados em esvaziar a Lava-Jato tem sido afastar ao máximo a possibilidade de acusados de corrupção serem presos. O assunto foi levantado na conversa gravada pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com peemedebistas de primeira linha — Renan, Jucá, Eunício, Sarney — sobre como parar com as delações. Com o Congresso paralisado pela crise, restou o Supremo.