A Lava Jato e a destruição do Brasil

(Foto: Folha de São Paulo)

No Jornal GGN

A Lava Jato e a destruição institucional sem controle

por Ronaldo Bicalho

A Lava Jato é uma operação de investigação de corrupção e lavagem de dinheiro, reunindo Polícia Federal, Ministério Público Federal perante a Justiça Federal de Curitiba.
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No entanto, analisando a sua evolução ao longo do tempo é possível identificar determinados métodos e ações empregados pelas instituições e agentes envolvidos com essa operação que dão a ela uma amplitude que ultrapassa em muito as restritas dimensões afeitas ao combate à corrupção. Esses métodos e ações dão à operação um caráter de ferramenta política que opera fortalecendo determinadas posições políticas em detrimento de outras.

Essa seria uma situação que se enquadraria na definição de Lawfare (guerra jurídica), que abarca aqueles casos nos quais a lei é usada como arma na guerra política, caracterizando o uso ilegítimo da legislação em manobras jurídicas com a finalidade de causar danos a um adversário político.

Essa definição, porém, não consegue definir a natureza essencial da Lava jato. Aquela que explicita o elemento constitutivo central que estrutura e imprime lógica à sua operação e expansão.

Nesse sentido, para se ter o sentido exato do que seja a Lava Jato é preciso reconhecer que ela é essencialmente um mecanismo de geração de instabilidade institucional. Sua força reside na sua capacidade de criar e ampliar ameaças à estabilidade e, mais do que isso, ameaças à própria existência das instituições.

O poder da Lava Jato decorre do seu poder de destruição institucional. No limite, é da lógica constitutiva primeira da Lava Jato a destruição institucional. É dela que os agentes e instituições que a compõem retiram o seu poder. Nesse caso, maior destruição é sinônimo de maior poder.

Face a isto, será justamente a possibilidade de utilização dessa capacidade de destruição que irá governar o processo de adesão dos diversos atores à Lava Jato, transformando-a em um consórcio destrutivo que ao desestruturar as instituições introduz tamanha incerteza jurídica e econômica que, mais do que eliminar adversários políticos, elimina empresas, cadeias produtivas, renda e empregos, e, ao fim, grande parte da própria economia do país; gerando uma tal descoordenação político/institucional que fragmenta os próprios interesses reunidos em torno do bloco do poder.

O weberianismo messiânico dos procuradores prega a destruição da república atual para que no seu lugar seja erigida uma nova, livres dos pecados da corrupção. Esta busca por uma redentora refundação da república naturalmente candidata o Ministério Público a estar no centro do fenômeno Lava Jato. Para esses procuradores todos os custos da destruição institucional são plenamente compensados pelo advir desse novo país. Portanto, aqui não há limites de custos para se alcançar essa terra prometida.

Para levar a cabo esse esgarçamento de limites, é preciso agregar ao consórcio dois elementos chaves na evolução da Lava Jato: a mídia e o judiciário.

A possibilidade de ampliar e direcionar esse poder de destruição por intermédio da mediação entre os procuradores e a opinião pública, segundo os seus interesses políticos e econômicos mais imediatos, tornou a mídia o parceiro preferencial dos procuradores. A mídia brasileira, historicamente, sempre usou a sua capacidade de gerar e ampliar crises como moeda de troca na garantia dos seus privilégios. A Lava Jato deu a mídia, particularmente às organizações Globo, um poder de fogo que ela nunca havia tido anteriormente na história.

Pode-se afirmar que Mídia e Ministério Público constituem os sócios majoritários do consórcio da Lava Jato. Os demais foram aderindo em função dos seus interesses particulares. Sejam eles corporativos, econômicos ou partidários. Entre esses, o mais relevante é, sem dúvida, o judiciário. Para entender a função desse poder no desmonte das instituições brasileiras é fundamental compreender o mote principal da Lava Jato; aquele que lhe dá sentido, criando e estruturando toda a narrativa.

A destruição institucional da Lava Jato se ancora na criminalização indiscriminada, arbitrária e amplificada da relação entre as esferas pública e privada.

O ministério Público desempenha um papel chave na medida em que ele é que define inicialmente o âmbito da criminalização; ou seja, o que será criminalizado e os agentes públicos e privados alcançados por essa criminalização. O grau de arbitrariedade dessa definição e, portanto, do poder de quem a faz, depende da anuência do poder judiciário. É necessário que esse poder sancione em todas as suas instâncias essa arbitrariedade.

A figura do juiz de primeira instância desempenha uma função essencial na aprovação inicial da flexibilização legal do processo de criminalização. Porém, é necessário que essa cumplicidade atinja as esferas superiores da justiça.

Aqui, a mídia desempenha um papel crucial mediante a amplificação e publicização do processo de criminalização e a subsequente pressão, via opinião pública, sobre as instâncias superiores do judiciário para que sancionem as ações e procedimentos da Lava Jato; independentemente do grau de ilegalidade dessas ações e procedimentos. Essas pressões muitas vezes envolvem a criminalização de relações público/privadas que dizem respeito a juízes e desembargadores das instâncias superiores, incluindo, inclusive, a própria corte suprema.

Nesse contexto, a primeira instituição a ser desestruturada pela Lava Jato é o próprio poder judiciário através da completa perda de referência do papel do juiz e do papel regulador das instâncias superiores. Desse modo, a onda desestruturante que começa na primeira instância vai subindo a cadeia hierárquica até alcançar as cortes superiores.

Mais do que um sócio menor do consórcio, o judiciário se torna refém dos sócios majoritários; leia-se Mídia e Ministério Público. Daí, as enormes dificuldades em controlar a operação por intermédio da recuperação das prerrogativas de poder das instâncias superiores. Prerrogativas que essas mesmas instâncias transferiram – por medo, cumplicidade ou omissão – para os sócios principais.

Mesmos entre os sócios majoritários, a descoordenação institucional surge como marca indelével do processo.

Inicialmente, era possível observar que, de fato, o sócio principal não era o Ministério Público, mas a força tarefa de Curitiba; o outro sócio principal não era a Mídia, mas as organizações Globo. Nesse sentido, a Globo e a chamada “República de Curitiba” deteriam o controle da operação. Contudo, os acontecimentos envolvendo a delação da JBS demonstram que o processo é muito mais complexo do que aparenta. Dessa maneira, o Procurador Geral da República, tentando recuperar um protagonismo maior no jogo, em particular na sua própria sucessão, armou uma jogada aparentemente à revelia do núcleo central, pegando a própria Globo de surpresa.

A questão fundamental aqui é que o mecanismo de destruição depois de disparado se retroalimenta de forma a acelerar o processo. A expectativa de usar o mecanismo em proveito próprio, como foi no caso do PGR, torna o seu controle um processo praticamente impossível. O que importa é que o mecanismo dá poder a quem o usa. Esse poder baseia-se na capacidade de gerar instabilidade, insegurança, desconforto. Enfim, é a mesma lógica do exercício do terror pelas facções do tráfico em seus domínios. Portanto, a lógica desse processo complexo, que de forma impressionista poderia ser chamado de Lava Jato, é gerar incerteza, instabilidade e ameaças às instituições, de tal forma a chantageá-las, extorqui-las, achacá-las para obter privilégios, que em uma situação de normalidade institucional seriam muito mais difíceis de serem alcançados.

Nesse quadro, entende-se a tentativa dos empresários de se aproximar do judiciário para que este entregue aquilo que o Golpe não foi capaz de entregar: o fim da sangria da Lava Jato. Contudo, o desenrolar dos acontecimentos até agora não sancionam essa estratégia. Afinal, é da própria essência da Lava Jato rejeitar o controle das instâncias superiores. Aceitar esse controle seria colocar em risco a sobrevivência da própria operação e, por conseguinte, abrir mão de todo o poder que ela dá, transferindo-o para outros atores – leia-se o judiciário – que se encontram fora do consórcio básico.

A dificuldade maior dos empresários que se reuniram com a Ministra Cármen Lúcia no início de Maio em busca do apoio do Judiciário – leia-se STF – às suas demandas é que seu problema principal é a criminalização sem limites da relação público-privada operada pela Lava Jato. Essa criminalização é que está no centro do mecanismo de destruição que irá liquidar com a economia e, portanto, com muito deles. O Supremo já não controla esse processo há muito tempo. Não vai ser agora que irá fazê-lo.

O que Globo e MP podem entregar é mais instabilidade, mais incerteza e mais fragmentação. Em outras palavras, mais destruição do país. As instituições foram para o buraco e não têm nenhuma capacidade de controlar o processo. Diante disso, a única racionalidade que sustenta essa destruição é a daqueles interesses fora do país e dos seus sócios internos. Nessa altura do campeonato, Globo e MP são dois cavalos desembestados em direção a um desastre anunciado.

E para terminar um pequeno detalhe sobre a “clarividência” das nossas valorosas elites econômicas. Considerar que a Globo – afinal um representante das organizações estava na referida reunião – é uma aliada delas para protegê-las da tempestade é um enorme equívoco. A Globo – em conjunto com o MP – não é proteção para a tempestade, ela é a própria tempestade. É daí que ela sempre tirou o seu poder decisivo; da ameaça da tempestade, não da promessa da bonança.

Ronaldo Bicalho é engenheiro

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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