(Foto: Brazil Photo Press / Folhapress)
Andre Lozano observa que a gravação da conversa com Temer serviu como lição de como se faz uma investigação. Não bastam delações. É preciso provas. Ele comparou o caso à “conduta criminosa” de Sergio Moro quando vazou à Globo conversas da presidenta da república.
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No Justificando
Gravação da conversa por Joesley seguiu Código de Processo Penal e Constituição
Os desdobramentos das investigações e processos que estão atingindo os principais atores políticos brasileiros têm ocasionado diversas discussões de cunho jurídico, em especial de caráter processual penal. Infelizmente, Direito não é matéria obrigatória nos colégios brasileiros, de modo que a maior parte das discussões que há nos meios de comunicação ou nas mídias sociais são rasas e infrutíferas.
Quando se fala de provas a discussão acaba sendo, por vezes, infrutífera, pois muitos institutos não são claros sequer para quem é formado em direito, imagine-se para pessoas que nunca abriram um manual de Processo Penal. Isso faz com que o clima de “Fla-Flu” (já reinante nos dias atuais) seja exacerbado, com pessoas defendendo partidos e se esquecendo que por trás do processo deve reinar a técnica e o respeito às regras processuais.
As gravações realizadas por Joesley Batista, um dos donos da JBS, fazem parte de mais um episódio dessa disputa política, expondo um Senador de grande importância, Aécio Neves, e o próprio Presidente, Michel Temer. É impossível, diante da divulgação de gravações, não lembrar do caso ocorrido há pouco mais um ano, quando o juiz Sérgio Moro, de forma criminosa, forneceu à Rede Globo as conversas obtidas mediante a interceptação dos telefones do ex-Presidente Lula e de sua família, conversas que envolviam, inclusive, a Presidente à época, Dilma Rousseff.
A questão que vem à tona é: porque trato a divulgação das conversas obtidas mediante a quebra do sigilo telefônica como criminosas e não trato as gravações da mesma forma?
O primeiro ponto a ser analisado é quem está realizando a gravação em cada caso. Enquanto uma interceptação telefônica a gravação é realizada por um terceiro, alheio à conversa, na gravação ambiental o que ocorreu foi o registro de voz da conversa por um dos interlocutores. Esse é ponto fundamental, pois no primeiro caso estamos falando do caso de uma conversa em que os interlocutores têm expectativa de privacidade, acreditam que ninguém mais está inserido no diálogo.
Já no segundo caso há uma conversa em que um dos interlocutores faz a gravação, não há uma terceira pessoa envolvida, de modo que a expectativa de privacidade está intacta, pois não houve a intromissão ter um terceiro sem o conhecimento dos demais participantes da conversa[1].
Podem dizer que foi quebrada a expectativa de privacidade em ambos os casos. Mas o que se dá no caso da gravação por um dos interlocutores é que não se pode esperar privacidade absoluta de uma conversa. Qualquer um dos interlocutores poderia quebrar a expectativa de privacidade, por exemplo, contando para terceiros o conteúdo daquela conversa. Levando-se a questão para o enfoque processual, qualquer das partes poderia utilizar tal conversa como testemunho dos atos ali ocorridos. Nesse ponto não há diferença nenhuma se a gravação se deu via telefone ou via escuta ambiental, não havendo o envolvimento de terceira pessoa tem-se como válida a gravação, independente do cargo das pessoas envolvidas.
Nesse ponto chego a uma questão muito importante, pois o delator não é testemunha, a delação, diferente de prova, é meio de obtenção de prova. Isso significa que as palavras do delator desacompanhadas de outros elementos capazes de demonstrar a veracidade dos fatos narrados não vale absolutamente nada.
O delator é um criminoso confesso, busca perdão judicial ou redução de pena por meio da incriminação de outros membros do grupo criminoso, fará o que for preciso para se livrar ou atenuar sua pena, inclusive mentir. Caso seu depoimento valesse como prova, poderia incriminar pessoas que não tem participação nenhuma nos crimes investigados, sem que isso lhe acarretasse nenhum ônus. Por isso o depoimento do delator deve ser visto com ressalvas e, repita-se, somente pode ser validado se acompanhado de outras provas.
Uma vez que Joesley Batista fez um acordo de delação, seu depoimento desacompanhado de qualquer prova de nada valeria, por isso a importância das gravações ambientais. Certamente poderia narrar na audiência o teor da conversa, mas como ele poderia provar que aquelas palavras realmente foram ditas? A simples marcação de uma reunião na sua agenda certamente não serviria como prova de acusações tão sérias.
Outro ponto de vital importância, e é aí que reside o caráter criminoso da conduta de Sérgio Moro, foi a divulgação das conversas. Ainda que as gravações captadas por Joesley Batista não estejam protegidas legalmente, tomou-se todo o cuidado necessário para que sua divulgação não fosse capaz de macular o processo – lembrando-se que em casos dessa magnitude é preferível ter excesso de cautela – aguardando-se o aval do Ministro Edson Fachin para que tais escutas fossem divulgadas.
Já as escutas telefônicas jamais poderiam ser fornecidas aos meios de comunicação por qualquer pessoa, muito menos pelo juiz do processo, isso porque a Lei 9.296/1996, em seu artigo 8º deixa claro que as gravações são sigilosas, sendo que o a privacidade é tão importante que a mesma lei, em seu art. 9º determina que as gravações que não interessarem ao processo deverão ser destruídas. Ou seja, tais gravações somente podem ser utilizadas no processo, nunca para mobilização política. A própria lei define como crime a divulgação das gravações telefônicas.
Não bastasse, Sérgio Moro ainda autorizou a divulgação de conversas telefônicas envolvendo a então Presidente, Dilma Rousseff, o que é inadmissível, uma vez que, tendo chegado ao seu conhecimento que havia gravações da Presidente os autos deveriam ter sido enviados imediatamente ao STF. Ainda que fosse aceitável a divulgação das escutas, não era um juiz de primeira instância competente para autorizar tal divulgação.
É evidente que crimes graves como os narrados na Operação Lava-Jato ou a cooptação de agentes públicos e de testemunhas com o conhecimento e aval do Presidente precisam ser investigados. Mas essa investigação deve ser feita dentro dos limites legais, respeitando-se as regras do jogo. Respeito entendimento contrário, desde que fundamentado juridicamente, mas ao meu ver o cuidado que tiveram com as gravações realizadas pelo dono da JBS devem servir de parâmetro para o restante das investigações envolvendo crimes de grande repercussão.
Há muito ouço de uma tia querida, “canja de galinha e precaução, não faz mal a ninguém”. Se houvesse mais precaução no processo penal brasileiro e certo que o fantasma da nulidade – que na esmagadora maioria dos casos é causada por agentes públicos – não pairaria sobre operações tão importantes para o combate à corrupção.
André Lozano Andrade é advogado criminalista especializado em direito e processo penal
[1] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 4ª ed. São Paulo. RT. 2016. p. 505; NICOLITT, André Luiz. Manual de processo penal. São Paulo. RT. p. 714