Gravação de Temer sem autorização do STF testará jurisprudência da corte
20 de maio de 2017, 7h28
Por Pedro Canário
O inquérito aberto para investigar o presidente Michel Temer testará os limites da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre escuta ambiental clandestina. Os documentos, liberados pelo STF nesta sexta-feira (19/5), mostram que o presidente da República foi gravado sem autorização da corte, a quem compete autorizar investigações sobre autoridades.
Segundo a narração dos fatos feita pela Procuradoria-Geral da República, o empresário Joesley Batista, dono do frigorífico JBS, gravou por conta própria, em março deste ano, conversas com Temer, com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e com o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para dar início às negociações de um acordo de delação premiada. E só levou a informação à Procuradoria-Geral da República no mês seguinte.
“Se essa gravação do presidente, feita num ambiente privado, for reputada lícita, qualquer pessoa poderá grampear o Palácio do Planalto. Um funcionário não poderia ser demitido por justa causa se fizesse isso”, alerta o criminalista Andrei Zenkner Schmidt, professor de Processo Penal da PUC do Rio Grande do Sul.
“A gravação foi feita em ambiente doméstico, privado. E não estamos falando de uma privacidade qualquer, é a privacidade do presidente da República. É um sigilo qualificado que envolve inclusive questões de segurança nacional”, analisa o advogado.
Conforme disseram advogados consultados pela ConJur, o Supremo hoje entende ser possível a gravação clandestina feita por um interlocutor se ela for usada para defesa própria. Mas não permite a preparação de armadilhas para flagrar um dos interlocutores cometendo um crime. Muito menos para forçar o cometimento de um crime, como os criminalistas entendem que pode ter acontecido no caso da gravação de Temer.
“Não vejo problema na gravação em si. Como regra geral, gravar uma conversa sua é perfeitamente lícito”, diz o advogado Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo. “Outra coisa é armar uma situação para que o outro participante da conversa cometa um crime.”
Serrano chegou a aventar que Temer tivesse cometido o crime de prevaricação, já que foram relatados crimes na conversa e o presidente não os denunciou às autoridades. “Mas foi uma arapuca. Ele [Joesley] criou uma situação incriminante”, afirma. “Não foi uma conversa em que foram relatados crimes do passado. Joesley ligou para Temer, marcou hora e criou uma situação absolutamente constrangedora para o presidente. Forçou o cometimento de um crime por ele. Não se pode induzir ao crime.”
Zenkner afirma ainda que, do ponto de vista jurisprudencial, não há problema na gravação ambiental clandestina. Mas acredita que o debate tenha de se afastar dessas questões e começar do zero. “Jamais o STF analisou questão tão complexa, e isso recomenda que se evite, desde já, a retórica dos precedentes. É um caso peculiar que merece ser enfrentado com premissas distintas.”
Num recurso com repercussão geral reconhecida julgado em novembro de 2009, o Supremo autorizou a gravação ambiental feita por um dos interlocutores. Mas foi diferente da situação de Temer, diz Andrei Zenkner. O caso de 2009 era o de um réu que bateu boca com o juiz de seu processo e foi acusado de desacato. Ele havia gravado a audiência e usou o áudio para provar que não houve desacato. Mas no caso, explica o criminalista, foi uma solenidade pública, com presunção de publicidade.
Carta na manga
De acordo com o pedido de abertura de inquérito, Joesley foi até a PGR no dia 7 de abril deste ano com quatro arquivos de áudio. Um era a gravação de uma conversa que teve com Temer na garagem do Palácio do Jaburu, onde o presidente mora; dois eram conversas com Rocha Loures; e a última era uma ligação entre ele a Aécio. As conversas aconteceram em março.
Em todos os casos, as conversas foram iniciadas por Joesley. E todos os arquivos foram entregues à PGR como provas do cometimento de crimes por autoridades com prerrogativa de foro no Supremo. A expectativa do empresário era se livrar dos processos que correm contra ele na Justiça Federal assinando um acordo de delação premiada.
Na conversa com Temer, Joesley conta que paga mesada para um procurador da República mantê-lo informado e diz que nutre boas relações com o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) “todo mês”. O presidente fala pouco, apenas reage ao que Joesley fala e em dado momento diz “ótimo” depois de saber o que o empresário está fazendo para “dar conta” de seus processos.
Joesley é acusado de corrupção ativa e lavagem de dinheiro em inquéritos que investigam fraudes em contratos da Petrobras e de fundos de pensão de funcionários de estatais. Ele também é investigado por corrupção em contratos do BNDES.
Com a assinatura do acordo, já homologado pelo ministro Luiz Edson Fachin, a PGR se abstém de oferecer qualquer denúncia contra o empresário e nem se opõe a que ele more fora do Brasil. Em troca, ele deverá pagar multa de R$ 110 milhões. Ao todo, a JBS pagará R$ 225 milhões com o acordo.
Essa é outra diferença com a jurisprudência do Supremo, diz Andrei Zenkner. No caso de 2009, o STF deixou claro que a gravação por um dos interlocutores foi autorizada diante do estado de necessidade de um réu que, para se defender, precisou invadir a privacidade de alguém. “Não vejo estado de necessidade nem situação de perigo a amparar alguém que, para escapar de prisão resultante de obra sua, tente garantir um acordo de colaboração”, explica o criminalista.
Benefício com a própria torpeza
“Há um princípio do Direito norte-americano que diz que você não pode se beneficiar da sua própria torpeza. E esse cara se beneficiou”, exclama o jurista Lenio Streck, constitucionalista e professor de Processo Penal da UniSinos. “É o caso do neto que mata o avô para ficar com a herança. No caso americano, a Suprema Corte, em 1895, entendeu que, embora não houvesse lei que proibisse o neto de ficar com o dinheiro, havia o princípio do não benefício com a própria torpeza.”
Lenio se refere às movimentações de Joesley no mercado financeiro e as consequências do vazamento de sua delação ao jornal O Globo. Segundo o mesmo jornal, a JBS e o Grupo J&F, dono do frigorífico, fizeram uma grande operação de compra de dólares e de venda de ações no dia 17 de maio, horas antes de a delação ser divulgada.
A Comissão de Valores Mobiliários, agência reguladora do mercado de capitais, informou nesta sexta-feira (19/5) a abertura de cinco processos administrativos para investigar as movimentações das duas empresas na bolsa.
De acordo com reportagem do Valor Econômico, somente a operação financeira com o dólar pode ter resultado em ganhos de mais de US$ 1 bilhão. Houve valorização de 8,06% no preço do dólar em relação ao real na quinta-feira (18/5).
Ainda na quinta, a BM&F Bovespa, a bolsa de valores de São Paulo, recorreu ao chamado circuit breaker, quando as atividades são suspensas por causa de rápida maxidesvalorização. Segundo levantamento da consultoria Economatica, a BM&F Bovespa perdeu R$ 219 bilhões em valor de mercado na quinta.
“No Brasil, o neto ficou com a herança!”, resume Lenio Streck.
Clique aqui para ler o pedido de abertura de inquérito contra Temer, Aécio e Rocha Loures.
Clique aqui para ler o acordo de delação premiada de Joesley Batista e ler as transcrições dos depoimentos.
Geraldo Silva
28/05/2017 - 22h45
Estão brincando com a justiça e a opinião pública. Armaram porque conhecem o Temer. Falam em ¨organização criminosa¨. Existem crimes e crimes. Corrupção é crime, não se pode negar. Mas estes supostos empresários, são bandidos. Concordo com o César, tudo é política movida por interesses. Imaginem que o Temer fosse um bandido do quilate de seu delator, onde estaria o Brasil agora. Continuem brincando de justiça e conseguirão uma tragédia. Será que querem um suicídio, um assassinato ?…
César Augusto Martins
21/05/2017 - 21h48
Desde quando essa bagunça tem algo de jurídico? Até juiz da Mãos Limpas já falou que estaria preso se fizesse igual Dr Moro! Tudo é política movida por poder e dinheiro…
Zeco Zeco Gonsa
21/05/2017 - 16h00
Não concordo com a matéria, pois joga toda culpa e somente culpa o empresário; quando sabemos que no braZil os agente públicos são contumazes em oferecer vantagens em troca de favores$$$.
Adelson Green Rodrigues
21/05/2017 - 12h34
Diretas-já.
Márcio Fleury
21/05/2017 - 09h58
Nesse caso não foi interceptação telefônica, mas gravação ambiental feita pelo próprio envolvido. Do ponto de vista jurídico, há margem para discussão sobre a validade da prova, mas politicamente o governo Temer já era. Parece que ele quer usar essa brecha para negociar os termos da sua saída.
Ana Claudia Ferreira
21/05/2017 - 06h23
Engraçado como tem gente defendendo o indefensável. Conversinha ao pé do ouvido as 22 hs com investigado de pagar propina é normal????????? O pior cego é aquele que não quer ver. A conversa foi de pura cumplicidade e intimidade. Ninguém aqui é idiota em acreditar na santidade do Temer. Todos já sabiam da sua falta de ética. Hj existe provas e contra provas não há argumentos. Só tem algo dentro de mim que me deixa com a pulga atrás da orelha. O quê a GLOBO irá ganhar com isso????????? Não acredito que uma das maiores manipuladoras de informações de uma hora para outra regenerou-se. Eu acho que tem algo muito sórdido por trás das reportagens. Eles fizeram um acordo para tirar a Dilma e agora fizeram outro para tirar o Temer. Eu acho que tudo tem haver com as reformas. A mídia golpista está fazendo horrores para fazer as reformas passarem. E o Temer talvez não tenha força política e os canalhas se uniram e fizeram aliança. Isso não isenta a culpa do presidente. Pra mim ladrão é tudo igual. Não tenho ladrão de estimação e nem sou fã de político ladrão. Não caio nessa de direita X esquerda. Mais que tem caroço de baixo desse angu. Aí tem…….
Aurora Conor
20/05/2017 - 20h12
Que dias atrozes estamos vivendo…
Que situação horripilante !
Jaide
20/05/2017 - 19h21
Miguel,
O tal do Joesley não gravou uma conversa de terceiros. Ele gravou uma conversa dele com o Temer.
É uma situação diferente de alguém, clandestinamente, gravar conversas de autoridades sem delas ter participado, não?
ilma cordeiro de macedo
20/05/2017 - 18h05
Quando grampearam Lula e Dilma valeu.Fizeram a maior covardia com o Brasil. Agora não vale?
Marilene Flores
20/05/2017 - 20h58
nilson vieira
20/05/2017 - 16h55
O golpe está se livrando dos elementos políticos usados para
implementar a vontade rentista!!
O discurso agora é, segue a lei!
Mival Furtado Costa
20/05/2017 - 19h47
A esquerda já tá querendo deslegitimar as gravações, que de fato são ilegais, óbvio. Mas não fazem isso por respeitarem a democracia, mas sim pq tá ficando cada vez mais estranha toda essa história. A Globo apostando tudo pra derrubar o Temer, levando em conta uma gravação cada vez mais desacreditada, que segundo o próprio Lauro Jardim contou no programa do Bial, eles já estavam em posse a semanas… daí a própria Globo tenta provar a veracidade das gravações pq o cara tava ouvindo a CBN (da própria Globo) no carro, e os horários coincidiram, quando poderiam fazer a coisa mais óbvia e segura do mundo: periciar a gravação. É duvidar muito da capacidade de raciocínio das pessoas. Nenhuma defesa aqui ao Temer, particularmente acredito que ela seja bem corrupto sim. Mas essa história não tá batendo de jeito nenhum
Luiz Pereira
20/05/2017 - 18h04
Suponho que a razão da postura da Globo é porque o Temer já perdeu a possibilidade de aprovar as Reformas, no cálculo deles se as Reformas não forem aprovadas até o ano eleitoral vão para o brejo, já que nenhum candidato vai se eleger defendendo reformas impopulares. O tempo tá passando e Temer agora é mais um obstáculo do que um avanço no projeto deles. Então se esforçam para o sujeito cair logo de uma vez e o Rodrigo Maia, ou quem for eleito pelas eleições indiretas, tocar as Reformas o mais rápido possível. Mas não tenho bola de cristal, é só o que me parece possível.
Alice Pasquinelli
20/05/2017 - 19h47
Briga no ninho… o delicia!!!!!
Symon ML
20/05/2017 - 19h42
Cara, para de botar cocaína dentro desse café, meodeos.
Roberto Oliveira
20/05/2017 - 19h28
A gravação da Dilma pode???
Alex Amaz
20/05/2017 - 19h25
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/19/fachin-diz-que-gravacoes-de-delator-da-jbs-nao-sao-ilegais/