Por Miguel do Rosário
Demorei vários dias para escrever sobre o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro porque entendi, assim que terminei de assistir as quatro horas de gravação, que estava diante não apenas de um fato de forte impacto na luta política presente, mas também de uma situação com potencial de se tornar símbolo de toda uma era.
Então eu peguei um clássico autor anarquista, Pedro Kropotkin, para me inspirar um pouco.
“Abaixo os juízes!”, assim encerra Kropotkin o seu ensaio Lei e Autoridade, no qual defende que “o primeiro dever de uma revolução é fazer uma fogueira com todas as leis que existem e com todos os títulos de propriedade”.
Hoje em dia não acredito mais no anarquismo, que considero utópico demais para meus gostos, mas seu ceticismo em relação à lei veio-me em boa hora, porque após tantos anos lutando contra conspirações judiciais, tornei-me quase um blogueiro (arg!) jurídico.
Não abandonemos ainda o Kroptokin. É ele que lembra, no mesmo texto, que as leis menos ruins são aquelas que servem para abolir leis anteriores, e menciona algumas leis liberais que tanto entusiasmo trouxeram às classes médias europeias: eleição de juízes e direito do cidadão processar um funcionário público. Kropotkin cita esses dois pontos, atribuindo-os a uma invenção do “liberalismo moderno”, com indisfarçada condescendência, visto que os considera inúteis, já que ele quer mesmo é a abolição de todas as leis. O autor observa ainda que essas “modernizações” seriam apenas um esforço da burguesia de resgatar liberdades de que as cidades medievais gozavam no século XII, antes dos juristas e juízes assumirem o poder e criarem um regime baseado num Estado quase terrorista do ponto-de-vista penal, com uso de horrorosos métodos de tortura e castigo.
E aí ele descreve a figura do juiz moderno, “despido de todo sentimento que faça honra à natureza humana, vivendo como um visionário num mundo de ficções legais, recreando-se em administrar prisões e morte, sem suspeitar, na fria maldade de sua loucura, do abismo de degradação em que caiu aos olhos daqueles que hão de sofrer o peso de sua condenação”.
Não lhes parece uma descrição maravilhosa, vívida, de Sergio Moro?
Eu também achei sumamente divertidas essas passagens de Kropotkin, porque os nossos liberais, que viviam falando em reduzir o poder do Estado, agora estão todos ao lado do Estado judicialesco do Brasil, que é o Estado menos liberal, mais autoritário, o Estado mais puramente estatal que se possa imaginar, porque distante de qualquer controle democrático e que vê a si mesmo como um poder intocável, um poder perfeito, absoluto.
O ministro Luis Roberto Barroso, do STF, a quem chamamos carinhosamente de “príncipe do Estado de Exceção” é um exemplo desse liberal às avessas, tão comum na história brasileira. Ao mesmo tempo em que fecha os olhos para um recrudescimento sem precedentes da repressão policial e da partidarização da justiça, ele flana por aí ressaltando o papel “iluminista” do judiciário. Ou então fala, após apoiar uma reforma da previdência que só penaliza os pobres, ou publicar um artigo defendendo a privatização do ensino superior, que a nova missão do judiciário é “refundar o país”…
Alguém deveria lembrar a Barroso que o judiciário, em momento algum da história da humanidade, representou outro papel a não ser o de porta-voz do autoritarismo e da violência estatal. Durante séculos, os juízes europeus exerceram o papel de sádicos e torturadores. Aliás, o jurista italiano Luigi Ferrajoli denunciou Sergio Moro como um juiz da Inquisição. Como a crítica não apareceu na Globo, as nossas cortes superiores fingiram que não existiu. A única realidade que existe, para a elite brasileira, é a que aparece no Jornal Nacional.
Talvez entre os antigos atenienses, na fase mais radical de sua democracia, tenha existido juízes menos retrógrados: para que isso ocorresse, todavia, o processo de seleção de juízes teve de ser democratizado. Os juízes atenienses eram escolhidos por sorteio (eles consideravam o processo eleitoral muito elitista) e os cargos duravam apenas um ano. Encerrada sua função, os juízes eram por sua vez julgados – severamente – por seus atos. Se seus pares achassem que alguma decisão tomada por eles tinha sido injusta ou excessiva, eles eram punidos imediatamente.
Mas não precisamos ir tão longe em nossa análise. Eu queria trazer aqui um autor moderno, o qual já andamos citando no Cafezinho: Otto Kirchheimer, autor do livro Political Justice: The use of legal procedures for political ends (Justiça Política: o uso de procedimentos jurídicos com objetivos políticos).
Esse é um clássico que elegi como um de meus livros de cabeceira, ao menos enquanto formos vítimas, no Brasil, dessas odiosas conspirações midiático-judiciais.
Kirchheimer entende a justiça política como aquela em que tanto o réu como juiz tem objetivos políticos além da questão estritamente jurídica do processo.
Logo no início de seu livro, o autor lembra que boa parte dos juristas estão sempre “querendo negar que exista tal coisa como um julgamento político; dizer que exista tal coisa, e que acontece com frequência, trazendo consequências graves à sociedade, aos olhos desses homens puros da Lei Imaculada, equivale a questionar a integridade das cortes, e a própria moral da profissão do Direito”.
Entretanto, Kirchheimer explica que essa (falsa) aparência de neutralidade e imparcialidade do judiciário é, exatamente, a razão pela qual o processo penal tornou-se uma arma política tão eficaz.
É justamente o que observamos com a Lava Jato. A operação é sustentada, e o próprio juiz responsável por ela já o confessou que o faz deliberadamente, por uma narrativa midiática. O papel da imprensa na Lava Jato sempre foi essencial, e por isso mesmo a Lava Jato, para obter resultados, precisa aparecer, junto à opinião pública, como uma operação puramente técnica, apartidária e imparcial.
A estratégia não é nova. Kirchheimer observa que a República de Weimar, o regime que antecedeu o nazismo, foi vitimada por um judiciário muito parecido com o que estamos assistindo agora.
“A república de Weimar oferece o exemplo oposto [ao da França, onde a política tinha preponderância exagerada sobre o judiciário, na opinião do autor] e igualmente pernicioso espetáculo de um rápido crescimento de um aparato de justiça semi-independente, intimamente vinculado à Procuradoria Geral da República e à Suprema Corte. (…) esses profissionais do Direito, sob a máscara da neutralidade e livres de qualquer interferência externa desenvolveram, decididamente, critérios partidários próprios na condução de seus departamentos”.
E aí o autor explica como o judiciário alemão teve participação ativa na construção do ambiente que levou o país a submergir nos horrores do nazismo.
“A maioria dos juízes alemães deu suporte ao governo contra os seus inimigos à esquerda, mas estabeleceu um padrão consistente de se recusar a pôr freios à direita. Durante os primeiros e críticos anos da república (1919-1923), isso consistiu principalmente na falta de vontade de tomar conhecimento da sedição direitista e planos para derrubar o governo à força; quando agitadores eram pegos, o judiciário os liberava, ou completamente, ou com sentenças ridículas, dando-lhes aposentadorias, cobrindo os traços de assassinos da direita, e limpando suas fichas.”
O autor nos conta ainda o caso de um procurador da Suprema Corte de Leipzig, Mr.Jorns, que não apenas fez vista grossa nas investigações contra os assassinos de Rosa Luxembourg e Karl Liebknecht, como os ajudou expressamente. Apesar de todas as evidências de que ele havia prevaricado e abusado de seu poder, a corte suprema alemã enviou o seu caso para um tribunal inferior, seguido de instruções detalhadas sobre como absolver o “colega”. E ele foi absolvido.
Algum tempo depois, Jorns será nomeado o primeiro presidente da Suprema Corte de Hitler.
Há um outro trecho do livro de Keichhmer que também reputo interessante para nossa discussão:
“Juízes serão vistos como partidários se eles proferirem duras sentenças penais contra um grupo político, e ao mesmo tempo aliviar a barra de outro grupo, talvez mais corrupto que o primeiro. Nenhuma questão será levantada, é claro, se a maioria da comunidade partilhar da inclinação do juiz de olhar o primeiro grupo como inimigos da ordem social, e o segundo apenas patriotas mal orientados, que escolheram os amigos errados.”
O trecho acima me lembrou muito o raciocínio de Merval Pereira, um dos porta-vozes da Lava Jato, e de todas as conspirações judiciais, na Globo: a corrupção do PT era muito mais maléfica do que a do PSDB, porque os petistas trabalhavam para se perpetuar no poder, enquanto os tucanos queriam apenas juntar um dinheiro extra.
Ayres Brito, que saiu do STF para assumir uma sinecura da Globo, cansou de defender a tese de que a corrupção do PT era algo intrinsicamente diabólico, por causa do famigerado desejo de se “perpetuar no poder”, uma acusação que jamais imprensa ou ministério público ou judiciário usou contra uma iniciativa tucana diretamente ligada à uma estratégia de “perpetuação no poder”, que foi o escândalo da reeleição de FHC.
Hoje FHC posa de santo, de figura ilibada, e ninguém mais lembra que foi ele o radical bolivariano que patrocinou, sem plebiscito, sem constituinte, a patranha de mudar as regras do jogo para si mesmo: instituindo uma reeleição da qual ele mesmo iria se beneficiar.
Nem Ministério Público, nem Polícia Federal, nem o STF, jamais pensou em prender todos os envolvidos naquela operação pela reeleição, e torturá-los com um, dois, três anos de prisão preventiva, ou ameaças de condenações medievais, de décadas de regime fechado, em troca de delações.
Outra história contada por Keichhmeier, e que igualmente me transportou para os dias de hoje, é o processo envolvendo o presidente da República de Weimar, Friedrich Ebert, do partido social-democrata.
É um dos melhores exemplos do uso da justiça para atacar um adversário político através de uma leitura enviesada do passado. A direita política de hoje, no Brasil, centrada na mídia e no próprio judiciário, está abusando dessa ferramenta. Através desse método, busca-se pintar os governos de Lula/Dilma não como aqueles que inauguraram instrumentos de transparência e combate à corrupção, que tiraram todas as estatais de um processo de sucateamento deliberado (porque visando privatizá-las), mas tão somente um partido que “roubava”. Quando um grupo – e isso também está no livro de Kirchheimer – não encontra um flanco político vulnerável em seu adversário, ou seja, quando ele não pode atacar no campo das ideias, então a judicialização é um método muito útil, porque ele não discute se a “causa” do adversário era nobre. O meu adversário tinha causas muito nobres, dirá aquele que usa a justiça política, e efetivamente adotou ações neste sentido, mas o fato é que ele “roubou”.
Não importa se as gestões na Petrobrás, na Caixa, no Banco do Brasil, no BNDES, foram espetacularmente democráticas e bem sucedidas, com cada uma dessas estatais crescendo como jamais haviam crescido em sua história, uma encontrando as maiores jazidas de petróleo descobertas nos últimos anos, outro ampliando financiamentos para pequenas, médias e grandes empresas a um nível jamais visto na história do crédito no país… Nada disso importa. O que importa é que havia corrupção! E o que importa não é exatamente combater a corrupção e sim produzir um espetáculo que corresponda a uma adaga no coração do meu adversário.
Voltando a história de Ebert, eu quase pude sentir o desespero do presidente social-democrata diante da manipulação judicial de um processo que o triturava politicamente, porque expunha todas as suas fragilidades e contradições. Imaginei que a atmosfera opressiva da Alemanha dos anos 20 deveria ter algumas semelhanças com o Brasil de hoje.
Aconteceu o seguinte. Durante uma visita pública a alguma obra do governo, um militante nazista xingou Ebert de “traidor”. Para um país que acabara de sofrer uma traumática derrota militar (I Guerra), a palavra devia ter um peso muito forte. Talvez Ebert não quisesse processar o militante, mas depois que um jornal nazista publicou o xingamento na capa, ele sentiu que deveria tomar a ofensiva e levou o caso ao tribunal.
A imprensa nazista acusava Ebert de ter sido um dos responsáveis pela derrota militar da Alemanha na I Guerra, porque ele teria participado de uma das greves gerais que os trabalhadores fizeram ao final do conflito, a partir de janeiro de 1918, que paralisaram as fábricas de armamentos e outros suprimentos.
Não era verdade. O partido social-democrata não havia apoiado essas greves, que pipocavam espontaneamente, sem orientação de sindicatos ou partidos, embora esses logo se unissem aos movimentos. No início de 1918, a situação da classe trabalhadora alemã era desesperadora e não havia mais como dar continuidade à guerra. Havia muitos debates na imprensa em defesa da paz. O partido social-democrata é convidado, pelo comitê de greve, a enviar um representante, que é o próprio Ebert. Essa participação de Ebert na greve é a base para as acusações nazistas de que ele teria sido um “traidor”.
Os dois juízes responsáveis pelo processo, e o governo perceberia isso apenas mais tarde, tinham forte afinidade com os nazistas, e trabalharam todo o tempo para ajudar o partido nacional socialista a usar o julgamento para atacar politicamente não apenas o presidente, como a própria república. Os nazistas trouxeram inúmeras testemunhas, a maioria com histórias falsas, para darem declarações contra Ebert e subsidiarem a imprensa nazista com manchetes sensacionalistas contra o governo social-democrata.
Ao cabo, o nazista difamador seria absolvido, por uma sentença em que os juízes dariam razão a ele, já que ficara “provado” que o presidente tinha, de fato, participado de greves que prejudicaram o desempenho militar da Alemanha.
Keichheimer observa que “durante os últimos anos da república de Weimar (1930-1932), quando a balança de poder estava pendendo rapidamente para a direita, o judiciário não viu nenhuma razão para mudar a sua jurisprudência política [que já vinha se inclinando à direita desde o início da república]. Entretanto, no mesmo momento em que esse movimento empurrava o judiciário a uma posição cada vez mais partidária, as mais altas autoridades judiciais do país cuidavam zelosamente para preservar o mito de sua imparcialidade política aos olhos da população.”
Isso não lembra o Brasil de hoje, com nossos orgulhosos ministros do STF se esforçando, cada vez mais, para transmitir à população a imagem de que as “instituições estão funcionando”?
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Para finalizar este post, eu gostaria de comentar um outro livro, do qual ouvi falar através de um artigo no livro Resistência ao Golpe 2016, e que comprei via Amazon: Towards Juristocracy (Em direção à Juristocracia), de Ran Hirschl. Esse livro é importante para contextualizarmos o que acontece no Brasil num cenário maior. As conspirações midiático-judiciais dão certo no Brasil porque elas estão inseridas numa tendência muito forte do capitalismo contemporâneo, de transferir poder de legislaturas e executivos para os tribunais, o que é um movimento atrativo às elites que gozam de melhor acesso e influência no judiciário. É a mesma tendência que leva o capital a transferir poder para burocracias “técnicas” que exercem papel central na administração do Estado, como as que comandam os bancos centrais. O grande capital tem se tornado cada vez mais hostil à democracia, vista como um risco, um motivo de instabilidade e, sobretudo, como um estorvo ao esforço de transformar o mundo num grande banco privado.
Essa transferência de poder da classe política para uma elite judicial é defendida por setores da própria política, sobretudo quando querem implementar medidas que serão mais facilmente aceitas se impostas por uma burocracia supostamente técnica e imparcial, como o judiciário.
Entretanto, alerta o autor, “uma vez conferida toda essa autoridade ao judiciário, há o risco de que os tribunais se transformem num monstro de Frankenstein: corporações judiciais imprevisíveis e autônomas cujas decisões contrariem os interesses e as expectativas dos grupos políticos que as defenderam”.
Por outro lado, Hirschl entende que os tribunais dificilmente se posicionam, por muito tempo, contra o establishment. As elites políticas que patrocinam essa migração de poder para o judiciário, esvaziando legislativo e executivo, geralmente estão confiantes de que possuem os instrumentos que lhes permitam controlar o monstro.
No Brasil, é fácil identificar a maneira pela qual a elite poderá controlar o frankestein judicial: através da mídia, cuja concentração em poucas famílias garante à mesma elite um poder excepcional de pressão sobre o espírito dos juízes.
No depoimento de Lula a Sergio Moro testemunhamos, portanto, um momento determinante na história mundial das democracias.
De um lado, um homem, tendo a seu lado uma parte importante da população. Do outro, a máquina do Estado e da mídia, com todos os seus instrumentos de controle da narrativa.
Os últimos movimentos da crise política já deixaram claro, por exemplo, que estamos vivendo uma espécie de rebelião judicial fascista. É um movimento inaugurado pela própria Lava Jato, em 2014, e foi ele que levou ao golpe. As ações parlamentares foram inteiramente articuladas de fora do parlamento, através de pressões midiáticas e judiciais, seguindo uma agenda política meticulosa, que levaram ao impeachment.
Essa agenda permanece. Evidentemente, as ações de um Fachin, derrubando o sigilo dos vídeos de João Santana e Mônica Moura exatamente um dia após o depoimento de Lula, visavam produzir um contra-ataque semiótico ao que havia sido uma vitória narrativa do ex-presidente. A mesma coisa vale para o sequestro de 37 funcionários do BNDES, ordenado pelo mesmo juiz que mandou fechar o instituto Lula. Foram decisões tomadas como resposta ao depoimento de Lula.
Após três anos de operação, a agenda política da Lava Jato e de seus apoiadores ficou evidente. Ela usa as delações para controlar a narrativa e produzir a atmosfera política que lhe interessa, visando a próxima etapa.
Os advogados do ex-presidente Lula lhe aconselharam a não viajar à Suécia, onde ele participaria, nos próximos dias, de um encontro com parlamentares, para denunciar a perseguição de que é vítima. Disseram que o momento seria inadequado, porque Sergio Moro está, mais que nunca, com sangue nos olhos para expedir uma ordem de prisão.
Alguns agora falam até na possível prisão da presidenta Dilma, com base em provas forjadas na delação de Mônica Moura.
Enquanto a mídia organiza o circo romano da Lava Jato, distraindo o público, o Executivo faz a sua parte, acelerando reformas antissociais que jamais foram alvo de debate durante eleições.
O jogo é todo combinado.
De um lado, a máquina do Estado, liderada por autócratas frios, inconscientes de sua própria loucura e maldade, apoiados por uma massa de zumbis acéfalos produzidos por anos de violenta manipulação midiática.
De outro, a população brasileira, vulnerável, fragilizada, sem mídia, sem justiça, sem governo, assistindo, perplexa, os novos donos do poder humilharem cada vez mais seus representantes, ameaçando-os à luz do dia com delações e prisões de longo prazo, e avançarem, qual vampiros, sobre direitos sociais e individuais consolidados desde a década de 30.
A tortura moral e psicológica que a Lava Jato (mídia + judiciário) inflinge à sociedade brasileira não encontra paralelo em nossa história.
A campanha de difamação de Getúlio Vargas durou apenas um mês e conseguiu levar um político experiente ao suicídio. A Lava Jato dura três anos e, mesmo tendo sido responsável pela mais rápida, devastadora e abrangente destruição econômica já vista em qualquer país que não vive uma guerra, continua sendo defendida pela mídia e por seus operadores.
Alguns setores conservadores da política já temem a Lava Jato porque entenderam que os instrumentos de controle não estão em suas mãos. Apenas a Globo pode controlar a Lava Jato. Em dois ou três editoriais, a Globo pressionaria os tribunais a imporem um freio na operação, mas os Marinho representam interesses muito distantes de um PSDB, de uma empreiteira, ou mesmo de um banco privado nacional.
Os Marinho, quando trocaram sua dívida por bonds em 2005, em três lotes monstruosos, um de 325, outro de 300, outro de 200 milhões de dólares, tornaram-se ainda mais ligados aos interesses corporativos imperialistas. Os donos desses bonds de US$ 825 milhões da Globo são fundos internacionais, alguns dos quais, como a Brookfield, estão comprando a Petrobrás e a Odebrecht. Com a crise que arrasa o Brasil, o preço de todos os nossos ativos está ficando cada vez mais baixo.
Sergio Moro, em palestras, já deixou claro qual é o objetivo: preparar o Brasil para investidores estrangeiros, que viriam em “3, 4 ou 10 anos”. Rodrigo Janot completou o raciocínio em Davos, ao dizer que a Lava Jato é “pró-mercado”.
Evidentemente, porém, ambos estão completamente loucos. Ninguém, em sã consciência, destrói o seu país para melhor vendê-lo mais tarde. Estamos falando, afinal, de uma população de 206 milhões de pessoas, com dezenas de milhões de crianças que precisam comer e estudar e serem tratadas por médicos agora, e não daqui a 10 anos. E que tipo de empresário investirá num país destruído, instável politicamente, com suas instituições jurídicas completamente tomadas de loucura autocrática, com uma sociedade adoecida pelo monopólio midiático, vítima de frequentes e crescentes erupções fascistas?