Mais uma vez eu apelo ao historiador futuro.
Não tenho muitas esperanças na “opinião pública” brasileira. Ela está exposta demais ao massacre diário de distorções, para poder se defender e se posicionar de maneira serena e desapaixonada sobre os fatos.
Mas o tempo da política é dinâmico. As paixões irão se arrefecer, e as mentiras de hoje, marteladas como verdades irrefutáveis pelos donos do poder, e defendidas com uma violência simbólica da qual é muito difícil escapar, serão todas desmascaradas em seu devido tempo, ou então perderão a maior parte de sua força.
A “delação” de João Santana e Mônica Moura é mais um capítulo da Inquisição brasileira, conforme denunciou um dos maiores juristas do mundo, Luigi Ferrajoli* (prezados advogados do Lula, leiam nota ao final do post). O conjunto de informações, que alguns dizer ser “demolidor” para Dilma ou Lula, pode ser divididos em três partes: uma delas são fofocas, uma outra são mentiras, uma terceira são cretinices.
Comecemos pelas cretinices: a questão epistemológica do “eu sabia”. Esse é o tipo de acusação típica do fanatismo de burocratas que não apenas desconhecem a dinâmica das campanhas políticas, como parecem odiar a política. O mais honesto secretário de segurança de um estado também “sabe” que há corrupção policial, e se ele for diligente, fará de tudo para combatê-la, mas isso não significa que ele seja corrupto. O fato de saber, da mesma forma, não o fará abandonar o seu cargo, nem dar entrevistas diárias para esculhambar a polícia chamando-a de corrupta. Também não poderá dar início a procedimentos disciplinares que fujam às regras democráticas, sob o risco de paralisar a polícia e perder o seu próprio cargo, e não resolver em nada o problema da corrupção.
Caixa 2 é um problema, além disso, vinculado a falhas intrínsecas à legislação eleitoral. O professor Wanderley Guilherme dos Santos explica isso em seu último livro. O TSE autoriza a coligação de campanha, permite que partidos cedam seu tempo de tv para outros, mas bloqueia o compartilhamento financeiro de recursos. Não adianta vir de mimimi de promotor público, dizendo que não pode e não pode. A legislação é falha, e tem de ser modificada, porque a necessidade política sempre falará mais alto.
De qualquer forma, é uma acusação, além de cretina, idiota, porque emprenhada de subjetivismo.
A segunda parte das delações são fofocas ou a transformação de coisas insignificantes em atos criminosos. A questão de comunicação, por exemplo. A Lava Jato cria toda uma atmosfera de terrorismo, vazando conversas íntimas de qualquer um, fazendo com que todos se sintam inseguros acerca da comunicação de fatos sensíveis, e depois criminaliza a pessoa que tenta se comunicar sem ser espionada?
Ora, uma campanha eleitoral é cheia de segredos! As estratégias de campanha são obviamente ultrassigilosas! É óbvio que o candidato e seus marketeiros adotarão cuidados para se comunicar sem ser espionados por seus adversários!
A campanha nos EUA mostrou bem isso. Uma liderança do partido democrata, e a própria Hillaty Clinton, tiveram seus emails vazados. Os democratas depois culparam os “russos”, tentaram criar uma ridícula e anacrônica comoção nacionalóide dos americanos.
A terceira parte das delações são mentiras. João Santana era o marketeiro mais requisitado da América Latina. Taí outro crime da Lava Jato. Ela criminaliza o talento. Deixando o moralismo de lado, já que o moralismo não tem nada a ver com o capitalismo internacional, a riqueza das nações depende do talento de seus empresários, que pagam marketeiros políticos para ajudarem nas campanhas eleitorais de outros países. É o que os EUA sempre fizeram, no mundo inteiro. No Brasil, a gente prende o nosso melhor marketeiro, que conseguiu vitórias em vários países da América Central e África, para benefício de empresas brasileiras que tinham interesse nessas vitórias.
Quando foi preso, ou antes mesmo, João Santana e esposa explicaram que as contas no exterior que possuíam, eram para receber pagamentos de campanhas eleitorais que faziam em outros países. Era o lógico. Santana recebeu, em caixa 1, com as devidas notas fiscais, mais de R$ 60 milhões da campanha de Dilma Rousseff. A troco de que iria arriscar um negócio desse vulto com caixa 2?
E aí entra o método da Lava Jato. Seus procuradores, com anuência judicial, torturaram o casal Santana com ameaças de prisão perpétua, aplicaram-lhes a maior fiança quiçá já cobrada na história do Brasil a um cidadão, mais de R$ 30 milhões, que correspondia, aparentemente, a quase totalidade do dinheiro que o casal havia acumulado, em 30 anos de trabalho, e deixaram bem claro: prisão perpétua, aos moldes da aplicada em Marcos Valério, em Dirceu, etc, ou “confessar” exatamente o que os procuradores queriam ouvir, a saber, entrar no jogo sujo do golpe, e acusar Dilma, Lula e o PT.
Nenhuma “delação” se assemelha tantos aos processos de Moscou como essa de João Santana e esposa.
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* Prezados advogados do presidente Lula. O vídeo com o depoimento de Ferrajoli está com legendas erradas. Eu sei italiano. Já morei alguns meses na Itália, onde inclusive tive o privilégio de ler a íntegra do Inferno, de Dante, no original. Onde ele fala “Inquisizione”, Inquisição, vocês traduziram, sabe-se lá porque, para Impedimento. Impedimento, em italiano, é a mesma coisa que em português e se pronuncia da mesma forma. Confiram no minuto 4:19, do vídeo abaixo, e confiram que ele fala “Inquisizione”. Me parece evidente que o impacto da denúncia de Ferrajoli perde muita força por causa desse lamentável erro de tradução. Favor, refaçam essas legendas, porque esse depoimento tem um valor histórico imenso!
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PS: Leiam ainda a defesa de Dilma.
http://dilma.com.br/as-mentirosas-afirmacoes-de-joao-santana-e-monica-moura/