(“Fomos enganados!”)
Por Pedro Breier, colunista do Cafezinho
Imagine, estimada leitora e caro leitor, que José Dirceu tivesse sido solto pelo STF no auge da campanha pelo impeachment de Dilma Roussef, quando criticar a Lava Jato era coisa de bandido ou de petista (que na verdade são a mesma coisa para os democráticos cidadãos que cerram fileiras com a direita tosca).
Consigo até visualizar as reportagens consternadas naquela novela de péssima qualidade da Globo, o Jornal Nacional, pintando como vilões malvados os que votaram por libertar um dos chefes da quadrilha lulopetista. Sobraria até para o neo-petista Gilmar Mendes.
Quer dizer, é óbvio que Gilmar Mendes jamais votaria por libertar José Dirceu das masmorras de Curitiba naquela conjuntura. Juiz bom é assim: coloca os seus interesses partidários acima da análise da lei, quando necessário. Bom para o seu partido, é claro.
Pois a conjuntura mudou. Dilma caiu e o PT derreteu. Temer e o Congresso mantêm uma relação de noivos em lua de mel, onde o prato a ser comido à luz do luar, na beira da praia, são os direitos trabalhistas e previdenciários da população.
Agora há o medo explícito de que a Lava Jato atinja a galinha dos ovos de ouro da plutocracia, o PSDB. Os editoriais de hoje dos três principais jornais do país explicitam o freio que se deseja, agora, impor à Lava Jato, vulgo “estancar a sangria”.
O Globo foi o que mais tentou manter a pose.
Criticou o “açodamento do Ministério Público” por causa da acusação “juvenil” (palavra usada por Gilmar Mendes) contra Dirceu em cima do julgamento no STF e falou da necessidade de “contrapesos na execução judicial, para que os tribunais não sejam de exceção”. Mas também fez alguns afagos aos ex-heróis nacionais, falando em “esquema lulopetista” e defendendo a tortura como método de arrancar delações: “Sem ela (a prisão cautelar), ficam quase intransponíveis as resistências à delação premiada”. Nada surpreendente vindo da empresa que foi o sustentáculo midiático da ditadura militar.
O Estadão abandonou qualquer prurido e abraçou completamente o projeto salva tucano. Vejam se este trecho não é digno de um blog sujo:
A Lava Jato, porém, há muito tempo parece ter deixado de ser uma investigação policial. A operação parece prisioneira da presunção de que tem um papel a desempenhar no futuro da política e da Justiça no Brasil, razão pela qual qualquer ponderação que ponha em dúvida seus métodos e suas certezas será vista como manobra contra seu prosseguimento. O discurso messiânico de alguns de seus principais integrantes sugere que, para eles, todas as instituições do País estão apodrecidas, com exceção do Ministério Público. Em sua ânsia de sanear o País, a Lava Jato comete erros – e um deles deu um gostinho de vitória a José Dirceu, um dos personagens mais nefastos da história brasileira.
A Folha, por sua vez, demonstrou ser insuperável em matéria de cinismo. O trecho a seguir, se publicado antes do golpe, tornaria o jornal dos Frias inimigo mortal dos zumbis midiáticos:
Esta Folha tem por reiteradas vezes apontado o risco de que essa modalidade de encarceramento (prisão preventiva) sirva como forma de pressão abusiva para extorquir delações dos acusados, ou como instrumento persecutório a atender os reclamos, obviamente agudos, de uma opinião pública exausta de impunidade e arrogância.
Sem sinais de abrandamento no combate contra a corrupção, em boa hora o STF assume o papel de corrigir eventuais excessos.
Esta última frase é uma pérola. Enquanto os que lutam contra o Estado policial – como este blog – criticam os métodos ilegais e medievais da Lava Jato desde o seu início, os integrantes do oligopólio midiático o fazem somente quando isso lhes traz vantagem política. Se for para derrubar a democracia e colocar um governo amigo no poder, que se danem as prisões preventivas usadas como tortura.
Sem falsa modéstia, confirma-se a previsão deste colunista que vos escreve, feita em artigo publicado em fevereiro, com um pequeno erro temporal, já que não deu pra esperar a condenação do Lula:
A mídia familiar é aliada de primeira ordem da Lava Jato. Contudo, não pode prescindir dos seus políticos de estimação. Afinal, ainda há Executivo e Legislativo no Brasil.
Com o passar do tempo ficará cada vez mais difícil conciliar a narrativa explícita do “todo apoio à Lava Jato” com a disfarçada do “toda proteção aos políticos amigos”.
Eu apostaria em uma migração gradual da primeira para a segunda narrativa, depois que a Lava Jato já tiver coroado seu trabalho bandido com a provável condenação de Lula e consequente impedimento de sua candidatura em 2018.