Um ano do golpe parlamentar na Câmara Federal: algumas lições
Waldeck Carneiro*
No dia 17 de abril do corrente, completou-se o período de um ano, desde a materialização do golpe parlamentar na Câmara dos Deputados, votação decisiva no processo de impedimento que levou à deposição da presidenta legítima do Brasil, Dilma Vana Rousseff. Naquele domingo, 17 de abril de 2016, eu estava em Brasília, diretamente envolvido nas lutas contra o golpe, aturdido pela atmosfera política instável, mas também pela dura constatação de que aquela maioria de deputados(as) federais, que então preparava o golpe, integrara, até algumas semanas atrás, a base de sustentação do governo Dilma, além de ter cerrado fileiras na base parlamentar dos governos Lula. Aquela sessão de votação foi peripatética, com justificativas de voto as mais estapafúrdias, incluindo ode a um torturador. Um desastre! Não diria que foi um verdadeiro espetáculo circense, em respeito aos artistas do circo, mas a tentação é grande!
O golpe segue seu curso e já vem cobrando o seu preço exorbitante: entrega de nossas reservas de riqueza ao capital internacional; desconstrução de direitos sociais e trabalhistas; destinação prioritária do orçamento federal ao rentismo; pulverização das liberdades individuais e dos direitos fundamentais. Em suma, negação da Constituição de 1988, que jamais foi tolerada pelas elites econômicas nacionais. Hoje, qualquer observador atento, dotado de honestidade intelectual, sabe que a derrubada de Dilma não foi apenas um mero lance da disputa partidária travada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e seus aliados contra o Partido dos Trabalhadores (PT). O golpe tem como razões estruturais a necessidade de redefinir, no contexto brasileiro, os padrões de acumulação do capital nacional e transnacional, em plena crise internacional enfrentada pelo modo de produção capitalista. A essa crise do capitalismo associa-se uma crise mundial sem precedentes na política, na democracia representativa e na legitimidade do Estado, em seus diferentes níveis, o que inclusive abre veredas temerárias para pensamentos conservadores, reacionários e obscurantistas, até mesmo, em certos casos, com matriz nazifascista.
Porém, o golpe deve levar a esquerda brasileira, em especial o PT, a rever sua política de alianças. Não para se tornar uma agremiação sectária, mas para retomar a ideia tão elementar segundo a qual as alianças políticas devem ter lastro ideológico, programático, doutrinário. Sem isso, não passam de reunião oportunista de forças políticas, por vezes díspares, que até podem “estar juntas”, em determinada conjuntura meramente eleitoral, assim como podem, no momento seguinte, se transformar em implacáveis adversárias. Essa lição não pode ser olvidada pelos partidos do campo democrático-popular, notadamente o PT.
Na mesma linha, quando do retorno da esquerda ao governo da República, não poderemos mais nos acomodar a maiorias parlamentares artificiais como eixo da tão propalada governabilidade. Evidentemente, sempre será necessário manter diálogo republicano com o Congresso Nacional e atuar politicamente no sentido de compor uma maioria que seja capaz de sustentar o governo no parlamento, em função da identidade dessa base de sustentação com o programa eleito pelo voto popular. Contudo, será indispensável garantir a tal governabilidade a partir da interlocução com os movimentos sociais e populares, que deverão inclusive exercer saudável pressão cidadã sobre o parlamento, quando o governo lá enfrentar dificuldades para a aprovação de propostas que tenham nítido respaldo popular.
Em outras palavras, o golpe de Estado de 2016, estruturado na maioria do parlamento federal, nos veículos da grande mídia e em diversificados setores do Ministério Público e do Poder Judiciário, evidenciou, com clareza meridiana, que, no Brasil, governos democráticos e populares precisam construir padrões de governabilidade de novo tipo. Tais padrões não podem se limitar às instáveis maiorias formadas fisiologicamente no parlamento, ainda majoritariamente burguês, mas antes assegurar sustentação nos movimentos organizados da sociedade civil, a partir do diálogo transparente e da produção de consensos e sínteses históricas sobre as prioridades na implementação do programa governamental consagrado pelo sufrágio popular.
*Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF e Deputado Estadual (PT-RJ).