Por Pedro Breier, colunista do Cafezinho
A defesa de Lula listou 87 testemunhas para serem ouvidas em um dos três processos no qual o ex-presidente é réu na Lava Jato. Cabe ao juiz acolher ou não a oitiva (tomada do depoimento) das testemunhas, podendo vetar as que considerar desnecessárias.
Moro, entretanto, não age como um juiz, mas como sócio da acusação. Claramente embriagado pelo posto de salvador da nação a que foi alçado – a postagem de um vídeo no Facebook em que agradece o apoio da “quase totalidade” da população (para depois apagar todos os comentários críticos) é sintomática -, tomou mais uma decisão ilegal, midiática e esdrúxula:
Já que este julgador terá que ouvir 87 testemunhas da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, além de dezenas de outras, embora em menor número arroladas pelos demais acusados, fica consignado que será exigida a presença do acusado Luiz Inácio Lula da Silva nas audiências nas quais serão ouvidas as testemunhas arroladas por sua própria defesa, a fim prevenir a insistência na oitiva de testemunhas irrelevantes, impertinentes ou que poderiam ser substituídas
Não há base legal nenhuma para uma decisão que obrigue o réu a acompanhar os depoimentos das testemunhas. O jurista Aury Lopes Jr. comentou a última molecagem de Moro: “Réu em liberdade: comparece ou não na instrução, conforme o interesse e conveniência da defesa. É sujeito e não objeto do processo. Como já decidiu o STF em diversos julgados, estar presente ou não na audiência atende a interesse dele acusado”.
Há um momento histórico em que o réu era objeto do processo, e não sujeito. Trata-se da Idade Média.
Até o Século XII, na Europa, predominava o chamado sistema processual penal acusatório, modelo no qual há uma separação clara entre a acusação, a defesa e o julgador.
A partir do Concílio de Latrão, em 1.215, o sistema inquisitório, no qual o poder de acusar e julgar fica concentrado no mesmo órgão do Estado ou na mesma pessoa, domina o Velho Continente. De novo o professor Aury Lopes Jr.:
O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte mero objeto da investigação.
A Revolução Francesa e os valores iluministas trouxeram o modelo acusatório de volta. Concentrar o poder de acusar e julgar em uma só pessoa é obviamente uma covardia, uma relação desproporcional e autoritária entre o Estado, que detém o monopólio da força, e o indivíduo, seja ele Lula, eu ou você.
Sérgio Moro é juiz e acusador ao mesmo tempo. Protegido e incentivado pela mídia conservadora, faz troça da lei e do réu, como na decisão bizarra sobre as testemunhas indicadas por Lula.
O herói de Curitiba nos proporciona uma deprimente viagem no tempo, rumo ao passado sombrio da humanidade.