(Foto: Divulgação PDT)
O Cafezinho tem a honra de publicar abaixo, com exclusividade, uma das mais completas entrevistas já feitas, nos últimos meses, com Ciro Gomes, pré-candidato a presidência da república em 2018.
Ciro Gomes é categórico. Não participará de uma frente ampla e não tem personalidade para ser vice de ninguém
Por Denise Assis*, exclusivo para o Cafezinho
O ex-ministro Ciro Gomes tem dividido o seu cotidiano entre a sua base atual, a cidade de São Paulo – onde tem um filho de um ano e poucos meses e uma namorada – e Fortaleza. Ali a família Gomes se instalou, vinda de Pindamonhangaba, interior paulista, quando ele tinha cinco anos de idade. Costuma se encher de orgulho para lembrar – citando feitos e desfiando dados satisfatórios -, que Fortaleza é também a capital do Ceará, estado que governou.
Na verdade, Ciro tem vivido a bordo de aviões. Ou atravessando o país de ponta a ponta, falando aos quatro ventos, ou cruzando o Atlântico, para conferências sobre o atual cenário brasileiro, que ele aponta como “caótico. Tanto do ponto de vista econômico, quanto político”.
Aos 60 anos, a autoestima está a mil. A cabeça, parece ter ganhado alguns bites, e o discurso adquiriu um quê de suavidade, pontuado pelas asperezas de costume e muitos números e estatísticas. A sua tão propalada língua afiada, que tanto em 1998, quanto em 2002, o deixou longe da cadeira da presidência, quando concorreu pelo PPS, agora, em sua definição, é o seu principal instrumento de trabalho.
“Interessante que o que antes incomodava, era defeito para certas elites, agora começa a mudar, parece que está até contando a favor”, pontua, antes de embarcar rumo à capital paulista, de onde partiria para um périplo que incluirá palestras na Espanha (Barcelona), Lisboa, Coimbra e na renomada Sorbonne, em Paris. Antes, porém, falou ao Cafezinho, depois de uma gravação em estúdio, para o atual partido, o PDT, no subúrbio carioca de Bonsucesso.
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Cafezinho: O que se diz é que agora há uma grande rejeição aos políticos tradicionais. O que o senhor acha disto, estando com disposição de disputar a presidência em 2018?
Ciro Gomes: Isto não é fato. A grande questão é que o mundo acreditou numa ideologia de baixa qualidade, como se fosse ciência boa. E o neoliberalismo produziu isso aí. Eu não estou vendo esse colapso da política. Estou vendo é que a política tradicional entre os jovens está muito desmoralizada, mas a demanda por ideia está muito fecunda. O próprio debate extremista na França, o debate do Brexit, o debate extremista na Itália, e essa tensão que a imigração tem causado, tudo isto é muito fecundo, do ponto de vista de ideias. Estamos encerrando a idade média dos últimos 30 anos.
Cafezinho: A sua campanha será mais out sider, menos política?
Ciro Gomes: Não. Eu sou político. Eu sou contra o establishment brasileiro. Desde sempre. Mas um cara que foi ministro duas vezes, governador, prefeito, deputado federal e deputado estadual, não pode andar dizendo que não é político. Aliás, qualquer um que diga isto na política não passa de um farsante.
Cafezinho: O Dória, por exemplo?
Ciro Gomes: Isso é um farsante que não demora a se desmoralizar. Esse tipo farsesco o Cesar Maia fez aqui no Rio. Andar vestido de gari, ir para a rua, fazer a figura de um doidinho que pedia café numa farmácia, sempre com a câmera enquadrando, sempre com o cabelinho alinhado… Isto é um ciclo de populismo rasteiro, bobo, que acaba mal. E sempre acaba mal porque é marketing fuleiro, de curto prazo, de quem é deslumbrado com o poder. Daqui a pouco ele vai ouvir na rua: “vai trabalhar, vagabundo, deixa de palhaçada”. Eu já fui prefeito e é assim que o povo reage. Eu fui governador e o melhor avaliado. Ministro da Fazenda eu entrava aqui nos restaurantes no Rio de Janeiro e a palma comia. Sou político. Profissional.
Cafezinho: Qual o seu diagnóstico para o momento econômico do país?
Ciro Gomes: Eu estou correndo diariamente o país, conversando com as pessoas e fazendo um diagnóstico. Basicamente o Brasil de 1980 até cá, cresceu pífios 2% ao ano. Para um país de desenvolvimento retardatário como o nosso, que já cresceu 12%, 14, a 15% ao longo da década de 50, 60 e 70, alguma coisa errada aconteceu. E esse acontecimento é um colapso do velho modelo que nos trouxe do nada para ser a 15ª economia do mundo. E basicamente isso foi feito com uma intervenção neo-Keyneziana-topical, idealizada na Cepal, que era a ideia de industrializar o país por capitais públicos e, não existindo, fizeram o país se endividar externamente em nome de uma taxa de juros muito barata, ao longo dessas três décadas que nós crescemos mais do que a China.
Cafezinho: Mas o que nos levou ao desequilíbrio?
Ciro Gomes: Teve um momento de consumismo populista que permitiu toda essa demagogia que o Fernando Henrique fez e as distorções que ele produziu, porque ele também tem culpa. Depois, vem o Lula e é uma exceção, porque o Brasil, que tem um desequilíbrio estrutural nas suas contas com o estrangeiro, viveu em função da China um momento mágico único de super commodities. Preços caríssimos para os nossos produtos básicos. O minério de ferro nós estávamos vendendo a 190 dólares. O barril de petróleo, a 110 dólares. E assim, tudo o que a gente vende muito barato, passamos a vender muito caro. Em 2008 quebra o neoliberalismo, reflete na China, a China “desencomenda” do Brasil. E isso explode na mão da Dilma. Volta para o problema estrutural, que já tinha derrubado o Fernando Henrique. Engraçado o filme, como é igual. O Fernando Henrique manipulou o câmbio para se reeleger. Quando quebra, é na passagem para o Lula. Agora, com a Dilma quebra e houve uma desvalorização do câmbio a 42% em 60 dias. Ninguém sabe fazer uma simulação de política monetária, nos EUA, nos debates acadêmicos, para esconjurar uma inflação, com dólar, em 60 dias. Isto é um caso real no Brasil. Fica todo mundo lecionando baboseiras sem compreender as especificidades na nossa realidade.
Cafezinho: E por que somos tão singulares?
Ciro Gomes: Esses problemas se devem a três fatores. E no Brasil eles estão se agravando. O primeiro, em ordem de apresentação e gravidade é o seguinte: quarenta anos de juros reais acima consistentemente da rentabilidade média dos negócios, exauriu a capacidade de investimento privado no país. Você tem 300 das maiores empresas de capital aberto, que não realizaram no trimestre caixa para pagar a dívida vencida no período. Não sai coelho desse mato. Desenvolvimento não é conseqüência fatalista da conversa mole do Michel Temer, nem do Meirelles. Investimento privado, zero. O segundo fator é o setor público, completamente colapsado. Nós teremos um déficit primário, excluída a dívida nesse ano, se todos os planos do governo se cumprir, e não vão conseguir cumprir, de algo ao redor de R$ 150 bilhões. Isso significa 50 bilhões de euros. É muito dinheiro. De déficit primário. E nós temos ainda R$ 450 bilhões de juros, de serviço da dívida pública, para pagar esse ano. Ou seja, mais de 150 bilhões de euros, para um país que tem a vida que o Brasil tem. O Brasil terá o menor investimento da história, desde a Segunda Guerra Mundial. O investimento público será, se tudo for cumprido do que está orçado, e eu acredito que não será, algo em torno de 10% do PIB brasileiro, no serviço da dívida. E isso impacta nas contas externas.
Cafezinho: E qual o resultado prático?
Ciro Gomes: Não temos nenhuma política industrial, porque “satanizamos” a nossa própria experiência. Então o resultado prático é que nós criamos um ambiente em que se o país cresce, o desequilíbrio explode. E ao explodir, você tem o desequilíbrio da conta externa que desestabiliza a nossa moeda. Ao desestabilizar a moeda, como é um preço relativo que contamina todos os outros, e isto é muito simples de entender, você tem uma miragem de inflação. E o Fernando Henrique montou um esquema, que o Lula beatificou – a grife da esquerda -, que é puro lixo. Então você tem lá: o Brasil não tem trigo suficiente para o nosso consumo de pão e de pizza. E se eu precisava de dois reais para comprar um dólar de trigo, eu desvalorizo. De modo que eu vou precisar de quatro reais para comprar um dólar de trigo. Nesse caso o preço do pão e da pizza sobe. E isto é um preço relativo, é uma inflação de custo contaminada pelo dólar, numa economia ultra-sensível como a nossa. E assim, praticamente todos os preços são absolutamente sensíveis a câmbio, ao preço do dólar, como no mundo todo.
Cafezinho: E temos também o fator juro alto…
Ciro Gomes: Nós atiramos nessa trempe, o custo com a taxa de juros, o que é uma estupidez, porque o juro funciona como um fator dissuasório da inflação, mas quando você tem mais demanda do que oferta. O Brasil tem 34% da indústria instalada ociosa. Você tem muito menos demanda do que oferta. E aí você está botando taxa de juros para combater preço administrado pelo governo? A tarifa da energia elétrica a Dilma atualizou em 72% em São Paulo. Qual é o efeito da taxa de juros sob um decreto do governo? Percebe que é tudo um mecanismo habilitado pela retórica para transferir renda do setor que produz e trabalha, para o setor rentista. São 10 famílias abastadas que são donas do país. Donas da mídia, donas das campanhas, donas dos partidos políticos… Por isto é que eu sou tão satanizado.
Cafezinho: Fazendo um exercício de futurologia. Vamos supor que o senhor está eleito para governar o país. Qual seria, hoje, a sua primeira medida para mudar este cenário?
Ciro Gomes: Esta coisa é uma questão muito da exiguidade dos espaços jornalísticos. Não é assim que a vida funciona. O país precisa de um projeto nacional com começo meio e fim. Eu estou rabiscando esse projeto e o objetivo estratégico deve ser superar a miséria e a desigualdade. Nós ainda somos a maior miséria entre todas as economias organizadas do mundo. A fórmula de superar isto significa tomar decisão e crescer a economia. No Brasil o crescimento econômico é o efeito colateral dessa engenhoca que eles montaram. O câmbio flutuante, o superávit primário e a meta de inflação. E o que é uma meta de inflação? Isto tudo foi introduzido pelo expediente do Armínio Fraga numa madrugada, na casa do Fernando Henrique e virou ciência intocável. E quando você quer discutir o assunto, você está discutindo método, mas o cara vai dizer que eu estou querendo contemporizar com a inflação. Quando eu fui ministro da Fazenda vai ver a inflação: zero.
Cafezinho: E como enfrentar o problema da inflação, fora da fórmula do Armínio?
Ciro Gomes: Há métodos e métodos de enfrentar a inflação. No Brasil o BC aposta em taxas de juros em cima de inflação de custos, provocados por câmbio, e que é administrado pelo governo, apenas. E não se entende como os juros podem funcionar como fator dissuasório de demanda. No Brasil é tudo diferente dos manuais. Nós tivemos uma cultura de inflação de 30 anos e germinamos uma cultura de convivência com isso. Aqui, se o nosso povo quer comprar uma geladeira ou um forno de microondas, ele pouco está se lixando se está pagando duas vezes pelo mesmo objeto. O que interessa para ele é se a prestação cabe no mês dele. Então, a casa Bahia e o Ricardo Eletro, não são lojas de eletrodomésticos. São bancos, são financeiras. Eles ganham no juro, não é no lucro do que vendem. No Brasil você pega o cartão de crédito e vai comprar um remédio numa farmácia, gasta R$ 50,00 o cara te pergunta se você quer parcelar. Tenta comprar uma coisa em cinco vezes sem juros, no cartão, na Europa. Isto não existe em nenhum lugar do mundo e não há manual que explique isto. Esta é a grande questão que nós temos que resolver.
Cafezinho: Como organizar melhor a economia no Brasil?
Ciro Gomes: Fazer economia no Brasil significa você tomar uma decisão de realmente crescer e administrar o efeito colateral disto, os riscos, as oportunidades, as ameaças, etc. O caminho de crescer no Brasil também é flagrante. É estancar a desindustrialização e retomar o processo de crescimento. E o processo de desindustrialização também salta aos olhos por onde começar. São quatro setores, cada qual responsável por um quarto desse buraco, aí. Petróleo e gás, que o Brasil teima em exportar petróleo muito barato, e importar derivados em dólar, quando nós temos capacidade absoluta, de verticalizar toda a indústria do petróleo e gás aqui. Depois você tem o complexo industrial da saúde. Estamos gastando uma fábula. O governo federal gasta 17 bilhões de dólares, importando coisas que têm patente vencida. Depois você tem o complexo da defesa, em que gastamos uma fortuna. A mira dos nossos navios, nossos canhões, é com GPS americano. E quarto, o complexo industrial do agronegócio. Temos a maior agricultura tropical do planeta e 40% do nosso custo de produção é importado. Qual é a explicação? Não é uma fábrica brasileira de fertilizante? Uma fábrica brasileira de pesticida, ou de implemento agrícola? Então, para começar é isso aí.
Cafezinho: No curto prazo, dá para reverter tudo isto?
Ciro Gomes: Para começar mesmo, você tem que reverter expectativas para serem tomadas no curto prazo. Você tem quatro providências a serem tomadas. Eu deixei tudo escrito com a Dilma, e ela catatônica, não quis. Primeiro: para o passivo das empresas, nós temos 380 bilhões de dólares de reservas cambiais. Separa 50 bilhões de dólares, hospeda no BRICS, ou abre um fundo soberano, e empresta a juro internacional, com red por conta da empresa com garantias de vencimento e consolida a troca de dívida interna por dívida externa. O que acontecerá com os juros brasileiros? Caem. Vão me matar quando eu propuser isto, porque o maior pânico que o banqueiro tem é o de você pagar a dívida. Segundo: lançar um lote especial de títulos brasileiros orçados em R$ 50 bilhões. Só nisso você resgata o que a Petrobras precisa para recuperar em ação, cem por cento do seu plano de investimento. Você ganha dinheiro. O governo recupera isso daí rapidinho. Terceiro: acordo de leniência já, com todas as empresas da construção pesada. Empresas não são corruptas. Corruptas são as pessoas. A Alemanha fez isto com a Volkswagen, a América fez com a Chrysler. Em 2008, muita gente pagou pelas fraudes, mas lá, as empresas foram salvas. Agora este canalha que preside a Petrobras, convocou 17 empresas estrangeiras para uma carta-convite e excluiu todas as brasileiras a pretextos de que as empresas são corruptas. Como eu sou estudioso, fui ver cada uma das 17 empresas estrangeiras e todas estão processadas por alguma questão em seus países. Tudo ladroeira. Esse país é um país sangrado. Assaltado por todos os lados. Ninguém acredita que o país vai crescer. E não vai mesmo. E a quarta questão: é trazer a taxa de juros o mais rapidamente possível para baixo. Porque se a taxa de juros hoje está subindo no meio de uma depressão econômica excedente na história do Brasil, a taxa de juros real também está subindo. É um negócio de maluco. Para quem está lá fora entender que o Brasil tem uma meta de inflação inferior a 4%… E o juro continua a 11.25%. Agora vai ter que baixar de qualquer jeito. Negócio de maluco. Mas na hora que eles fizerem esse movimento de trazer a taxa de juros para um patamar próximo à rentabilidade próxima dos negócios, você restabelece o nexo da poupança, que é o que a gente precisa fazer no Brasil.
Cafezinho: Mas não houve também certa má vontade em investir no período Dilma? Isto não estava no bojo das questões para forçar a sua queda?
Ciro Gomes: Os industriais brasileiros quando estão nas fábricas eles percebem que as coisas estão profundas e definitivamente erradas, mas ao apropriarem algum excedente pessoal, hospedam no rentismo e aí ficam cripto conservadores. E o que fazem? Quando a empresa está quebrando, mas eles querem preservar o rentismo que lhes é favorável à pessoa física, aí começam a estressar os outros custos, que é o custo do trabalho, é o custo tributário, ou simplesmente desistem. Ou se desindustrializando, ou construindo um passivo externo para ser financiado. E isto precisa ser interrompido.
Cafezinho: Nós falamos do nosso modelo econômico. E como seria o seu modelo político?
Ciro Gomes: Não há um brasileiro que defenda o nosso modelo político. Os próprios modelos de Constituição adotados no Brasil não conhecem uma só pessoa que diga: está bom. As instituições do país estão confessadamente negadas e a partir daí é uma babel. Então você tem duas tarefas para resolver no Brasil. Dado que eu sou parlamentarista. Fomos ao povo, o povo não quis e acabou. Isto posto, com todas as contradições, eu tenho dado tratos à bola para buscar como resolvê-las. A mistura de alguns remédios pode funcionar. Primeiro: circunscrever a necessidade de uma maioria orgânica a um mero ato de governo. Ou seja, maioria simples. Não precisa de maiorias gigantescas, orgânicas, construídas na base da corrupção, ou na base da fisiologia, isto na verdade se tornou notável pelo Fernando Henrique, pelo Lula… Só há duas razões subalternas nisto. O tempo de televisão, para fazer calar o adversário, e a outra é medo de CPI. Você faz uma maioria cheia de bandidos e fica com medo que aquele Congresso, sabendo dos bandidos, vá em cima. E vai mesmo. Então, um governo meu não terá bandidos e eu não vou ter medo de CPI. Se eu idealizar uma reforma, vou fazê-la amplamente discutida, pactuada. Nada substitui o cidadão ativo tendo democracia. Nós temos uma história autoritária, de golpe. Sabe qual foi o período mais longo que nós tivemos democracia no Brasil? Os 27 anos que se encerraram agora, com a queda da Dilma. Foi o máximo de democracia que nós tivemos. Outras duas coisas, ainda para mitigar são o plebiscito e o referendo. O povo brasileiro não se sente ativo. Às vezes se sente objeto ou cliente.
Cafezinho: Foi feita uma pesquisa pela Fundação Perseu Abramo, sob encomenda do PT, que concluiu que uma faixa da classe média baixa, beneficiada por programas sociais do partido, desacredita dos políticos e vê o Estado como o seu inimigo, que nada faz por ela. Qual a sua opinião sobre esse quadro descrito na pesquisa?
Ciro Gomes: Isso é o que o povo vê em tempo real, todo dia na televisão. Por quê? Porque o neoliberalismo precisa desmoralizar o Estado o tempo todo. Na Europa estagnada é igualzinho. E está aí a tragédia de 65 milhões de refugiados. Pelo exemplo, nós precisamos recuperar a consciência e a responsabilidade pelas questões coletivas e não é o mercado, é o estado. Mas o povão separa. Ele critica o gênero, mas ele separa no que ele confia. O sistema já tinha ruído há muito tempo.
Cafezinho: O senhor falou em lutar para derrubar o conservadorismo. Aceitaria participar e lutar por isto numa frente ampla de esquerda?
Ciro Gomes: O Brasil não precisa de uma frente ampla. Pelo contrário. Nós precisamos fazer uma autocrítica, porque nós falhamos vergonhosamente. Primeiro porque nobilitamos uma política ultraconservadora. Nós estivemos no centro do conservadorismo em 12 anos de poder. Nós contemporizamos com o que há de mais corrupto na vida brasileira. E foi só um projeto de poder, em 12 anos de governo. Não foi em nome de um projeto de país. Nós falhamos.
Cafezinho: Tem como governar com este Congresso que está aí?
Ciro Gomes: Claro, pois se eles foram eleitos pelo povo temos que governar com eles, pois como eu lhe disse, eu sou um democrata. Agora, isto daí está como está porque o centro do poder é que é podre. O Itamar Franco, a quem eu servi como ministro, encerrou 40 anos de inflação com este Congresso aí. Nunca contemporizou, nunca fez aliança e nem se submeteu à chantagem de ninguém. Simples assim. O Lula no primeiro mandato não contemporizou com esta gente. Evidente que se levantou contra ele o golpe, o mensalão, etc, mas porque erraram. Foram replicar as práticas do PSDB de São Paulo. Mal sabendo que o PSDB de São Paulo era e é acobertado pela grande mídia, que é sócia deles. E o Lula nunca foi. Lula foi intolerado e resolveu brincar de PSDB, mensalão. Marcos Valério era o operador do PSDB até que foi apresentado ao José Dirceu, que achou que era o crime perfeito. Pensou: eu vou replicar o crime do meu adversário, só existe ele, e ele não vai me denunciar. E se ele me denunciar eu denuncio ele. Cansaram de dizer ‘eles fizeram também’. Ora, fizeram também, mas não se deve fazer. Eles, do PSDB, fazem isto há séculos no país. Com vários nomes diferentes, mas fazem isto há séculos, no Brasil.
Cafezinho: De dentro, a visão que se tem do Congresso é diferente?
Ciro Gomes: Vou lhe explicar. Eu já fui o deputado mais votado do Brasil. O Congresso brasileiro foi a pior coisa da minha vida. Só para você ter uma ideia, explodiu a crise de 2008 e ninguém mencionou. Para você ver o nível de alienação. Ninguém mencionou no parlamento a mais aguda crise do capitalismo mundial, até que eu protestei lá. Vamos passar em branco? Não vamos nem sequer discutir o assunto? E aí às pressas arranjaram lá um dia de debate. Olhando daquele posto de vista, lá de dentro, a Câmara pode ser dividida assim: um terço, gente séria e boa. Outro terço de ladrões, bandidos, marginais de quinta categoria, tipo o Cunha. E o outro terço é mestiço. Se o governo prestigiar esse lado sério, esse lado mestiço aqui se adapta e vem para cá. E se esse lado mestiço percebe que o executivo está indo para o outro lado, ele vai para lá. Essa constituição aí não nasceu de ontem para hoje. O Eduardo Cunha, por exemplo, o Lula deu Furnas para ele, que é uma das grandes companhias de energia elétrica no Brasil. O Lula deu Furnas para ele, que botou uns milhões no bolso e distribuiu o resto para os colegas. Virou presidente da Câmara. E fez o impeachment. Quem botou o Michel Temer na linha de sucessão foi o Lula, brincando de Deus, como eu protesto.
Cafezinho: Quando o senhor diz que Lula brincou de Deus, o que quer dizer exatamente?
Ciro Gomes: O Lula lá pelas tantas começou a se sentir autorizado a fazer o que bem quisesse e entendesse. Parte com razão, e outra parte por desequilíbrio emocional, mesmo. Eu vi essa posição do Lula ali, de dentro.
Cafezinho: O Senhor disse que tem conversado com muita gente. Lula e Fernando Henrique, por exemplo?
Ciro Gomes: Fernando Henrique apenas em ambientes sociais. Eu não tenho muito que conversar com ele não. Já com o Lula eu tenho conversado bastante. Sobre o país, sobre o Brasil. Recentemente fui ao hospital visitar a mulher dele, D. Marisa, que era minha amiga, fui ao enterro. E ele agora só quer falar de política.
Cafezinho: E em que termos?
Ciro Gomes: Eu tenho dito para ele, o seguinte: eu não mudo de lado. Acho que a candidatura dele é um desserviço a ele e ao país. A ele, porque, na melhor hipótese, ele ganha – mas ele pode perder a eleição. As pessoas vêem a preferência, e tal, mas não vêem a rejeição. Neste caso ele replicará para os próximos anos isto que está aí. Aí vai fazer o quê? Vai conciliar de novo com esta gente? Eu não vou mais. Eu votei nele em 89, em 94 eu votei no Fernando Henrique porque ajudei a fazer o Real. Rompi com Fernando Henrique porque ele fez cair tudo o que a gente pensou e prometeu. Eu votaria em Lula no segundo turno, mas não teve segundo turno. Depois, como eu era candidato e perdi, votei nele no segundo turno. Eles me deram uma rasteira, tá tudo certo, voltei e apoiei a Dilma. Dois terços dos deputados do Ceará votaram contra o impeachment. Foi o único estado brasileiro que honrou a nossa tradição. Nós fomos o primeiro estado brasileiro que aboliu a escravidão. É um estado muito politizado. E agora de novo eu só sirvo para isto? Para ser vice?
Cafezinho: Em hipótese alguma o senhor aceitaria ser vice?
Ciro Gomes: Não. Eu não tenho muita personalidade para ser vice, né? Vice tem que ser um cara discreto, leal, e eu vou ficar numa chapa que eu não aprovo, que vai botar o Meirelles? O Lula queria porque queria que a Dilma botasse o Meirelles como ministro da Fazenda. Depois o país sofre um golpe de Estado, e o golpista bota o Meirelles como ministro da Fazenda. Então, eu não tenho nada a fazer aí. Nem pensar.
Cafezinho: E se o Lula for candidato? O senhor será candidato?
Ciro Gomes: Sou. Saiu na Folha de São Paulo, porque a imprensa tem isto – ou por desinformação ou por maldade – eu disse que quem decide a minha candidatura é o meu partido. Então, se o meu partido quiser, eu sou candidato. E digo também, para além dessa minha afirmação, que é categórica, que se o meu partido quiser, por qualquer circunstância, que não gostaria de ser candidato se ele fosse. Porque eu cultivo a verdade e as pessoas na política não gostam muito disto. O que eu digo é que se o Lula sair candidato, eu fico muito espremido no espaço para o eleitor me achar. Esse ambiente vai ficar absolutamente passional. O cara vai discutir que um fugiu da cadeia, o outro vai falar em fascismo, e eu falando de economia, de projeto para o país, então o meu discurso vai se perder nisso. Vai ficar difícil, mas eu serei candidato. E desta vez eu vou com disposição de ganhar.
Cafezinho: E agora, como irá se comportar a sua língua?
Ciro Gomes: Eu existiria se não fosse a minha língua? Eu não sou plutocrata, não tenho televisão, não tenho fortuna, não tenho empresa. Sou filho de funcionário público, fui educado quase toda a minha vida na escola pública, no Ceará, dentro do movimento estudantil, então a minha meta de luta é a minha palavra.
Cafezinho: Alguma declaração de que o senhor se arrependa?
Ciro Gomes: Eu tenho 37 anos de vida pública falando todo dia não sei quantas horas. Em algum momento alguma coisa escapole, mas não me arrependo de nenhuma delas não. Nenhuma foi por atitude subalterna. Sempre foi em defesa do nosso povo. Eu nunca precisei fazer uma frase para me defender de acusações de malversação de dinheiro público. Não tive nenhum inquérito, nem sequer para ser absolvido.
Cafezinho: Uma das suas declarações polêmicas foi sobre a sua vida particular. O senhor expõe pouco esse lado. Como está a sua vida, agora?
Ciro Gomes: Eu tinha decidido sair da política, mas a minha paixão pelo Brasil fez com que muitas vezes eu me oferecesse para ajudar. Já ajudei, mas com o estado do Ceará eu tinha uma responsabilidade. Eu, nesses últimos anos ajudei a preparar uma geração nova e altamente qualificada, que está tomando conta e brilhando. O Rio de Janeiro está quebrado, o Rio Grande do Sul está quebrado, o estado de Minas quebrado, e o Ceará é a maior formação bruta de capital, no país. Um estado pobre, e eu ajudei a fazer isso. Geração nova. O meu governador lá tem mestrado, é médico, tem PHD em saúde pública. Na avaliação do MEC o Ceará tem 77 das cem melhores escolas do Brasil. As 24 primeiras são todas do Ceará. Então eu estou desobrigado e tinha resolvido parar. Aceitei pela primeira vez um emprego no setor privado, estava ganhando um salário que eu sempre achei que merecia. Era super executivo, mas nunca ninguém me pagou, porque o serviço público não paga, e aí veio o impeachment. E eu achei que seria uma deserção de um dos meus deveres para com a pátria, ficar calado, omisso, cuidando da minha vida pessoal. Pedi demissão no dia que a Dilma foi afastada. Pedi, na mesma hora e fui para a guerra. Falo pelos cotovelos, tenho falado durante 37 anos, e tudo que falam de mim são as bobagens que eu falei? Viva eu!
Cafezinho: O senhor não respondeu. E a vida?…
Ciro Gomes: Tenho um filhinho novo, mas não estou casado não. Só namorando.
* Jornalista e colunista do Cafezinho.